As prévias do PSDB que aconteceriam no último domingo, 21, para a escolha do seu candidato à presidência da República em 2022, foram suspensas em razão de problemas relatados por milhares de eleitores que não conseguiram concluir a votação. A executiva do partido pretende que a eleição seja concluída até o próximo domingo, 28, mas ainda não se sabe quais foram as causas da instabilidade. Há relatos de problemas em diferentes etapas do processo. Especialistas especulam sobre mal dimensionamento de capacidade, falta de testes de carga até má qualidade no software de reconhecimento facial.

Nesta segunda-feira, 22, a executiva nacional do partido passou o dia em reunião a portas fechadas com técnicos da Faurgs (Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), responsável pelo desenvolvimento da ferramenta. Procurada pela reportagem de Mobile Time, a direção da fundação não atendeu aos chamados. Em nota oficial, esclareceu que “que está investigando todas as possíveis causas da instabilidade verificada no aplicativo das prévias do PSDB”.

Sobre especulações de que as falhas teriam sido por conta do reconhecimento facial, que usou uma base de dados do próprio PSDB, a nota afirmou que “ao contrário do que foi especulado, os problemas não têm qualquer relação com a compra de licenças para suportar o reconhecimento facial dos filiados. Tanto é que o mesmo número de certificados permitiu o cadastramento bem-sucedido dos mais de 44 mil eleitores”.

A Faurgs não respondeu de forma técnica nem ao próprio PSDB. “O partido ainda aguarda manifestação da empresa contratada, a Faurgs. Se, até esta terça-feira (23), ela não oferecer garantias concretas de viabilidade e robustez da solução contratada, o PSDB adotará tecnologia privada para concluir o processo de prévias. Em qualquer alternativa, a integridade do processo eleitoral será rigorosamente observada. Como afirmado em nota divulgada ontem, até o momento a Faurgs não apresentou conclusões sobre as razões das dificuldades”, afirmou a executiva nacional do partido.

Planejamento

A pedido de Mobile Time, o CEO da VSoft, Pedro Alves, opinou sobre o tema. Sua empresa é responsável pela emissão de RGs com captura biométrica em estados como Paraíba e Alagoas. Na sua avaliação, para cenários com alto volume de autenticação biométrica recomenda-se a utilização de plataformas Biometrics as a Service, que são preparadas para suportar dezenas ou centenas de milhares de transações simultâneas. “Na hora de se escolher uma plataforma como essa também é preciso ficar atento à escolha do ‘tempo de resposta máximo por transação em segundos’, ou seja, qual o tempo máximo que o usuário irá esperar após a submissão da sua selfie no caso de um reconhecimento facial. E também o volume de “transações por segundo” (quantas transações simultâneas por segundo a plataforma deverá suportar). O mercado dispõe hoje de inúmeras plataformas de Biometrics as a Service. Essas escolhas tecnológicas devem ser feitas com bastante antecedência para que projetos desse porte não sejam frustrados. A tecnologia está amplamente disponível, só é preciso bom planejamento”, explicou.

Outra fonte do setor de identificação biométrica, comentou a este noticiário apontou entre as possíveis causas dos problemas: foto ou cadastro de má qualidade; demora ou falha no reconhecimento por causa de software mal desenvolvido; câmera com qualidade insuficiente.

Também foi levantado por fontes de que o aplicativo provavelmente não passou pelos devidos testes de carga excessiva, para garantir que funcionaria adequadamente no dia das prévias.

Relatos

“No meu caso específico, fiquei no mínimo duas horas sequenciais tentando votar. Passei pelo primeiro reconhecimento facial. Votei. Fiquei feliz. Na hora de validar o voto, no segundo reconhecimento, tudo voltou à estaca zero, começava tudo outra vez”, descreveu o deputado Miguel Haddad (PSDB/SP) a esta reportagem.

Entretanto, outros filiados ao partido se queixaram que as falhas no aplicativo aconteceram antes mesmo de chegar ao reconhecimento facial. Foi o caso da senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP). Segundo seu relato ao Mobile Time, o programa ficava rodando logo na primeira etapa, ou seja ainda na página que pedia o número do título de eleitor, a primeira, antes mesmo de chegar na etapa da biometria. Ela contou que uma amiga conseguiu chegar à página de escolha dos candidatos, mas também não teve sucesso, pois não carregava.

Alertas

Em nota conjunta, os pré-candidatos João Dória e Arthur Virgílio afirmaram que “houve alertas durante todo o processo sobre a fragilidade do aplicativo e sobre os problemas de instabilidade e insegurança que o modelo proposto poderia trazer para as primárias”, referindo-se a um relatório da auditoria Kryptus, contratada pelo partido. Procurada pela reportagem, a Kryptus, por meio de sua assessoria, não confirmou a informação.

De acordo com Doria, apenas 8% dos filiados cadastrados no aplicativo conseguiram votar —o senador José Serra, por exemplo, não conseguiu votar, informou sua assessoria. Nem mesmo Arthur Virgílio teria conseguido votar nele mesmo. O dispositivo foi pensado para que filiados sem mandato e vereadores pudessem votar sem ter que ir à cerimônia que o partido organizou em Brasília.

Segundo publicou a Folha de S.Paulo, o aplicativo custou mais de R$ 2 milhões aos cofres do PSDB.