Com os setores de telecomunicações, bancos, investimentos e seguros construindo sistemas padronizados para exposição e troca de informações (Open Finance, Open Insurance, Open Gateway etc), a expectativa é que o próximo a avançar nessa direção seria o setor de saúde. Neste especial sobre open health em duas partes, Mobile Time procurou o governo federal e especialistas do setor de saúde digital para entender como está o desenvolvimento da regulação do sistema aberto.

O tema ganhou força na pandemia de Covid-19 com o avanço da regulamentação da telessaúde tanto na Câmara quanto no Senado, e a necessidade de mais aplicações de saúde digital. Mas a regulação do open health continua parada.

O potencial regulador do sistema aberto de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), informou que, em 2022, o Ministério da Saúde (MS) instituiu um Grupo de Trabalho (GT) para analisar a viabilidade de implantação do open health na saúde suplementar: “O grupo contou com a participação de representantes do MS, da ANS, do Ministério da Economia e do Banco Central. Ao final dos trabalhos, foi elaborado um relatório, que pode ser conferido aqui”, respondeu por e-mail.

Porém, a ANS afirmou que a continuidade do projeto depende do MS, devido ao seu papel de liderança no GT, e indicou que fosse feito o contato com o Ministério. Procurada diversas vezes por Mobile Time nos últimos meses, a pasta não respondeu. E, na última tratativa, a assessoria de imprensa informou apenas que as questões enviadas estavam sob avaliação da “área técnica”.

“Essa discussão estava começando a ser um pouco mais efetiva no governo passado, mas depois que mudou o governo a discussão está no mesmo lugar. Não evoluiu. Continua parada no mesmo lugar, pois os especialistas sempre colocam problemas. E a gente sabe que podem existir muitos problemas, então, acaba que ninguém ainda está seguro para fazer o open health. Por isso faltam casos de uso”, explica Marco Bego, CIO do Inova HC.

Como começar

O executivo do InovaHC acredita que o cenário ideal seria começar com um sandbox da saúde ou até uma “missão open health” para gerar os primeiros casos de uso. Nesse ambiente de testes, um hospital de ensino testaria uma fração de compartilhamento de dados para avaliar benefícios, problemas, riscos, economias e reduções de erros. Bego afirma que está em conversas com entidades públicas e privadas para avançar com essa missão, em especial com o apoio da consultoria WTT.

Um ponto que ajudaria também seria a criação de um laboratório digital que está atualmente sob avaliação na Secretaria de Informação e Saúde Digital, de Ana Estela Haddad. Apresentada em fevereiro deste ano, a concepção do eventual Laboratório de Inovação e Saúde Digital foi pensada para motivar a inovação dentro do SUS. Porém, esse tema também não avançou.

Bego acredita que assim como nos open banking, investment e insurance, a tratativa de dados deve começar com informações mais simples e que ainda não envolvem os dados sensíveis de empresas, governo e pacientes. Um exemplo citado pela Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), e recordado pelo CIO do Inova HC, são as demografias e outros elementos que estão em plataformas governamentais, como o DataSUS e o eSUS. Paralelamente, o setor deve estar em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) para trocar as informações, o que ocorre atualmente.

“Tem chão até a troca de dados de pacientes. Mas precisamos começar a partir de algum lugar, com dados sintéticos, gestão populacional, saúde sanitária, prevalência de doença. Será que os dados do Datasus não ajudam? Temos dados e ninguém usa. Precisamos criar projetos bons de dados”, diz Bego. “No lado público, o open health pode reduzir erros e fraudes, melhorar cuidado e prevenção. No privado, ter locais baratos de acesso a medicamentos, ter descontos em compras, prevenção de fraude, deixar o provedor de saúde mais transparente nos cálculos. Precisamos de early adopters”, completa.

‘Open health é maior que o open banking’

Para Cadu Lopes, CEO da Doctoralia, o open health deve partir da prerrogativa de melhorar a vida do paciente. Não deve ser tratado como uma solução para governos e empresas. Isso passa por criar um sistema seguro, robusto e capaz de coletar informações em cada ponto de contato. Assim como Bego, Lopes também acredita que a estruturação de dados deve “começar pelo mais fácil”.

“Precisamos mostrar quais são os benefícios e como o paciente estará na gestão e no controle de seus dados para compartilhar histórico de saúde, dados do plano de saúde, informações solicitadas pelos profissionais do setor em um atendimento (sangue, idade, altura, por exemplo) e exames”, completa, lembrando que seu app já faz isso.