|Mobile Time Latinoamérica|  Em meio a um panorama global em que a indústria de telecomunicações enfrenta desafios de sustentabilidade, comoditização dos serviços e uma onda de fusões empresariais, a Comissão de Regulação de Comunicações (CRC) da Colômbia, órgão regulador de telecomunicações daquele país, avança em uma agenda regulatória que busca modernizar as normas, simplificar processos e antecipar os desafios de um setor que vem se transformando e se ajustando nos últimos anos.

Em entrevista ao Mobile Time Latinoamérica, Felipe Augusto Díaz Suaza, comissário da CRC, detalha os projetos-chave conduzidos pela entidade, desde a atualização das condições nos mercados atacadistas fixos e móveis, passando pela avaliação da sustentabilidade do setor diante do crescimento das plataformas de conteúdos audiovisuais, até a análise técnica da fusão entre Tigo e Movistar.

Mobile Time Latinoamérica – Quais são os projetos regulatórios nos quais a Comissão de Regulação de Comunicações (CRC) da Colômbia está trabalhando atualmente?

Felipe Augusto Díaz Suaza – A Comissão está realizando atualizações bastante importantes para verificar as condições nos mercados atacadistas, fixos e móveis.

Temos outro tema muito interessante, que é o fato de a CRC vir desenvolvendo um mecanismo de simplificação normativa permanente, o qual tem sido bastante relevante. Neste momento, decidimos estruturá-lo de forma que não seja apenas por intervenções periódicas, mas que possamos atender a qualquer solicitação feita pela sociedade e pela indústria, atualizando e criando esquemas de regulação e atualização normativa de maneira contínua.

Outro campo em que estamos atuando é uma consulta que iniciamos no ano passado, junto ao Ministério de TIC da Colômbia, voltada para estudar a sustentabilidade do setor — essencialmente, para analisar se havia indícios ou evidências de algum tipo de externalidade entre o funcionamento da indústria de telecomunicações e o setor de plataformas audiovisuais.

Temos também um projeto regulatório bastante interessante no mercado de conteúdos audiovisuais, que estamos submetendo à discussão: uma resolução na qual declaramos o mercado de televisão pública aberta sujeito à regulação ex ante — isso é uma novidade. Além disso, estamos analisando o mercado de radiodifusão sonora sob a ótica da regulamentação de mercado de dois lados.

Por fim, estamos realizando a análise da fusão entre Tigo e Movistar. Embora não seja competência desta comissão decidir sobre integrações empresariais, como regulador do setor, temos participado ativamente, prestando assessoria técnica à Superintendência de Indústria e Comércio, que é o órgão competente para tomar a decisão. Nosso objetivo é fornecer todas as evidências e apoio técnico necessários para que possam avançar em suas análises e tomar uma decisão fundamentada e estratégica.

Como a Colômbia está avançando na simplificação da sua regulação e no ajuste às demandas da indústria?

Começamos um exercício de simplificação normativa em 2018. Esse processo resultou em um primeiro trabalho que concluiu com uma resolução de 2019, que estabeleceu diretrizes sobre como reduzir custos de transação e eliminar normas obsoletas.

Isso se consolidou em uma política de melhoria regulatória que a Comissão de Regulação de Comunicações instituiu em 2022 e que, paralelamente à simplificação feita nos mercados de redes móveis e fixas, foi acompanhada por uma regulamentação derivada de um exercício de simplificação realizado em 2020.

Finalmente, em 2024, iniciamos outro exercício de simplificação e, agora, em 2025, com as resoluções 7811 e 7810, conseguimos reduzir em cerca de 18% o conteúdo da resolução 5050, que é nosso compêndio regulatório unificado.

Isso é bastante relevante, porque a decisão da Comissão foi tornar o exercício de simplificação permanente, de modo que não precise ser realizado periodicamente, mas que qualquer cidadão ou agente do setor que tenha informações possa propor problemas e alternativas regulatórias.

É um trabalho muito importante, pois reflete como entendemos a regulação e o papel da Comissão. Embora a CRC na Colômbia não tenha competências em temas de política pública nem administre o fundo de serviço universal, desempenhamos um papel fundamental na alocação de recursos econômicos, justamente eliminando cargas administrativas desnecessárias.

Um dos planos futuros da Comissão é sistematizar o envio de informações, para que isso não precise mais ser feito por meio de arquivos enviados periodicamente, mas sim por um tipo de conexão remota — possivelmente via API — com nossos agentes regulados, buscando reduzir custos de transação que esperamos que se convertam em mais recursos para investimento e em maior disponibilidade de caixa, algo fundamental para a indústria.

Como a indústria de telecomunicações se beneficia dessa regulação?

A indústria de telecomunicações, particularmente na Colômbia, tanto nos serviços móveis quanto nos fixos, passou por transformações bastante relevantes, muito alinhadas ao que tem ocorrido em nível internacional.

O que temos observado é uma contração — ou, mais precisamente, um agravamento das condições de saúde financeira do setor. Isso não é um fenômeno isolado, mas algo comum no cenário global, com uma onda de fusões e concentrações empresariais fortemente relacionada à geração de valor na indústria. Em alguns casos, isso se conecta à comoditização dos serviços.

Em vários documentos, temos apontado que muitos dos serviços hoje oferecidos pela indústria de telecomunicações se tornaram comoditizados. Alguns, como as mensagens de texto e o áudio móvel, apresentam queda contínua.

No caso das mensagens de texto, há a ressalva de que o segmento B2B, nos códigos curtos, continua muito forte na Colômbia. Inclusive, neste momento estamos iniciando um processo para desenvolver um projeto regulatório voltado justamente para combater fraudes associadas a serviços móveis que utilizam esses códigos curtos.

O Chile fez, no ano passado, uma intervenção bastante interessante nesse sentido, abrangendo não apenas códigos curtos, mas também serviços de chamadas, com uma recategorização e redefinição dos identificadores de numeração, buscando justamente reduzir esse fenômeno.

Essas mudanças no consumo estão afetando a sustentabilidade financeira da indústria na Colômbia?

A questão é que os usuários estão reduzindo o uso de alguns serviços e concentrando-se principalmente no serviço móvel, que está se transformando em um commodity. Isso tem grande impacto, pois o setor possui uma carga permanente de investimento em capital. Esse alto investimento em CapEx exige que os agentes mantenham fluxos de caixa significativos para sustentar o ritmo de atualização e investimento. Com rentabilidades menores, o cenário torna-se mais complexo.

Tanto na Colômbia quanto no resto do mundo, os operadores têm manifestado preocupação, apontando uma possível externalidade na forma como as plataformas de conteúdo audiovisual conduzem seus negócios. Essas plataformas geram grandes volumes de tráfego, o que provoca um crescimento não sustentável da rede e obriga a mais investimentos.

No entanto, nesse contexto, não se trata de culpar os geradores de tráfego ou a indústria — são dinâmicas normais que ocorrem em qualquer setor quando não há geração de valor agregado adicional e os produtos acabam se tornando commodities.

O ponto central é que isso nos obriga a analisar as diferentes inter-relações que podem ocorrer entre os diversos mercados conectados. Por isso, a CRC vem conduzindo um trabalho de diagnóstico sobre o estado desses mercados.

Como está sendo feito esse diagnóstico para garantir a sustentabilidade do negócio?

No momento, no exercício da consulta sobre serviços OTT, recebemos informações de 31 agentes de diferentes tipos: desde associações de agentes, algumas plataformas geradoras de conteúdo, como Meta e Netflix, até associações de operadoras de telecomunicações —tanto de grandes ISPs, como é o caso da Asomóvil, quanto de ISPs menores, como a Asotic—, já que a situação é distinta para cada tipo de agente. Estamos analisando as respostas recebidas e os requerimentos que enviamos.

O que buscamos avaliar na possível externalidade não é apenas o aumento do tráfego, pois ele pode ter crescido, mas, historicamente, os operadores já realizam investimentos contingentes para lidar com esse tipo de aumento. O relevante aqui é identificar se esse crescimento: 1) foi inesperado — já que a imprevisibilidade é o que pode alterar os planos de investimento; 2) esteve relacionado a aumentos significativos no CapEx das operadoras.

Se esses aumentos no investimento, esse delta de Capex, realmente não eram previsíveis para os agentes, então poderíamos caracterizá-los como externalidade, analisando ainda se ela é pontual ou permanente.

Isso porque, de modo geral, na nossa indústria, as dinâmicas de demanda seguem um formato de curva em “S”: há momentos de crescimento acelerado e, depois, uma estabilização. Parte do que queremos investigar é justamente isso. É importante dizer que a indústria de plataformas tem se aproximado e participado ativamente, mas ainda não compartilhou dados — e sem dados, a análise fica limitada.

Se existir externalidade pelo lado do investimento, também é preciso considerar a externalidade positiva: a endogeneidade, associada ao fato de que os consumidores contratam serviços móveis justamente para acessar o tráfego gerado. Nesse sentido, é necessário realizar uma análise de custo-benefício para identificar qual externalidade pesa mais em termos monetários. Para isso, porém, precisamos saber qual é a contribuição da indústria de conteúdos audiovisuais para o investimento no setor.

Por quê?

Porque pode acontecer de uma CDN (Content Delivery Network) aproximar o conteúdo do país, evitando que o operador precise percorrer todo o trajeto até os Estados Unidos ou a Europa, onde ele está armazenado.

É claro que as CDNs não são instaladas com o objetivo de que a indústria de plataformas ofereça um subsídio, vantagem ou benefício à indústria de telecomunicações; mas elas acabam gerando um efeito de inter-relação cruzada, que é importante analisar.

Se não tivermos informações sobre o investimento nem outros dados relevantes, enfrentamos um problema: não é possível realizar de forma adequada a análise de custo-benefício.

Por isso, é fundamental ter clareza sobre essas informações para poder entregar respostas completas. Esse é um desafio importante para nós como regulador: estamos tentando estudar, com os dados disponíveis do lado das operadoras, o que realmente está acontecendo.

O que aconteceria se fosse comprovado o caso de externalidade?

Se for determinada a existência de uma externalidade, será necessário avaliar também se ela já ocorreu. Caso não tenha ocorrido, pode estar relacionada a outros fatores de mercado, já que essa crise estrutural do setor pesa no cenário. Se o mercado estivesse em crescimento e os operadores mantivessem altos níveis de rentabilidade, isso não seria um problema: se estou ganhando o suficiente, ter de aumentar ou fazer investimentos adicionais em CapEx por uma externalidade positiva — como mais pessoas usando as redes móveis — não seria preocupante.

O problema é que, estando em uma situação financeira frágil, qualquer fator adicional que complique o cenário tende a agravá-lo. É aí que entra a manifestação e preocupação dos operadores, algo compreensível.

Estamos tentando avaliar isso o mais rápido possível, consolidando as informações, compreendendo-as e identificando a origem do problema para entender claramente sua natureza.

Um aspecto importante no caso colombiano é que temos um regime associado aos provedores de conteúdos e aplicativos, que são agentes capazes de enviar conteúdo via mensagens de texto ou publicidade. Na época, o sindicato das operadoras móveis na Colômbia, Asomóvil, apresentou um parecer equiparando, para eles, as relações de acesso entre PCAs e operadoras à relação existente entre as OTTs — que também são fornecedoras de conteúdo audiovisual — e as operadoras. Esse é um ponto que será analisado em profundidade no documento que a Comissão está prestes a publicar.

Isso é relevante porque, na Colômbia, a própria indústria apresentou uma proposta de como acredita que essa relação deveria ser estabelecida e compreendida. É um diferencial interessante, pois deve contribuir para o debate não apenas no país, mas também em outros mercados onde essa questão vem se tornando um problema.

Entre as análises que a CRC está realizando, está sendo avaliada a fusão entre Tigo e Telefónica (Movistar). Como a CRC vê esse movimento no mercado?

A CRC faz um monitoramento permanente, mas, no caso específico de Tigo e Telefónica, decidiu realizar um diagnóstico holístico e integral de toda a dinâmica dos mercados regulados, para identificar possíveis gargalos, fechamentos verticais ou condições e condutas que possam restringir a concorrência.

Apresentamos à Superintendência de Indústria e Comércio um parecer bastante amplo, no qual simulamos os resultados da integração para determinados segmentos de serviços fixos e para a dinâmica total do mercado móvel, servindo como instrumento de análise preliminar.

Foi um exercício interessante, pois utilizou-se a estimativa de um sistema de demanda discreta, que permitiu recuperar elasticidades e compreender melhor as dinâmicas, não apenas no presente, mas também com uma visão prospectiva. Isso nos levou a entender que precisávamos trabalhar nos nossos marcos de remuneração e regulação, incluindo a remuneração nos mercados atacadistas.

A Comissão, inclusive, decidiu modificar a agenda regulatória para permitir um estudo aprofundado de todos os mercados atacadistas e avaliar se isso poderia dinamizar e atualizar as condições dos mercados de varejo.

Outro ponto foi fornecer à Superintendência elementos de avaliação para que ela pudesse analisar cenários de trade-off entre maiores eficiências estáticas — como redução de custos e, potencialmente, de preços — e a possibilidade do chamado “efeito combinado”. Esse efeito é a chance de que dois agentes, ao se concentrar o mercado, passem a “pegar leve” um com o outro, não necessariamente formando um cartel, mas diminuindo a intensidade competitiva.

Nosso papel foi apresentar evidências e mostrar o que estamos observando no mercado, sem tomar partido, pois não cabe ao regulador recomendar ou desaconselhar uma operação.

 

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