O avanço da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov 2) e a necessidade de distanciamento social trouxeram duas tendências na mobilidade urbana: o aumento do uso de bicicletas e apps de transporte privado; por outro lado ocorreu a queda do uso no transporte público, mesmo com o retorno de parte das atividades normais.

Segundo Lorena Freitas, coordenadora de gestão de mobilidade no Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil), a plataforma da Apple que mede a movimentação urbana durante a crise pandêmica mostrou um crescimento de 17% no uso de automóveis e uma queda de 6% no uso de transporte público no Brasil, entre janeiro de 2020 e setembro 2021.

“Precisamos investir na qualidade do transporte público para que a população mais vulnerável não sofra com efeitos danosos, como aconteceu com a pandemia”, afirmou Freitas, durante sua participação no Summit Tembici nesta quinta-feira, 16.

Problemas novos e velhos

Maína Celidonio, secretária municipal de Transportes do Rio de Janeiro, acredita que essas duas tendências trazem um novo desafio e uma nova dinâmica para a sociedade, uma vez que precisa “manter o que é bom, mas reverter aquilo que não é benéfico” para a cidade e para o meio ambiente.

De acordo Ciro Biderman, professor em administração pública e governo na FGV-SP, o fato de o transporte público perder passageiros de viagens curtas para os apps de transporte particulares durante a pandemia traz danos a todo ecossistema de mobilidade urbana.

“Para o passageiro do transporte curto, o app é superatrativo. Mas começamos a perder esse sujeito que financia os mais pobres. A pandemia reforçou essa situação”, explicou Biderman.

Por sua vez, Ana Valéria Borges, da superintendência executiva de mobilidade urbana de Belém, lembrou que essa perda de passageiros no transporte público não é de agora: “Isso é algo que existe há 15 anos, mas se agravou com a pandemia”.

Soluções

Entre as alternativas que podem ser empregadas para aumentar o uso do transporte público, Freitas acredita que além da melhoria do serviço em si, alternativas de incentivo à micromobilidade e tarifas para proprietários de veículos motorizados que circulam no centro são boas alternativas.

“Muitas cidades no mundo tarifam automóveis para acessar o centro da cidade e toda a receita é reinvestida em mobilidade sustentável. Outra medida mais difícil de implementar é a receita com vagas de estacionamento, com o valor arrecado sendo revertido para transporte público. Em Fortaleza, a receita do Zona Azul foi revertida para melhorias do sistema cicloviário”, explicou a pesquisadora.

Biderman, por sua vez, acredita que os aplicativos de transporte privado não são culpados dessa mudança. Mas o professor crê que eles precisam ser regulados de modo que apoiem a população mais pobre; e pela ótica governamental, ele indica que o ideal é alcançar a população periférica com um serviço público de qualidade.

Bicicletas

Outra opção debatida para melhorar o acesso da população é o uso de serviços de micromobilidade, em especial bicicletas. Tomás Martins, cofundador e CEO na Tembici, observou que esse meio de transporte ganhou um papel relevante na economia brasileira durante a pandemia.

“Nós vimos dois comportamentos de uso. No começo era uma circulação menor de pessoas que usavam as bicicletas. Mas, ao longo dos meses, vimos um aumento do uso de bicicleta como recreação e um crescimento muito forte da cicloentrega”, disse o executivo. “Era algo que vinha crescendo antes da pandemia com o delivery, mas na crise aumentou para outros segmentos além da comida. Isso traz um benefício, pois a cidade fica mais inteligente e mais humana ao usar a bicicleta como meio de transporte e entregas”, completou.

Celidonio explicou que há um esforço para incentivar a bicicleta no Rio de Janeiro como lazer e segurança viária com limite de velocidade, mas também há planos para instalar ciclovias no BRT Oeste que ainda está para ser construído. Em Belém, Borges afirmou que o trabalho local é para dar uma infraestrutura viável aos ciclistas, como espaço para levar bicicletas em embarcações rápidas até pontos de cobertura durante a ciclovia em períodos de chuvas.