O Brasil está vivendo uma ebulição de projetos de redes celulares privativas (RCPs) provocada principalmente pelo setor elétrico, com destaque para as recentes licitações de Copel, Cemig e CPFL, que juntas devem movimentar mais de R$ 200 milhões, estimam fontes ouvidas por Mobile Time. Ao mesmo tempo, a Vale, uma das pioneiras em RCPs no Brasil, anunciou um novo contrato e a Petrobras planeja migrar suas redes privativas para 5G em 2026. Com tanta demanda, a competição se acirrou, mas há desafios importantes a serem superados, como o gargalo na produção nacional de sensores para IoT e a insegurança em torno da faixa de 450 MHz, depois que a Anatel a incluiu em seu planejamento de leilões de espectro.

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Paulo Bernardocki, da Ericsson (crédito: divulgação)

“O mercado (de RCPs) está muito aquecido. No ano passado enviamos poucas ofertas para utilities. Em 2025 mandamos para praticamente todas elas”, relata Paulo Bernardocki, diretor de soluções de redes da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, em conversa com Mobile Time.

Davi Fernandes, diretor de vendas da Huawei Enterprise Business Group Brasil, confirma a alta procura: a Huawei recebeu mais de 15 consultas sobre RCPs somente do setor elétrico de um ano para cá.

Pela regulamentação do setor elétrico brasileiro, as empresas de distribuição e transmissão de energia são remuneradas de acordo com o seu Capex. Isso é um dos fatores que as estimula a investir na modernização de sua infraestrutura, o que inclui a implementação de redes celulares privativas. Além disso, as concessões de muitas dessas empresas está próxima da época de renovação, o que é mais um estímulo para que busquem novos investimentos. Portanto, não é à toa que o setor elétrico está entre aqueles com mais RCPs no Brasil: eram 43 em agosto deste ano, de acordo com o Mapa das Redes Celulares Privativas produzido por Mobile Time. Com os novos projetos em andamento, o número deve crescer significativamente.

Outro fator que contribui para o interesse das empresas de distribuição e transmissão de energia em novos projetos de RCPs é a destinação de um pedaço da faixa de 450 MHz para o Serviço Limitado Privado (SLP), como a Anatel chama a licença para redes privativas de telecomunicações. Muitas das elétricas já tinham RCPs em outras faixas, principalmente na de 250 MHz. Mas a frequência de 450 MHz proporciona maior velocidade, o que viabiliza novas aplicações em 4G, e ainda garante um amplo alcance de sinal, o que é fundamental para a infraestrutura elétrica.

“A liberação da faixa de 450 MHz é um fator novo. Trata-se de uma faixa muito aderente aos interesses das empresas de missão crítica, como aquelas de energia, água, gás… Estamos trabalhando em uma avalanche de ofertas. Nosso pessoal comercial está bastante ocupado pra atender todos os pedidos de demonstração”, relata Bernardocki, da Ericsson.

Os projetos de Copel, Cemig e CPFL

O projeto da Copel abrange em sua primeira fase a instalação de cinco sites em 450 MHz para atender 500 end-points na região de São José dos Pinhais/PR. A rede 4G vai automatizar centenas de religadores de energia e servirá também de backhaul. A operação da nova rede será comparada com outras tecnologias sem fio que a Copel utiliza para sua base de medidores inteligentes. Se tudo der certo, a RCP em 450 MHz poderá ser expandida para o restante da operação da companhia de energia. A integradora responsável pelo projeto é a Hughes, usando rede de acesso da Ericsson.

A RCP da Cemig será ainda maior. São previstos 86 sites com três setores cada em 450 MHz para atender a 50 mil usuários. Vai ser uma RCP 4G multisserviço, incluindo medição, automação de religadores, backhaul e despacho de equipes (com equipamentos nas viaturas usadas pelos técnicos de manutenção). No futuro, poderá ser usada até para aplicações de video analytics. Na licitação, o melhor lance foi de R$ 96 milhões, oferecido pela Alcon/Kofre, com equipamentos da Huawei. Foram feitos testes técnicos, para comprovação do atendimento aos requisitos do edital, e agora é aguardado um relatório final para que se inicie a implementação.

A licitação da CPFL, por sua vez, envolve suas operações em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Será também uma rede 4G em 450 MHz multisserviço, incluindo automação, medidores inteligentes em clientes de alta renda e backhaul, totalizando cerca de 2,6 mil end-points. É exigido pelo menos 60% de redundância na cobertura 4G. O resultado da licitação ainda não foi divulgado, mas especialistas avaliam que o orçamento do projeto será maior que o da Cemig, passando de R$ 100 milhões.

Como o modelo de negócios das elétricas gira em torno de Capex, não é comum suas RCPs envolverem operadoras celulares. Elas costumam preferir operar por conta própria suas redes de telecomunicações, prática que mantêm desde os tempos em que construíram redes próprias de fibra óptica.

Competição aumenta: Huawei e Ericsson “acordam”

Junto com os o novos projetos de RCPs, aumentou a competição entre fabricantes. A Nokia é reconhecida como a líder desse mercado no Brasil, mas Huawei e Ericsson parecem ter “acordado” para esse segmento este ano e estão participando com mais agressividade das licitações, afirmam fontes que acompanham de perto essas movimentações.

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Davi Fernandes, da Huawei (crédito: divulgação)

Os executivos das duas empresas discordam dessa análise. “Não entendo que a Huawei tenha ‘acordado’ só agora. Na verdade é uma evolução natural. A gente vem acompanhando esse mercado há muito tempo. Tivemos negócios firmados em outras frequências antes”, argumenta Fernandes, da Huawei.

Do lado da Ericsson, Bernardocki responde: “A gente vem trabalhando de maneira mais discreta. O que sai na mídia está relacionado às grandes operadoras. A gente vem prestando atenção nesse mercado há um bom tempo. Fizemos todo um trabalho com o pessoal da agricultura sete anos atrás”.

O que uma fonte descreveu como “agressividade” nas licitações se reflete no valor das propostas. No caso da Cemig, comenta-se que  o valor de R$ 96 milhões estaria abaixo do custo necessário para a implementação da rede. Entende-se que a conquista da Cemig como cliente seria um movimento estratégico da Huawei no mercado para servir como cartão de visitas e ganhar outros projetos. Fernandes rebate, argumentando que os preços competitivos da Huawei são fruto de anos de muito investimento em pesquisa e desenvolvimento e de uma bem estruturada cadeia de suprimentos.

Maturidade e outros setores

Não é apenas o setor elétrico que vem aumentando a demanda por RCPs no Brasil. Ao longo de 2025 houve outros projetos emblemáticos na indústria, na mineração e em logística portuária. Os principais destaques são a rede da Ambev, o novo projeto da Vale (vencido por Huawei e TIM), e o da Wilson Sons, no terminal de contêineres Tecon Rio Grande, em Rio Grande/RS.

Para 2026 há grande expectativa em torno da migração para 5G das RCPs da Petrobras. A empresa vem realizando consultas junto a fornecedores e deve abrir uma licitação no ano que vem. Hoje sua rede 4G é operada pela Vivo com equipamentos da Nokia.

Para Alexandre Gomes, diretor de marketing da Claro empresas, o aquecimento do mercado de RCPs no Brasil se deve ao seu amadurecimento, com uma melhor compreensão das grandes empresas sobre as vantagens desse tipo de solução de conectividade.

Alexandre Gomes, Claro

Alexandre Gomes, da Claro empresas (crédito: Régis Filho)

“Houve um longo tempo de maturação do ecossistema, incluindo não apenas as empresas demandantes, mas também os fabricantes, as operadoras, os integradores. Quanto maior o conhecimento do que é e para que serve uma rede privativa, mais fácil é a tomada de decisão das organizações. Isso reflete na geração de oportunidades”, avalia Gomes.

Desafios para 2026

Pelo menos dois desafios são projetados para o mercado brasileiro de RCPs em 2026. O primeiro diz respeito à faixa de 450 MHz. Na semana passada, ela foi incluída pela Anatel como uma das faixas que deve ser leiloada no ano que vem, com o objetivo de melhorar a cobertura em áreas remotas e nas rodovias. Não está claro exatamente como isso será feito, e qual seria o bloco exato da frequência a ser leiloado, mas a notícia deixou as utilities e seus parceiros de projetos preocupados, já que hoje as RCPs operam em caráter secundário. Comenta-se que, por causa dessa incerteza, Cemig e CPFL estariam adiando a conclusão de suas licitações.

Outro desafio está relacionado ao aumento da demanda por sensores de Internet das Coisas (IoT) para atender as aplicações das novas redes das utilities. Uma fonte alerta que a indústria nacional não estaria preparada para dar conta dessa demanda. “Os fabricantes tradicionais estão acostumados a atender projetos de algumas dezenas de milhares de sensores. Só a Sabesp está pedindo 20 vezes mais”, exemplifica. Isso pode ser descrito como um problema “bom”, decorrente de dores de crescimento.

O cenário, como um todo, é positivo, e a expectativa é de que a quantidade de projetos de RCPs, especialmente para o setor elétrico, aumente ainda mais em 2026 caso o imbróglio em torno da faixa de 450 MHz seja resolvido.

MPN Forum

O MPN Fórum, seminário sobre o mercado de redes celulares privativas organizado por Mobile Time, já tem data para a sua sexta edição: será dia 16 de junho de 2026, no WTC, em São Paulo. Ao longo das suas cinco primeiras edições, o evento reuniu os principais players desse ecossistema e trouxe alguns dos mais importantes cases de RCPs implementados no Brasil, como os de Petrobras, Vale, Neonergia, CPFL, Gerdau, Rede Globo, Usiminas, São Martinho, dentre outros.

Até 31 de dezembro de 2025 os ingressos do MPN Fórum estão à venda promocionalmente pela metade do preço. Mais informações estão disponíveis em www.mpnforum.com.br

A ilustração no topo foi produzida por Mobile Time com IA

 

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