A Coalizão de Direitos na Rede, entidade que reúne 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil, vê com preocupação a nova versão do relatório para o PL 2630/2020 do senador Ângelo Coronel (PSD/BA) sobre o combate às notícias falsas. Em nota pública, a Coalização aponta uma série de novas discussões que até então não tinham sido analisadas. De acordo com a Coalizão, o novo texto contrariam a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Código de Processo Civil e o Marco Civil da Internet.

“E inverte a lógica do texto inicial do PL 2630/2020, baseada na transparência e no estabelecimento de deveres para as plataformas acerca de contas automatizadas, conteúdos pagos e moderação de conteúdos, para chegar num projeto que criará gigantescos bancos de dados pessoais dos usuários da Internet, promoverá a vigilância pelos mais diferentes órgãos e empresas e poderá resultar no aprisionamento de pessoas pela prática de discursos legítimos e condutas banais nas redes”, escreve a Coalizão.  O novo texto deve ser votado na próxima quarta-feira, 24.

O novo relatório modifica conceitos trazidos no texto original e também o escopo de aplicação da futura lei. Um deles é quanto ao conceito de “conta identificada”, “expressão que passa a estruturar todo o relatório – que deixa de focar no enfrentamento de ferramentas usadas para a desinformação para propor um regime de identificação geral dos usuários da Internet no Brasil”. O fato de o texto ser vago pode comprometer o acesso dos brasileiros a serviços digitais, que passaria a estar condicionado à validação de contas mediante identificação pessoal.

Outro novo conceito usado é o de “comunicação interpessoal” no lugar de “aplicativos de mensageria privada”, como era proposto anteriormente, o que amplia o escopo de aplicações. “Assim, plataformas de compartilhamento de arquivos, de videochamadas, aplicativos de relacionamentos, e-mails e até mesmo caixas de comentários estariam conceitualmente sujeitos à lei, que não se propõe a tratar, pelo menos em teoria, desses tipos de serviço”.

Com relação ao “escopo da lei”, o texto deixa de limitar sua atuação às redes sociais e serviços de mensageria e passaria a atingir também pequenas e médias empresas, sem ao menos analisar os impactos econômicos das obrigações previstas.

No novo relatório há também uma exigência de que os usuários devem se identificar, fornecendo um número de documento ou de celular. No artigo 26, a minuta altera inclusive a lei 10.703/2003, que “dispõe sobre o cadastramento de usuários de telefones celulares pré-pagos e dá outras providências”, a fim de inserir mais informações dentre as requeridas pelas empresas de telecomunicação no ato de cadastramento de usuários de pré-pago.

“Ao condicionar a autenticação de contas em redes sociais a um número de celular – prevendo que a informação de identificação requerida será confirmada via SMS –, o relatório passa a trabalhar com uma lógica excludente de acesso às redes, uma vez que desconsidera que muitos provedores de aplicações de Internet não são acessados de maneira exclusiva via celular e quem não tiver um número em operação não poderá utilizar redes sociais e serviços de mensageria. Apesar de aplicativos conhecidos como o WhatsApp exigirem a vinculação a um número de telefone, a regra não vale para todos os serviços de mensageria e tampouco para redes sociais que muitos provedores de aplicações de Internet não são acessados de maneira exclusiva via celular e quem não tiver um número em operação não poderá utilizar redes sociais e serviços de mensageria. Apesar de aplicativos conhecidos como o WhatsApp exigirem a vinculação a um número de telefone, a regra não vale para todos os serviços de mensageria e tampouco para redes sociais“.

O texto do relator que deve ir a voto na próxima quarta-feira, tem potencial de criminalizar a opinião e alguns comportamentos de usuários de Internet. O senador, por exemplo, força o judiciário a analisar o exercício de liberdade de expressão a partir de conceitos genéricos ao “veicular conteúdo que resulte em grave exposição a perigo da paz social ou da ordem econômica” (Art. 31).

O novo relatório retira pontos do projeto de lei, como as medidas de transparência e de devido processo incorporadas na última versão do texto do senador Alessandro Vieira.

“As regras de transparência para anúncios e mensagens impulsionadas, por exemplo, foram extremamente reduzidas, restando apenas a obrigação de identificar estes conteúdos e os responsáveis por eles. Requisitos adicionais passam a valer somente em caso de propaganda eleitoral. Também foram excluídas obrigações importantes como critérios utilizados para definição do público-alvo da mensagem e um histórico de publicidades ou impulsionamentos de cada conta disponível para ser consultado. Esses mecanismos são fundamentais para fiscalizar práticas de desinformação e de publicidade irregular, permitindo chegar a quem financia tais atuações ao longo de todo o ano – e não somente durante campanhas eleitorais”, explica a nota pública da Coalizão.

O grupo de organizações acadêmicas e da sociedade civil pede aperfeiçoamentos e mais debate antes de sua votação.