O ecossistema do Bradesco é o que mais tem implementado elementos ligados à transformação digital se comparado com os outros bancos. O estudo “Régua da Transformação Digital no Setor Financeiro”, elaborado pela consultora nacional E-Consulting Corp, peneirou as cem maiores instituições financeiras registradas no Banco Central para saber quais estão mais avançadas e consolidadas no que tange conceitos e práticas de transformação digital em seus modelos de negócio.

De acordo com o CEO da E-Consulting, Daniel Domeneghetti, “o mobile tem sido o principal vetor de aceleração da digitalização e será, obrigatoriamente, o maior motor da transformação digital. Porque, do outro lado da mesa, o mobile impera, ou seja, é o smartphone na mão do usuário”, argumenta  executivo.

Não à toa. O celular está à mão a todo o momento e vai com o usuário a todos os lugares. Além do mais, de acordo com o IBGE, 77% da população brasileira possui um celular, ou 138 milhões de pessoas. E, segundo a Anatel, hoje, há 231,4 milhões de linhas móveis em serviço.

Com nota 4,5 (em uma escala de 0 a 5), o ecossistema Bradesco foi considerada a organização que mais tem implementado evidências e elementos ligados à transformação digital em função de suas incursões no mundo virtual. É o caso do Next, banco digital, mas também o InovaBra, com seu projeto Habitat, espaço de coinovação criado para apoiar projetos ligados ao sistema financeiro bancário com mais de 100 startups.

Em segundo lugar, está a Caixa Econômica Federal (4,2), com o projeto Youse, insurtech inovadora; em seguida está o ecossistema do banco Itaú-Unibanco (4,1), com o Cubo, espaço de inovação e residência para startups. Em quarto está o Banco do Brasil (4) e, em quinto, o banco Santander (3,9).

Domeneghetti conversou com Mobile Time sobre o estudo.

MOBILE TIME – Qual a diferença entre digitalização e transformação digital?

Daniel Domeneghetti – É preciso fazer a distinção: uma coisa é digitalização e outra coisa é transformação digital. A digitalização bancária parte do pressuposto que eu substituo por canais digitais o modelo analógico, mas eu não mudo o modelo de negócios. A transformação digital necessariamente muda a lógica do modelo de negócios. A maioria dos grandes bancos brasileiros é muito evoluída e poderosa na digitalização bancária. Mas, em geral, atrasada na transformação digital. Porque o modelo bancário continua o mesmo que o de 20 anos atrás. Tudo bem que é um pouco mais ágil, você pode fazer consultas por aqui ou por ali, mas a essência do modelo não mudou.

Qual a importância do mobile?

O mobile tem sido o principal vetor de aceleração da digitalização, mas será, obrigatoriamente, o maior motor da transformação digital. Porque do outro lado da mesa, o mobile impera, que é o smartphone na mão do usuário. Uma coisa sou eu criar um canal de serviços de atendimento no site ou via mobile. Isso é digitalização do modelo operacional. Outra coisa é o usuário fazer seu up banking no smartphone dele. O mobile é um dos principais proponentes da digitalização bancária, mas certamente será o ator principal na transformação digital.

Queria que você comentasse um pouco sobre o estudo e o ranking.

Em primeiro lugar está o ecossistema do Bradesco, que reúne o banco digital Next, além da InovaBra. Se fosse apenas o Bradesco, ele não conseguiria estar em primeiro porque não tem diferenciação nenhuma em relação aos outros grandes bancos. Aliás, se for apenas o banco, isolado do resto do ecossistema, o vencedor seria o Santander. Mas, em termos de ecossistema, o Bradesco é poderoso. Porque ele tem também o Next e o InovaBra.

Quanto aos bancos públicos, eles são os que mais investem em tecnologia. A Caixa com a Youse é um caso importante no setor de seguros. E o Banco do Brasil é o banco que mais investe em tecnologias digitais. O fato de serem públicos não atrapalha o processo.

Como foram atribuídas as notas para os bancos?

A gente faz tanto uma avaliação interna quanto externa. A interna é uma análise de tecnologia, negócios, de impacto, de resultados. É uma metodologia bem ampla. Olhamos a digitalização como um todo na estrutura do ecossistema de cada banco. Fazemos também análise de canal, análise de ofertas, de funcionamento. Analisamos como ofertam, como distribuem produtos e serviços, como é a interação, como é o pós-venda, como é o processamento interno, como é o armazenamento, como é a gestão. Enfim, todo o ciclo. E, com relação à avaliação externa, vemos com os usuários do banco.

Além dos mais, o fator ‘inovação’ é visto como um diferenciador relevante.

No modelo atual dos bancos brasileiros, existe alguma chance de eles fazerem a transformação digital?

Trata-se de um mercado oligopolista. Um mercado de cinco bancos – Bradesco, Banco do Brasil, Caixa, Itaú e Santander.O nível de concentração é muito grande. Há países com 4 mil bancos.  Por isso que a inovação vem desses caras. Mesmo que você faça, como fez a XP, por exemplo, logo depois, você é comprado por um deles, como aconteceu [A XP foi comprada pelo Itaú].

O Brasil é extremamente bem sucedido em termos de tecnologia de ponta no sistema bancário. A própria dinâmica de funcionamento do sistema bancário brasileiro, baseado em tecnologia, é muito mais eficiente do que a de muitos países. Mas o Brasil não é disruptivo nos modelos bancários. O Brasil é muito tradicional. Mas em se tratando de tecnologia de ponta, o Brasil é protagonista.

E as fintechs?

As fintechs estão fadadas a morrer ou a serem compradas num curtíssimo prazo, se forem relevantes. Não vão fazer sucesso nenhum como player no mercado porque os quatro ou cinco bancos não vão deixar. A não ser que haja uma mudança relevante de marco regulatório, que até estão tentando ensaiar uma para descentralizar. Entre os presidenciáveis, muitos estão falando a respeito. Alckmin falou isso no debate, o próprio Ciro Gomes também andou falando, além do Bolsonaro. Se houver um plano importante de descentralização bancária, aí é outro jogo. Mas o jogo como está estabelecido na Febraban, hoje, as chances são: ou ser mini, ou ser relevante para, logo em seguida, ser comprada.

Mas o movimento das fintechs não poderia ajudar na aceleração da transformação digital dos bancos?

Por um caminho não interativo, pode. Não é pelo efeito que as fintechs estão causando no resultado dos bancos, porque é muito pequeno, mas é na percepção de imagem que os bancos precisam manter de ‘desenvolvidos e inovadores’. O que mobiliza os bancos a rebaterem o movimento das fintechs não é o quanto elas estão roubando de clientes deles, o que é irrisório, é o quanto a imagem deles vai ficar para trás. E eles têm um pouco de razão, já que as fintechs estão acelerando uma reação bancária.

Essa concentração [dos bancos] só faz aumentar quem já concentra. É uma coisa ‘the winner takes it all’.

Elas [as fintechs] estão entrando na curva de pré-adoção para produtos que não são regulamentados. Isso tem um valor. Mas não consegue passar muito daí porque, à medida que você precisa evoluir, em especial na questão da conta corrente, você precisa de um banco de verdade. Elas não são multiofertas, ainda são muito segmentadas. Elas têm um baita valor, mas é um valor transitório para o modelo estabelecido de concorrência.

Ela não consegue concorrer com os bancos.

Quando a Nubank diz que está com 10 milhões de contas, a pergunta seguinte deveria ser: e quantas são movimentadas? Porque abrir uma operação é uma coisa, agora, movimentar, é outra. Produto de relacionamento recorrente, em geral, é conta corrente. E conta corrente fintech não pode ter. É super saudável porque elas, de fato, estão cutucando os bancos. Elas concorrem com os bancos no transbordo, nas adjacências, mas não há ameaças.

Em que pé estamos com relação a outros países na transformação digital dos bancos?

No que tange a adoção de tecnologia digital, o Brasil está muito avançado. No que tange a materialização disso para o usuário, o Brasil está em estágio intermediário. No que tange a transformação digital para o negócio, a partir do digital, o Brasil está atrasado. Ou seja, investir em tecnologia para operar melhor o banco, para integrar o sistema financeiro, para eu reduzir custos de serviços, para eu ampliar canais, o Brasil vai muito bem porque o sistema financeiro brasileiro é muito robusto. Investir em serviços para o usuário final, a partir da economia digital, até vem sendo feito com alguma competência, mas, neste caso, estamos numa fase intermediária. Mudar o modelo de negócios, oferecendo serviços diferentes, relações diferentes, isso os grandes bancos do Brasil não vêm fazendo.

O Bradesco está tentando fazer isso com o Next, que é uma proposta para isto. E ele tem conta corrente, como o Banco Original. Ambos são bancos, assim como o Inter. O banco digital já está num jogo diferente ao das fintechs, que é o jogo do volume, da conta corrente. Mas eles não têm muito espaço. Quando começarem a crescer, alguém deve comprar. De novo, com a realidade estabelecida hoje em dia.