A lista de compras da Bemobi ainda não acabou. Depois de adquirir Novitech, Tiaxa e M4U, a companhia comandada por Pedro Ripper analisa cerca de 40 outras empresas para possíveis aquisições, não apenas em telecom, mas em setores adjacentes. Capitalizada pelo seu recente IPO, no qual levantou R$ 1,26 bilhão, a Bemobi aposta na sua presença internacional, especialmente em países emergentes, e em seu relacionamento com mais de 80 operadoras para alavancar os negócios das adquiridas. Paralelamente, procura se expandir para fora de telecom, de olho principalmente em bancos, varejistas e utilities, ao mesmo tempo em que aposta em um novo filão, para o qual gostaria de construir uma joint-venture com as operadoras brasileiras: a monetização dos dados de telecom. Em entrevista para Mobile Time, Ripper descreve a operação da Bemobi e seus planos futuros.

Mobile Time – Depois de ter adquirido a Tiaxa e a M4U e de ter feito seu IPO, como você descreve a Bemobi hoje?

Pedro Ripper – A gente se enxerga como uma empresa de tecnologia, no sentido de não ter presença no mundo físico, de não ter ativos pesados. É uma empresa light, focada em tecnologia. 75% da equipe atua em produto ou tecnologia. E temos nos especializado em duas dimensões: empresas grandes que querem criar soluções de rentabilização de sua base de clientes ou melhorar as jornadas digitais de seus clientes. Dentro disso, temos viés forte em países emergentes onde normalmente há um segmento da população não tão digitalizado ainda.

Quem são seus principais clientes? Continuam sendo as operadoras móveis?

Sim, são primordialmente as operadoras de telefonia móvel. Temos como clientes 88 operadoras em 41 países que somam 2,5 bilhões de usuários.

Mas há sete meses começamos a olhar para bancos digitais e wallets. Há muita semelhança com telecom: ambos o setores têm bases grandes de clientes e precisam criar serviços digitais para fidelizá-los. A tendência é sermos parceiros dessas empresas levando soluções específicas para ajudar a atender seu cliente final. Somos B2B2C com foco em tecnologia em países emergentes. 

A assinatura de jogos e apps continua sendo o seu principal produto em participação na receita?

Sim. Já foi 100% da nossa receita. Agora representa uns 40%. Mas a receita total cresceu.

Qual o segundo produto em faturamento?

É o segmento de microfinanças, que representa 35% do faturamento da Bemobi. É composto basicamente de dois serviços. O primeiro é o que chamo de nanocréditos: quando o usuário fica sem saldo, a gente reconhece o momento da jornada e o ajuda a completar sua ligação em vez de ficar bloqueado, ou então dou dados para ele seguir navegando, ou simplesmente adianto uma recarga inteira. Tiro a fricção do bloqueio e gero uma fonte de receita nova para a operadora. 

Através de qual canal vocês fazem essa oferta?

Fazemos por vários canais. Geralmente tentamos usar o canal que for mais fluido para o cliente. Se ele está fazendo uma chamada e seu saldo termina, é redirecionado em tempo real para uma URA na qual aviso que posso completar a ligação cobrando R$ 0,99 na próxima recarga. Em dados é parecido: se está tentando navegar e fica sem saldo, a operadora redireciona para um portal pop-up e oferecemos opções, como navegação por 5 minutos ou um pacote de 100 MB em troca de R$ 1 na próxima recarga. É como se eu fosse o vendedor de guarda-chuva na saída do Maracanã quando está começando a chover. Eu consigo oferecer na hora certa. Por isso, meu NPS é altíssimo.

Isso tudo depende de acordos com as teles, certo?

Sim, mas a gente opera fim a fim. Somos responsáveis pela plataforma;  fazemos a avaliação de risco; cedemos o saldo; fazemos a cobrança na recarga seguinte etc. A operadora fica com parte da taxa de conveniência e a gente abate o bad debt. A operadora monetiza o que antes era zero.

A compra da Tiaxa se encaixa nessa atuação em microfinanças?

Sim, com a compra da Tiaxa a gente dobrou a aposta. Foi a Tiaxa que inventou globalmente esse serviço. A gente tinha competência forte e a Tiaxa era complementar. A Bemobi desenvolveu uma plataforma chamada Loop que monitora todos os eventos, como chamadas telefônicas, término de saldo etc. Com ela, sabemos o momento certo e o melhor canal para oferecer o nanocrédito. Também temos nosso próprio score de crédito, mas o da Tiaxa é melhor. É um score global que analisa um monte de dados diferentes. Ela sabe até quanto pode oferecer de crédito para cada pessoa. E a Tiaxa não tinha esse score no Brasil, mas na Ásia e no resto da América Latina. Esse foi o motivo para adquirimos a Tiaxa. Estamos substituindo o nosso pelo da Tiaxa. Aí consigo esticar mais a corda, tomar mais risco, e aumentamos a taxa de aprovação. Virou uma solução unificada. Antes estávamos só no Brasil e agora estamos em 11 países. 

E qual é o segundo produto da área de microfinanças?

São as soluções de meio de pagamento da M4U. No segmento pré-pago, a recarga era muito analógica, a maior parte era comprada no mundo fisico: no varejo, em jornaleiros, em mercadinhos etc. Aos poucos foi ficando mais digital. A M4U criou uma solução turn key para as operadoras habilitarem seus próprios canais de venda 100% digitais. Hoje quem opera as promoções e os valores de recarga e antifraude é a M4U. Somos a grande plataforma de recarga digital das operadoras.

Dentro dessa área tem também a oferta de plano Controle sem fatura, para o consumidor que não quer passar pelo controle de crédito. O pagamento é feito com cartão, de forma online. Quem opera o meio de cobrança é a M4U. Não tem envio de fatura. Digitalizamos os pagamentos de telecom. Neste caso, quem avalia se vai dar o crédito para o assinante somos nós, não a operadora. A Oi foi precursora na oferta de Controle sem fatura. Hoje todas as teles têm esse tipo de plano, todas através da Bemobi.

Esses serviços de pagamento são prestados pela Bemobi também foram do Brasil?

Hoje é só Brasil. Mas existe a oportunidade de replicar esse sucesso em países que estão trilhando o mesmo caminho. Em quatro anos o Brasil saiu de 30% para 79% de recargas feitas por meio digital. Nos outros países emergentes onde operamos os canais digitais respondem por 20% ou 30%. A recarga digital é mais barata que a física para as operadoras. Além disso, elas aproveitam o ato da recarga para oferecer outros produtos e para aprofundar o relacionamento com seus clientes. Acredito que no próximo trimestre o faturamento da Bemobi com microfinanças deve ultrapassar aquele com assinatura de apps.

E qual a terceira fonte de receita da Bemobi?

É o que chamamos de “plataforma como serviço” (PaaS), que responde por 25% do faturamento. Em vez de cobrar por licença, eu cobro pelo ganho que a plataforma gera. É contratado principalmente pelas operadoras para a análise de clientes.

Como está o processo de expansão da Bemobi para fora do setor de telecomunicações?

95% da nossa receita ainda vem das operadoras. Mas começamos a diversificar nos serviços digitais. Lançamos o produto de assinatura de jogos com a maior carteira digital das Filipinas, que tem 40 milhões de usuários. E no Brasil o banco Inter é nosso primeiro cliente na área de finanças. Em breve haverá novos lançamentos com bancos e carteiras digitais no Brasil e no exterior.

Também estamos olhando o setor de utilities para soluções de pagamento digital. É um setor monopolista, que usa apenas boleto de pagamento. Mas com a desregulamentação haverá a separação da comercialização e da distribuição. As utilities estão acordando para o fato de que tem dinheiro na mesa para modelos de cobrança mais efetivos. Elas estão atrasadas. Vamos apresentar algumas modalidades para levar mais conveniência para os clientes pagarem digitalmente suas contas. 

Além disso temos uma startup dentro da Bemobi que veio da Tiaxa. É um negócio que eu sempre quis fazer. Telecom tem muitos dados e isso deveria valer muito dinheiro fora de telecom. Só que ninguém até agora conseguiu produtizar isso. Assim, aproveitamos o know-how da Tiaxa com score do cliente e criamos dois produtos de monetização com dados para outros setores: 1) score de crédito; e 2) score de risco/fraude. Já tem um banco no México usando essa nossa solução.

No topo da pirâmide é maduro o ecossistema de dados e scoring. Mas quando se desce na base da pirâmide as informações ficam rarefeitas. Há poucos dados para se tomar uma decisão inteligente. As operadoras de telecom cruzam a pirâmide inteira. Vale para toda a população, todas as classes sociais. Em alguns países emergentes, as operadoras são a única fonte relevante de dados. É uma área pequena, mas com potencial de crescimento exponencial.

Isso está de acordo com a LGPD?

Sim, o cliente dá o opt-in para compartilhar os dados ou ter os dados avaliados. O modelo foi desenhado para pegar opt-in nas duas pontas: na operadora e no banco ou outra empresa que vai consumir a análise dos dados. Mas cabe ressaltar que os dados não são transferidos para essas outras empresas, continuam com as operadoras apenas.

Lançamos primeiro no México com foco em bancos e e-commerce. Para 2022 o Brasil é o país alvo. 

O que acha desse novo modelo de parcerias das teles, envolvendo equity ou mesmo a criação de joint-ventures para atuar em novos setores?

O setor de telecom é dos mais difíceis do mundo por causa de uma conjunção de fatores: 1) é muito competitivo; 2) é muito regulado; 3) é de capital intensivo; 4) e tem disruptura tecnológica. Essa combinação de fatores é única. E como fica de pé? Através de consolidação, compartilhamento de recursos e parcerias. É o que a gente faz: a Bemobi é um recurso compartilhado. Telecom é uma indústria que está aprendendo a fazer parcerias. Antigamente era só fornecimento de serviços, depois veio o revenue share e o estágio mais natural agora envolve equity. Mas não é toda parceria que precisa ter equity, porque isso é complexo. Só vale quando tem simetria de valor. Foi a tese da TIM no C6. Mas poucos casos ficam de pé. É um amadurecimento da indústria. Só não acho que seja tão replicável.

Aliás, para nossa atuação em monetização de dados avaliamos a possibilidade de fazer uma joint-venture com as operadoras. No México a gente remunera as operadoras, mas aqui poderia ser uma joint-venture, pois poderia valer muito mais. Esse é um exemplo em que 1+1+1 dá cinco, não três. E ter um player externo para cuidar disso para as teles é crucial. 

Quanto o mercado externo representa na sua receita?

Quase 50% da nossa receita vem de fora do brasil. Neste momento de falta de confiança no Brasil, isso é bom. O Brasil terá um ano difícil, com juros altos, inflação…

Qual seu maior mercado depois do Brasil?

O Mexico é o segundo e o Paquistão, o terceiro. 

E a Índia?

A Índia é um mercado difícil, hipercompetitivo. 

A Bemobi tem escritórios em quantos países?

Temos escritórios em cinco, e equipes em 20 países. 

O que mudou na Bemobi depois do IPO?

Agora tenho 10 mil chefes. A governança é mais rígida. Tenho que compartilhar mais informações do que antes. Mas consegui montar um conselho de administração dos meus sonhos, com pessoas fantásticas, como Francisco Valim, Fiamma Zarife, Roger Solé e Carlos Piani.

O IPO era um projeto antigo. Depois do deal com a Opera, recompramos um pedaço da Bemobi, com a tese de dar vida independente, e o caminho mais natural seria a abertura de capital. A gente estava planejando isso há muito tempo, até para capitalizar a empresa. Quando compramos a Novitech (unidade de negócios dentro da Nuance), antes do IPO, sabíamos que havia outras empresas com soluções bacanas mas perdidas dentro de multinacionais, ou com gestão largada. Temos presença geográfica grande, conhecimento forte de algumas indústrias, e há algumas empresas fora do radar do mercado de capitais pelas quais a gente poderia pagar pouco e ajudar a destravar o mercado. Fizemos bem isso com a Novitech: triplicamos a sua receita. Com a abertura de capital levantamos pouco mais de R$ 1 bilhão. Parte foi para os sócios anteriores e sobraram uns R$ 600 milhões para a gente fazer as primeiras aquisições. As negociações com Tiaxa e M4U começaram antes do IPO, mas mirando os recursos que o IPO viabilizaria. Isso permitiu essas aquisições. São empresas que geram muito caixa. Isso traz espaço para novas aquisições.

Podemos esperar novas aquisições este ano?

Continuamos olhando mais aquisições em setores adjacentes, não apenas em telecom, onde tenhamos efeito multiplicador. Serve de exemplo a M4U, que estava largada na mão da Cielo e limitada ao Brasil. A gente agora pode internacionalizá-la. Estamos o tempo inteiro olhando oportunidades. Analisamos 60 empresas no ano passado, e agora são 30 a 40. Temos que fazer um funil. Trago sinergia? É sinergia de receita? Tem algum problema que traga desconto no preço? O valuation é adequado?

Como evoluiu o valor das ações da Bemobi desde a abertura do capital?

Desvalorizou desde o IPO. Seguimos a curva do Ibovespa. Dobramos de tamanho em todas as métricas e mesmo assim a empresa está valendo menos. Mas o valor da ação é mais relevante quando você não tem caixa e quer fazer compra por equity. Fora isso não atrapalha. Em 2022 vamos crescer organicamente e inorganicamente.