A Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados realizou nesta quinta-feira, 8, uma audiência pública destinada a ouvir demandas de motoristas e empresas para aprimorar o free flow, sistema eletrônico para cobrança automática de pedágios. Debatedores apoiam a inovação tecnológica, mas entendem que há lacunas regulatórias prejudicando a experiência.
As críticas se concentram principalmente no processamento e emissão da cobrança, seja para quem usa tag – adesivo que pode ser adquirido nas empresas de pagamento credenciadas para cobrança automática – ou ainda de quem já utiliza a etiqueta. Na visão de parlamentares, moradores e empresários, a determinação de regras que possibilitem a interoperabilidade, agilidade e integração de sistemas contribuiria para a melhoria.
Raphael Lopes Cendon, presidente da Associação de Moradores do Itimirim-Itaguaí/RJ, aponta obstáculos no controle dos débitos, como casos em que o pedágio é cobrado 13 a 17 dias após a passagem no pórtico. “Como é que o usuário que não tem a tag vai ficar todo o dia entrando no sistema para pagar?”, questiona.
Pela regra em vigor, o pedágio deve ser pago em até 30 dias contados da data de passagem pelo pórtico, caso contrário, será cobrada multa de evasão, que é de R$ 195,23, além de 5 pontos na CNH, com base no Código de Trânsito Brasileiro.
Cendon também critica a falta de reconhecimento imediato de pagamentos no Pix, além da necessidade de garantir isenção de moradores que moram próximo às praças de pedágio. Em determinados bairros nas redondezas da Rodovia Rio-Santos, segundo ele, a posição de retornos geram cobranças duplicadas, por exemplo.
O ritmo da notificação também é um problema para as empresas. O vice-presidente da Associação Brasileira de Locadoras de Veículos, Paulo Miguel, defende um sistema que seja rápido o suficiente para possibilitar a checagem do custo no momento em que um locador fizer a devolução do veículo. Para ele, a tag não resolve o problema, pois quando se analisam atividades interestaduais, há necessidade de gerir as emissões a partir de diferentes rodovias e concessionárias, em uma variedade cada vez maior, conforme o avanço da tecnologia a novas regiões.
“Se a gente pegar a maior locadora do país, com 600 mil veículos, imagina ter que consultar sua frota diariamente em cada um dos portais? É algo realmente inviável”, contou Miguel, acrescentando que a associação já levou ao Senatran (Sistema Nacional de Trânsito) a demanda de regulamentar a centralização das emissões em único portal.
A integração também é uma demanda da Frente Parlamentar Mista de Logística e Infraestrutura (Frenlogi), para facilitar o gestão de vale-pedágios, importante para o setor de cargas.
Regulação do free flow
A regulação sobre o free flow observa diferentes instâncias. As regras que valem para todo o país estão dispostas na Resolução 1013/2024, do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), vinculado ao Ministério dos Transportes, publicada em outubro de 2024. Mas há detalhes de procedimento em aberto ou que cabem a entes subnacionais.
A ANTT trabalha em uma regulamentação que incorpora parte dos pleitos, mas que será aplicada apenas às concessionárias federais, que são de sua competência. Apesar disso, a agência busca estabelecer uma metodologia que sirva de modelo para replicagem no âmbito dos estados, a critério das autoridades locais.
A porta para novos métodos de cobrança de pedágios foi aberta a partir de atualização no Código de Trânsito Brasileiro promovida em 2021. A possibilidade impulsionou o interesse das concessionárias em todo o país, e a ANTT instituiu um sandbox de free flow entre o final de 2022 e início de 2023, tendo como piloto o trecho da Rodovia Rio-Santos (BR-101/RJ), passando por Paraty, Mangaratiba e Itaguaí, administrada pela concessionária CCR RioSP.
Atualmente, já há outros sistemas instalados também em rodovias estaduais, como em São Paulo (SP-333), pela EcoNoroeste; no Rio Grande do Sul (ERS-122), pela CSG; e em Minas Gerais (MG-459), pela EPR Sul de Minas.
Os principais resultados do sandbox no Rio, compartilhados pela CCR à ANTT, apontam que a maioria das cobranças se dá por tag (73,8%), e a evasão geral no pedágio ficou em 11,26% entre julho e setembro do ano passado.
Projeto de lei

Audiência Pública sobre a implantação do Sistema de Livre Passagem em Pedágios, free flow | Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
O debate na Comissão de Viação e Transportes foi promovido pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ), autor de uma proposta de suspensão de multas já aplicadas pelo não pagamento do pedágio via free flow. A autuação ficaria sem qualquer efeito pelo prazo de um ano. A ideia é que neste período, os usuários sejam devidamente informados sobre o débito e tenham prazo para regularizar, seja por meio de pagamento ou contestação.
Sugere-se também assegurar que caso os requisitos estabelecidos em regulamentação para comunicação do usuário e disponibilização de meios de pagamento não tenham sido cumpridos dentro do prazo de 12 meses, o auto de infração seja arquivado, mesmo que sem a quitação.
A possibilidade consta no substitutivo ao PL 4643/2020, aprovado na Câmara em novembro do ano passado, mas que, desde então, aguarda encaminhamento no Senado para última análise.
A isenção de multas chegou a ser concedida pela Justiça do Rio por ação civil pública, mas a cobrança acabou sendo retomada por derrubada de liminar na Justiça Federal.
O projeto de lei propõe também facultar o uso de tag, que é um dos principais diferenciais das empresas credenciadas para pagamento. Atualmente não há essa obrigação. Mas a ideia é pontuar que a recomendação do legislador federal é de não obrigar a adoção da tag e possibilitar que outros meios, como o pagamento avulso e o atendimento presencial, continuem sendo disponibilizados.
Para Leal, a etiqueta eletrônica não pode ser considerada a solução.
“Eu quero deixar claro que tag é uma alternativa, não é uma obrigação. […] Esse sistema de pagamento não pode ser imposto aos usuários, porque eles não fizeram parte do processo de concessão da rodovia”, defendeu o deputado.
Visão da ANTT

Pórticos do free flow. Foto: ANTT/Divulgação
Em fevereiro deste ano, o gerente de regulação da ANTT, Fernando Bardelli Barbosa, se opôs à isenção de multas por entender que impactaria o desempenho do free flow. A referência para tal receio, segundo Barbosa, são casos identificados em benchmark. Ele destaca a experiência da África do Sul, onde os pagamentos estavam em 70%, e uma lei exonerou multas até então aplicadas, o que teria causado uma queda dos pagamentos para 30% e um “desinvestimento” na rodovia.
“Esse é um ponto de alerta que a gente vê fora do país com determinadas legislações que podem vir para impedir um avanço que é extremamente positivo para a prestação de serviço de infraestrutura rodoviária”, opinou Barbosa sobre isenção de multas.
Na ocasião, em evento promovido pela Fetcesp (Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de São Paulo), o representante da ANTT afirmou que a resolução da agência sobre o free flow para concessões federais poderá sair em maio deste ano. Para isso, o tema deveria passar pela Procuradoria e área técnica.
A minuta mais recente foi publicada em fevereiro, com regras para o pagamento avulso e pela tag. A Procuradoria liberou o processo no dia 16 de abril. Agora, ele passa pelos últimos ajustes. Em linhas gerais, o texto obriga a interoperabilidade no free flow, “assegurando que o usuário terá seu veículo identificado em todas as vias com cobrança automática de pedágio”. Também exige a possibilidade de contestação das cobranças, atendimento presencial e que as empresas credenciadas para pagamento (chamadas de OSA – Operadora dos Serviços de Arrecadação), estejam disponíveis no consumidor.gov.
“A interoperabilidade será obrigatória. E se a tag for reprovada ou tiver algum problema, é dever da empresa de pagamento eletrônico já devolver imediatamente para que a concessionária possa fazer aquela cobrança ou colocar no site”, disse Barbosa.