Pouco se fala sobre isso, mas existe uma disputa silenciosa entre estados para a atração de centros de distribuição de comércio eletrônico em suas cidades, com o intuito de gerar empregos e aumentar a arrecadação. Para tanto, uma das armas utilizada é a redução do ICMS. Um dos protagonistas nesse jogo é o estado da Paraíba, que, em abril de 2020, reduziu o ICMS de 18% para 1% nas vendas feitas por centros de distribuição de e-commerce para outros estados. Para vendas internas, o ICMS é de 4%.

Varejistas como Magalu e Fast Shop, por exemplo, já abriram CDs na região para reduzir seus custos e aproveitarem os benefícios. Em publicação ano passado no Twitter, o governador da Paraíba, João Azevedo, explicou que o estado já possuía mais de 300 centros de distribuição, a partir do novo regime fiscal.


No caso da Fast Shop, este noticiário apurou que o benefício traz reduções consideráveis para o consumidor na ponta, uma vez que a companhia começa a ofertar para os compradores a possibilidade de comprar o produto do seu centro de distribuição no Distrito Industrial de Alhambra/PB. Para um cliente no estado São Paulo, a compra via Paraíba significa 27% de desconto no valor final.

Entenda

Em abril de 2020, o estado da Paraíba baixou o decreto 40.211/2020 de “Regime Especial de Tributação de ICMS” válido até o final de 2022, sendo 2025 para importações. O documento tem como intuito “o incremento do faturamento e da arrecadação do imposto”. No artigo 2º, esclarece que a normativa se aplica para quatro atividades econômicas:

I – torrefação e moagem de café;
II – comércio atacadista em geral, inclusive importações;
III – industrialização e comercialização de produtos comestíveis resultantes do abate de bovinos, bufalinos, suínos, ovinos, caprinos e aves;
IV – industrialização náutica, aeronáutica ou similar.

E no primeiro inciso o decreto cita o e-commerce:

1º-A Incluem-se no percentual previsto no § 1º deste artigo, as operações interestaduais feitas para CPF ou CNPJ, desde que realizadas:

I – em razão de licitação pública;

II – por meio do comércio eletrônico – Internet;

III – na modalidade de marketing direto e por meio de revendedor autônomo, devidamente cadastrado pela empresa;

IV – para clínicas, hospitais e congêneres.

Como contrapartida, as empresas devem ter pelo menos saída média mensal de mercadorias de R$ 2 milhões e gerar ao menos 30 empregos diretos.

Caso da Fast

Arquivo com a nota fiscal de compra do iPhone SE 5G (crédito: Henrique Medeiros/Mobile Time)

Esta publicação foi a três lojas diferentes da Fast Shop: uma no Rio de Janeiro, outra em Santo André e outra em São Paulo. Na capital fluminense, um smartphone Samsung Galaxy S22 foi obtido por meio do mecanismo fiscal e logística da Paraíba. No município do ABC Paulista, o dispositivo comprado foi um iPhone SE 5G de 64 GB também com isenção fiscal.

A entrega dos dois dispositivos foi feita em aproximadamente cinco dias e sem cobrança de frete.

Nota-se que nas duas vendas, a compra foi feita após o vendedor olhar o aplicativo interno da varejista e checar se havia produto no estoque em Alhambra. Ambos os aparelhos são usados para consumo próprio dos jornalistas. Na terceira ida, este repórter fez tentativa de compra de TV. Mas neste caso, em São Paulo, o benefício da Paraíba foi oferecido como parte do programa de assinatura Fast Prime, da Fast Shop.

De acordo com Bianca Xavier, professora de direito tributarista da FGV-Rio, essa modalidade de venda com ICMS reduzido ocorre não apenas pela isenção fiscal que a companhia tem na Paraíba após instalar CD, gerar receitas e criar empregos, mas também por “ajuizar uma ação para não pagar o “ICMS DIFAL” ou “diferencial de alíquota”.

“Toda vez que um produto sai de um estado e vai para outro tem que pagar diferença de alíquota. Imagina o seguinte: o benefício em um estado é de 3% e em outro 20%, então por mais que eu tenha um benefício mais baixo em um estado, a empresa precisa pagar a diferença de alíquota quando chega na outra região”, detalha a especialista.

Esse DIFAL está incluído dentro da nota de compra dos produtos como pode ser visto na imagem abaixo da aquisição do iPhone de 64 GB.

Complemento da nota fiscal de compra do iPhone SE 5G com o trecho do DIFAL (crédito: Henrique Medeiros/Mobile Time)

“No caso da Fast Shop, houve uma discussão porque não tinha previsão legal para a cobrança do diferencial de ICMS. A Fast Shop da Paraíba conseguiu uma liminar e o STF julgou a favor para não se pagar esse diferencial de alíquota, mas isso funciona só para quem tinha essa ação antes da decisão do STF”, explicou. “Ou seja, a questão da Fast Shop é que ela não está aproveitando um benefício de um outro estado. Ela tem uma decisão judicial que fica sem pagar esse ICMS até 2024. Falando de forma simplista, hoje, os estados cobram esse default. Se você tiver que fazer uma operação, dificilmente vai conseguir”.

Zona cinzenta

De acordo com Xavier, essa modalidade de venda da Fast Shop entra “em uma zona cinzenta”, pois não seria caracterizada como “passeio de nota fiscal”, algo que deixaria a Fast fora do benefício fiscal da Paraíba e deveria ser enquadrada e multada por fiscais estaduais em SP e RJ.

“A legislação fala que e-commerce é a venda não presencial. Qualquer canal de venda, exceto o presencial. Isso inclui o totem de um e-commerce, você compra na loja física, mas no e-commerce. Isso me parece uma venda física. Tem espaço para discussão isso, mas, na minha opinião é uma venda física”, explica. “Agora, se eu, consumidor, compro do meu celular, aí pode ser feita normalmente. Isso configura uma venda não presencial. O que não dá para fazer é o jeitinho brasileiro, o e-commerce dentro da loja física”, completa.

A Fast Shop, Magalu e a Secretaria da Fazenda da Paraíba foram procurados por Mobile Time, mas não responderam até a publicação desta reportagem. O espaço deste noticiário fica aberto para esclarecimentos futuros.