A discussão sobre neutralidade de redes historicamente se concentrou em argumentos relacionados com direitos do consumidor e liberdade de expressão. Sob a ótica regulatória, o debate se focou em três pontos principais: transparência (como os provedores implementam normas de monitoramento em suas redes), bloqueio (a legalidade de bloquear ou degradar a qualidade de transmissão de conteúdos específicos) e segmentação (priorização por tipos de pacotes de dados). O objetivo comum desses três pontos é simples: evitar a censura e/ou a discriminação de conteúdos. Sem dúvida é necessário que os governos adotem algum tipo de medida que garanta a liberdade de expressão aos usuários, sobretudo quando a experiência internacional demonstra exemplos de empresas como AT&T Mobility ou Comcast nos EUA que bloquearam a comunicação de seus clientes.

Tal como em outros mercados latino-americanos, o debate sobre neutralidade de rede está se transformando no Brasil em um tópico recorrente. O que se observa até o momento nesses mercados é uma polarização do discurso. Por um lado, os órgãos reguladores se apropriam dos princípios de neutralidade de rede que por tantos anos foram debatidos em mercados desenvolvidos e que foram esboçados recentemente nas legislações chilena e holandesa: não discriminação. Por outro lado, os provedores de telecomunicações exigem que qualquer norma sobre neutralidade de rede considere os seus custos de prestação de serviços.

Os avanços tecnológicos devem forçar os reguladores a repensar a visão geral de que neutralidade de rede seja interpretada como poder transmitir dados sem nenhum tipo de restrição aos provedores de conteúdo. Obviamente, não é uma tarefa fácil, pois requer alinhar os direitos dos usuários com a realidade econômica das empresas. Esse último ponto é mais urgente quando se refere à neutralidade de redes sem fio de serviços móveis, pois sua estrutura de custos de instalação é diferente daquela das redes cabeadas. Especialmente, quando a crescente oferta de serviços OTT (over the top) de vídeo no Brasil para dispositivos móveis iniciada por empresas como Netflix tem fortes implicações para os modelos de negócios dos variados atores da indústria móvel nacional.

A tendência é de que todos os provedores de serviços OTT de vídeo sob demanda lancem versões móveis de seus produtos que permitam incrementar exponencialmente sua receita com publicidade ou assinatura. Além disso, é uma questão de tempo par que alguns desses provedores que não contam com operação de telecomunicações decidam firmar alianças com as teles móveis para, pelo menos, tentar adquirir uma participação de mercado relevante.

Nos próximos anos se observará no Brasil dois caminhos para o modelo de negócios de vídeo sob demanda em redes móveis. Por um lado, provedores tradicionais que conquistarem uma participação importante de mercado tentarão assegurar sua posição através de alianças com operadoras locais. Por outro, empresas como Telefônica e Claro lançarão no mercado suas próprias ofertas para tentar incrementar as receitas derivadas de distribuição de conteúdos. No caso da Claro, é esperado que a operadora lance em 2012 seu serviço sob a marca "Claro Ideias Entretenimento", que já utiliza na Argentina e no Uruguai. Esses dois modelos de negócios não se excluem. Signals Consulting identifica a GVT, operadora sem rede móvel, como grande candidata a se estabelecer como opreadora de vídeo sob demanda móvel. Para obter sucesso, teria que expandir sua oferta atual de vídeoclipes (chamada Power Music Club) para incluir outros conteúdos.

Cabe ressaltar que a aposta em OTT de vídeo móvel não implica na canibalização de serviços de radiodifusão de TV digital terrestre, mas em um serviço "premium" que lhe seria complementar. A vantagem que possuem os sinais de TV digital terrestre é a não utilização das redes das operadoras móveis para que os usuários acessem seus conteúdos. Outra vantagem é estarem livres da discussão sobre neutralidade de rede para serviços móveis, assunto que dominará o debate nos órgãos reguladores latino-americanos nos próximos anos. Por fim, a chegada de serviços de OTT de vídeo móvel estimulará o investimento em redes para desafogar o tráfego – como planeja fazer a Oi no Brasil com a aquisição daVex – e ajudará a posicionar a fibra óptica como principal solução para backhaul em redes 3G/4G das operadoras móveis.