Gueitiro Genso, CEO do PicPay

Em abril, em plena pandemia, o PicPay (Android, iOS) abriu 3 milhões de novas contas, um recorde, considerando que a média era de 500 mil contas ao mês antes da quarentena. Em maio, a empresa atingiu a marca de 20 milhões de usuários. Com o novo coronavírus, a fintech está se aproximando cada vez mais dos serviços essenciais e, recentemente, fez um convênio com a Associação Paulista de Supermercados (Apas) para integrar o PicPay como meio de pagamento. A empresa, nascida em 2012, sempre apostou no QR Code como tecnologia de transferência de dinheiro e agora, com a pandemia e a chegada dos pagamentos instantâneos capitaneados pelo Banco Central – o PIX –, vê a solução crescer exponencialmente. Em entrevista para Mobile Time, Gueitiro Genso, CEO do PicPay, fala sobre o atual momento e o caminho seguido pela companhia.

Mobile Time – Quantas pessoas já baixaram o app do PicPay depois do acordo firmado com o Governo do Estado de São Paulo para a distribuição do benefício da merenda?

Gueitiro Genso – Não atribuiria (nosso aumento) a esse evento isolado. Há um aumento do número de pessoas que estão usando tecnologia. Diria que é um conjunto de fatores. A gente vinha fazendo, em média, a abertura de 500 mil contas/mês antes do isolamento. Nos últimos 30 dias (em abril), fizemos 3 milhões.

Você atribuiria a que, então? Que conjunto de fatores é esse?

Genso – Existe uma curva natural de adoção de novas tecnologias. Tem os inovadores, adotantes iniciais… e essa curva vem crescendo muito no Brasil ao usar o smartphone como ferramenta para tudo. E isso não é diferente para os serviços financeiros. O fato é que, com o isolamento, as pessoas procuraram métodos de pagamento à distância. E aí, as pessoas, as comunidades, usam de uma forma ampla, inclusive para levar benefícios sociais. O PicPay criou um produto que permite que as doações arrecadadas por ONGs, como a CUFA, sejam entregues na carteira digital, dentro do app da mãe que mora na favela, por exemplo. E com esse recurso chegando até a mãe, ela tem condições de fazer muito mais coisas. Pode pagar o gás, comprar no comércio local. É uma forma muito simples de entregar o benefício no domicílio.

Isso aconteceu também com os benefícios sociais de merenda escolar. Quais eram as opções que o Governo (Estadual de São Paulo) tinha? Comprar os produtos e entregar as cestas físicas? Aí geraria um problema de logística. Também tinha a opção de entregar um cartão alimentação ou algum tipo de cartão. Mas você também teria problema de logística. E a outra opção, a adotada, foi ser totalmente digital. Como acontece? A gente recebe os CPFs dos beneficiários dos programas sociais, coloca no nosso sistema, e as pessoas são informadas que têm direito. Elas abrem a conta no PicPay e, à medida sobem a documentação, a gente identifica e já faz o crédito do benefício. Até ontem (14 de maio) já pagamos R$ 1,4 milhão em benefícios. São 700 mil famílias atendidas. Estamos falando de todos os programas sociais que temos – vale merenda, CUFA, entre outras iniciativas de ONGs. E olha que negócio legal: isso tem tido um efeito “colateral” virtuoso, pois a maioria dessas pessoas são de grupos desbancarizados. Isso também está levando dignidade para essas pessoas à margem do sistema financeiro. É uma questão de inclusão social. O isolamento social está acelerando essa curva de adoção de tecnologias. Estou falando sobre o PicPay, mas isso está acontecendo no mercado. Por que isso vai transformar a sociedade? Porque parte das transações realizadas no Brasil são realizadas em espécie. Inclusive (na pandemia) as pessoas estão evitando o dinheiro. No mundo todo, o dinheiro é veículo transmissor de diversas doenças.

Mas é possível atrair os não bancarizados, pessoas com dificuldades de usar o próprio smartphone, com limitação de leitura, analfabetas?

A situação atual (a pandemia) mostrou que a maioria consegue. O que eu enxergo de longe, daqui, é que a quantidade de pessoas que está usando num curto espaço de tempo para fazer acesso aos benefícios sociais é muito grande. A pessoa teve que aprender em 30 dias. Quem aprendeu e fez por uma necessidade, por uma dificuldade de ir a uma agência, não vai querer voltar atrás e ir para a condição anterior. Então, de fato, não estamos falando de 100%, mas aceleramos muito essa curva de educação digital. E de empoderamento. É uma revolução total. À medida em que as marcas adaptam os seus produtos para serem distribuídos no smartphone, de uma certa forma, estão transferindo o poder para o usuário, para o consumidor. E aí, do outro lado, você traz uma competitividade tremenda porque os canais de distribuição do produto por smartphone são muito mais baratos. No final, quem ganha com isso tudo é o consumidor, a sociedade e o ecossistema.

Outro fator que está sendo importante para disseminar é o QR Code.

O que ele tem de tão especial?

O PicPay, na verdade, foi a primeira empresa de grande porte que apostou na ferramenta de conexão das pessoas. Desde 2012, quando o PicPay começou, ele apostou que o smartphone e o QR Code seriam ferramentas de conexão. Apostou também que levaria uma experiência para o usuário 24h/7 de poder transferir dinheiro entre as pessoas. Olha que negócio interessante: agora, em novembro, o Banco Central está lançando o PIX, que nada mais é do que pagamento, 24h/7, via smartphone e com QR Code.

O QR Code libera casos de uso até então inimagináveis. Porque as outras tecnologias de contato, de aproximação, exigiam dois dispositivos, um para conectar o outro. Eles têm que estar muito próximos. O cartão com a maquininha, por exemplo. O QR Code faz uma mudança. Olha o que está acontecendo com as lives. Nós já arrecadamos R$ 7 milhões de reais de doação, em cerca de 30 lives. O artista quer promover uma doação para uma instituição, ele põe um QR Code na live e a pessoa que está assistindo escaneia o código e faz a doação em dois toques. O QR Code propicia isso e também muito mais. Não sei se você conhece, mas dentro do app tem uma central de doação com mais de 200 ONGs com conta no PicPay e as pessoas escolhem para que causa doar.

Temos um exemplo em Ribeirão Preto. O frentista colocou um QR Code no peito. O consumidor abastece o carro e, de dentro do carro, lê o QR Code e faz o pagamento. Artistas amadores no metrô de São Paulo usam. Quem está dando aula de música, idiomas, usa o QR Code para quem quiser contribuir. Ele é um instrumento libertador. E com a entrada do PIX (pagamentos Instantâneos) e maior quantidade de players usando o QR Code, ele será muito disseminado. Aquilo que antes parecia um bicho de sete cabeças já virou um tema bastante popular no Brasil.

Quantos estabelecimentos aceitam o PicPay?

Estamos em mais de 2,5 milhões, no Brasil inteiro. Estamos presentes também nas maquininhas da Cielo e da GetNet. E nessas maquininhas o QR Code é aberto para as pessoas pagarem por lá. Sem contar que estamos nas grandes redes varejistas. Fizemos um convênio com a Associação Paulista de Supermercados (Apas) para entrar com o PicPay.

Nossa proposta é oferecer todos os serviços financeiros que uma pessoa precisa. Nos últimos 30 dias o cara consegue comprar na Uber e no Netflix. A pessoa desbancarizada, sem cartão de crédito, tem dificuldade para comprar Netflix. Tem que comprar os cartões e carregar. Na semana passada (início de maio) entrou iFood também. Herbalife também está dentro. O nosso ecossistema é muito grande.

O que significa essa parceria com a Apas?

Já estamos entrando nos varejistas. No Rio, por exemplo, com o Guanabara (supermercado do Rio de Janeiro) estamos fazendo o rollout neste mês. Escolhemos, nos últimos 60 dias, setores essenciais da economia para fazer um trabalho bem forte de entrada nesses mercados. Os supermercados foram eleitos como prioridades, além de farmácias, postos de combustível e também os restaurantes, as padarias – essa galera que teve que se adaptar para criar um delivery informal. Temos uma função que gera um link de pagamento. E o legal do PicPay é que você pode aportar cartão de crédito de qualquer banco e já pode fazer as transações. Nosso propósito de valor é ser agnóstico. E pode pagar qualquer conta, qualquer boleto, qualquer convênio.

A ideia é ser um super-app?

A nossa proposta é ser uma plataforma que tenha um grande ecossistema dentro. E que as empresas, e-commerces, off-line, todos possam se desenvolver dentro dessa plataforma e a gente possa ser uma solução para eles.

A ideia é chegar a ser um banco digital?

Nós não somos um banco, não queremos ser banco. Nossa proposta é ser uma plataforma que ofereça todas as soluções financeiras com conexão via APIs. Então, tenho hoje um cartão PicPay Card. Esse cartão múltiplo está conectado numa API do Banco Original. Vou ofertar crédito pessoal. Para isso, vou conectar numa API de um banco X. Queremos ser uma plataforma com um grande marketplace dentro. Nós já temos e estamos trabalhando cada vez mais para fazer essas conexões.

A pandemia fez vocês repensarem a empresa no sentido filosófico, de princípios, mas também de modelo de negócios?

É óbvio que a pandemia, como catástrofe mundial, faz você repensar. Mas o que fez repensar, mesmo, foi a forma de trabalhar. Estamos desde o dia que foi decretada a pandemia no Brasil em home office. No momento, estamos discutindo se, na retomada, a gente vai querer voltar fisicamente ou não. Somos uma empresa de tecnologia e deu tão certo. É óbvio que a gente precisa muito do calor humano. Vamos ter que marcar dias para a gente se encontrar. O que a pandemia fez foi a gente pensar no cuidado com as pessoas.

Agora, como estratégia digital, temos um plano de negócios. Mas, quando falamos de carteira digital, de plataforma, você precisa de escala. Acreditamos que, no futuro, seis grandes plataformas vão dominar o mercado. E nós queremos ser uma dessas seis. Temos absoluta convicção que estaremos muito bem posicionados para isso. E o isolamento social acelerou a curva de adoção do smartphone. Na prática, quanto mais pessoas usarem o smartphone para o mercado financeiro, mais aumenta o mercado das fintechs. E isso vinha numa curva muito veloz. A cada ano, víamos seis vezes mais usuários utilizando o PicPay. Chegamos, neste mês, a 20 milhões de usuários. Esse era o número que imaginávamos chegar em dezembro. Acho que, na retomada, a cultura de fazer tudo pelo smartphone vai acelerar ainda mais o uso das tecnologias sem a necessidade de contato.

A sociedade está sendo forçada a fazer uso do smartphone para pagamentos à distância, inclusive no uso dos benefícios dos governos. Aliás, estamos habilitados para receber o auxílio emergencial. As pessoas podem colocar o cartão digital da Caixa na carteira do PicPay.

Quem é o público-alvo do PicPay?

Não fazemos distinção. O fato é que, até agora, a gente estava mais posicionado com o cliente bancarizado. Ele aportava o seu cartão e abria conta no PicPay. Mas a gente tinha um propósito de levar nossos serviços aos desbancarizados, de fazer a inclusão financeira. Só que essa é uma população de aprendizado mais difícil. Essa situação da necessidade das pessoas usarem o smartphone acelerou a entrada desse público de desbancarizados.

Temos também mais de 1 milhão de MEIs. Eles usam porque é uma ferramenta muito fácil de manejar.

Vocês tinham a expectativa de atingir 20 milhões de usuários até o fim do ano. Qual a expectativa de transações na plataforma do PicPay?

Ano passado chegamos a R$ 5 bilhões de transações no ano todo. Até o final deste ano devemos atingir R$ 31 bilhões. Mês a mês estamos crescendo bastante, mas o mês de abril foi o recorde com R$ 1,2 bilhão de transações. Não tivemos quedas de faturamento porque estamos inseridos em setores essenciais e no e-commerce. Parte do nosso faturamento vem também de parcelamento de boleto de contas. Pelo contrário, a gente vem crescendo. Nesse momento, nosso objetivo é fazer a inclusão financeira. Não é buscar aumento de faturamento em cima desses programas.

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Gueitiro Genso, CEO do PicPay, participará da próxima live organizada por Mobile Time, dia 21 de maio, cujo tema é “A desmaterialização do dinheiro em tempos de pandemia”. Ele terá a companhia de Breno Lobo, chefe de subunidade no Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Banco Central; Flávio Elizalde, Head of Brazil Consumer & SMB Sales da McAfee; Renato Ciuchini, head of strategy & transformation da TIM Brasil; e Renato Mansur, diretor de canais digitais do Itaú Unibanco.

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