A estratégia da Vivo para serviços digitais não foca mais no curto prazo, mas no longo prazo. Desta forma, parceiras mais profundas estão sendo firmadas e estruturas inspiradas em startups estão sendo construídas dentro da empresa para tocar projetos em seis áreas prioritárias: saúde e bem-estar; educação; serviços financeiros; soluções residenciais; entretenimento; e marketplace. “Disputamos a atenção e a carteira do usuário com empresas que normalmente não consideraríamos concorrentes diretos”, comenta o diretor de inovação e novos negócios da Vivo, Rodrigo Gruner, referindo-se, por exemplo, a apps de bancos e de varejistas. Em entrevista para Mobile Time, o executivo descreve a atual estratégia da companhia em serviços digitais. 

Mobile Time – As operadoras têm buscado parcerias mais profundas em serviços digitais, em alguns casos envolvendo participação acionária nas parceiros, ou formação de joint-ventures. Por que isso está acontecendo?

Rodrigo Gruner – Temos uma perspectiva clara de negócios, ou seja, de resultados, e a perspectiva do cliente. Na Vivo, os resultados foram super consistentes em 2021, crescendo não apenas no total mas também nas áreas chave em que a empresa se dispôs a apostar nos últimos anos. Temos preocupação de identificar quais são as alavancas de crescimento que a empresa vai trabalhar além dessas que a gente já vem apostando e comunicando e que no curto prazo dão resultado. Uma das mudanças internas consistiu em darmos mais espaço, tempo e foco para desenvolvermos novos negócios. O objetivo aqui é crescimento: como a gente vai trabalhar para ter crescimento futuro do negócio. 

Na perspectiva do cliente, fomos amadurecendo ao longo do tempo. Um ano e meio atrás talvez a gente tivesse insights, mas não a estratégia tão clara. Agora entendemos que queremos criar uma plataforma de negócios digitais em várias áreas de atuação. Há algumas premissas por trás desse conceito. Esses negócios todos têm que se sustentar sozinhos. Não vamos criar negócios para serem subsidiados pela empresa. Eles precisam trazer resultado a longo do tempo. Não precisa ser no curto prazo. Aliás, essa é uma das mudanças: temos apostas agora que vão trazer resultado mais para frente, em questão de anos. Para você ter uma ideia: nesse ano inteiro sabemos que, mesmo que a gente cumpra os planos de negócios, algumas dessas iniciativas não terão ainda Ebtida positivo, e talvez  sejam rentáveis somente ano que vem, mas isso está dentro do previsto. A empresa agora tem uma visão mais como investidora, não busca apenas produtos de prateleira. São startups que estamos desenvolvendo aqui dentro. E, na medida do possível, usamos os conceitos que se aplicam a esse mundo (de startups). Cada produto tem que se sustentar e ter resultado. Temos equipes e recursos dedicados a cada negócio, para que tenham autonomia para se desenvolverem. Todos são negócios digitais, mas em um ou outro caso a experiência vai além do digital.

Esses negócios estão sendo criados em cima do conceito de quarta plataforma. Trata-se da camada de dados e APIs da Vivo. Historicamente, temos muitos sistemas legados de telefonia fixa e móvel e era muito difícil ter uma visão unificada do cliente, mas sim registros dele espalhados por vários sistemas de produtos diferentes. Isso dificultava prover uma experiência melhor para o cliente. Esse é um dos trabalhos da quarta plataforma: estruturação e homogeneização, com data lake único e uma visão única do cliente. É uma evolução constante. Hoje temos capacidade muito boa de usar os dados com consentimento do cliente para o relacionamento com ele. Os novos negócios já são integrados nessa nova plataforma de dados da Vivo. É um dos conectores do conceito de ecossistema digital. O segundo é o próprio app Vivo, com mais de 20 milhões de usuários ativos mensais (MAUs, na sigla em inglês). O app Vivo virou o canal de relacionamento digital dos clientes da operadora. Não é um superapp, como o Inter, que tem core de banco, shopping, viagens etc. No nosso caso é mais um conceito de ecossistema em que você tem o app Vivo, que continua tendo papel central de relacionamento transacional, e cada negócio terá sua experiência digital. Em algum nível esses novos negócios terão jornadas integradas no app Vivo. O Vivo Pay, por exemplo, não terá a experiência inteira dentro do app Vivo, mas de repente haverá a opção de pagamento de recarga do seu pré-pago com Vivo Pay dentro do app Vivo. Outro exemplo: em saúde, não vamos ter a jornada de telemedicina dentro do app Vivo. Mas se for assinante de algum serviço, como o Vida V, de repente pode ter algum link ou comunicação integrada que passe pelo app da Vivo. 

Além disso vamos testar o login único, um social login da Vivo para permitir acesso de maneira mais fácil a esses serviços. 

Esse login usará o número telefônico como chave de acesso?

Provavelmente não será pelo número telefônico, mas ainda vamos definir a chave. Deve ser algo mais neutro, tipo email. 

E quando vai ser lançado?

Não tem data ainda. A expectativa é para este ano.

Quais são hoje as principais verticais nas quais Vivo está desenvolvendo novos negócios e parcerias em inovação e serviços digitais?

Decidimos iniciar em seis áreas de oportunidade. Pode ser quer algumas deem resultado melhor ou não, então essa lista pode ser reajustada. Encaramos com visão de longo prazo, podendo sofrer ajustes. As seis prioridades são: saúde e bem-estar; educação; serviços financeiros; soluções residenciais; entretenimento; e marketplace. São áreas de oportunidades e podemos ter um ou mais negócios em cada. Em serviços financeiros, por exemplo, temos Vivo Money e Vivo Pay. O Vivo Money está em um momento bacana: é uma plataforma de produtos de crédito. O mais avançado é o crédito pessoal: você toma um crédito para comprar o que quiser e paga depois. Isso abre espaço para outros produtos, como financiamento de smartphones. Do ponto de vista de crédito, é outro produto. O Vivo Pay veio depois e já tem uma base relevante de usuários, na casa de centenas de milhares. É uma conexão entre meio de pagamento e crédito. E ambos ão ser importantes para outros negócios que vamos desenvolver. Quando tivermos uma base relevante em educação e saúde, poderemos ter uma alternativa para financiamento de cirurgia, ou de um curso mais caro, por exemplo. Nossa visão é capturar sinergia entre os negócios no futuro.

Rodrigo Gruner, da Vivo: “Disputamos a atenção e a carteira do usuário com empresas que normalmente não consideraríamos concorrentes diretos”

O que a Vivo planeja para a área de saúde?

Em saúde e bem-estar temos dois negócios. O primeiro é o Atma (antigo Vivo Meditação). Fizemos rebranding dele em março. Em áreas mais específicas nem sempre a marca Vivo traz o valor que a gente espera, ou não alcança o impacto desejado em clientes de outras operadoras. Tivemos feedbacks de clientes de outras operadoras que não contrataram o Vivo Meditação achando que era só para clientes da Vivo, embora ele sempre fosse aberto. 

O Vivo Meditação era uma parceria com a Movile, certo?

Sim, mas a Movile segregou seus SVAs para a Wavy. E quando esta foi vendida para a Sinch, passou a focar só em bots. Aí não fazia sentido para a Sinch manter o Vivo Meditação. Mas isso se alinhou com momento nosso de mudança de mentalidade: vimos que para que esse negócio desse certo precisávamos investir mais, não apenas com dinheiro, mas com gestão. Se a gente quer ter um produto digital bom, precisamos ter gestão mais próxima do produto. 

Vocês compraram o Atma (Vivo Meditação) da Wavy?

O código sempre foi da Vivo. Estamos em transição até abril. São mais de 1 mil meditações e está evoluindo bastante. Vamos levar para dentro do Atma temas que tangenciam saúde mental. Tem meditação para criança e meditações mais curtas, de um a três minutos. Trouxemos uma pessoa para liderar o negócio que manja do tema. A monetização é via assinatura, mas em modelo freemium. 

E qual o outro produto de saúde?

É o Vida V, uma plataforma de acesso a serviços de saúde. Não é um plano de saúde. Não somos prestadores de serviço de saúde. Nosso objetivo é chegar nas camadas da população que não têm plano de saúde privado. Só 25% da população tem plano de saúde privado, a maioria trabalha em empresas. O SUS não é ruim. Aliás, é surpreendente a qualidade do SUS em várias cidades do Brasil. Mas as pessoas estão dispostas a investir em saúde se isso der um ganho de tempo, o que é um problema do SUS hoje. Você tem um bom atendimento no SUS, mas espera muito por ele. Leva meses para fazer um exame, por exemplo. Estimamos que cerca de 30% da população, apesar de ter o SUS como principal provedor de saúde, tem dinheiro e está disposta a investir algo para ter acesso a saúde privada de alguma forma. Vida V atende a esse público. Teremos desde atendimento médico até convênios com laboratórios para fazer exames, hospitais, telemedicina. Hoje está em MVP, com teleconsulta, descontos em farmácias e diagnóstico. Em poucos meses saltaremos para modelo mais amplo de serviços: pagando uma mensalidade baixa daremos acesso a serviços por um preço supercompetitivo. Por exemplo, um hemograma, se contratado de forma avulsa em um laboratório, custa entre R$ 50 ou R$ 60. Pelos nossos parceiros, por conta da escala, conseguimos fazer um hemograma por R$ 15 ou até menos. A ideia é dar acesso a saúde de qualidade por preço competitivo. E a telemedicina será útil para quem não está nos centros urbanos. Muita gente no interior, pela dificuldade de deslocamento, assinará para fazer consultas remotas.

Quando pretendem escalar o Vida V?

Vamos começar a escalar em maio, quando investiremos em mídia. 

Quem é o parceiro de vocês no Vida V?

É a Teladoc, uma empresa norte-americana com presença no Brasil. É um dos maiores players de medicina. 

A parceria com a Teladoc será de joint-venture?

Neste caso temos uma parceria comercial. Temos um squad hibrido, no escritório e de forma remota. O squad de produto do Vida V tem gente da Vivo e da Teladoc. A squad de aquisição de clientes fica dentro da Vivo.

Como é a gestão dos outros negócios?

Para cada negócio temos um ou mais squads dentro da Vivo. É modelo de startup. Atma, Vivo Pay etc: cada um tem um head, que é responsável pela gestão e pelo resultado do negócio. E temos um comitê de inovação, uma espécie de conselho, mas em vez de investidores é composto por vice-presidentes da Vivo. Fazemos uma vez por mês uma reunião com apresentação de resultados e tomada de decisão. Cada head apresenta os resultados e o que está fazendo para acelerar o negócio.

Quais os produtos e parcerias em educação?

Em educação tivemos uma oportunidade, que foi uma boa surpresa, com a Ânima, um dos maiores players de educação no País. Evoluímos no conceito de criação de um negócio voltado para educação digital, mas sem eliminar no futuro a possibilidade de alguma forma física, embora o foco hoje é totalmente no digital, para formação e qualificação de jovens para o mercado de trabalho. O público-alvo vai desde gente que ainda não entrou em curso superior, ou que entrou mas quer qualificação específica, até quem não quer ou não pode ter um curso superior mas quer se qualificar para determinada profissão. Começamos com 60 trilhas de carreiras, desde cursos de programação até cursos para profissionais de administração. Fechamos um acordo de investimento com a Ânima, que está em processo de validação pelo Cade. Acho que não haverá problemas. Estamos aguardando. Tendo a aprovação, que esperamos que seja logo, em questão de semanas, partiremos para a constituição de uma empresa em conjunto. Ainda este ano teremos o lançamento do MVP. 

Na última coletiva de resultados da Vivo, o CEO da empresa, Christian Gebara, falou que essa joint-venture oferecerá “nanocursos”. Poderia explicar esse conceito?

A forma como os cursos estão sendo estruturados não é em torno de matérias, mas de módulos autocontidos. Cada nanocurso é parte de uma trilha maior e que traz conhecimento com início, meio e fim, e com elementos de mais de uma área de conhecimento. Cada nanocurso é de mais ou menos 30 horas. Não sabemos ainda como será a demanda. Mas poderão ser consumidos individualmente ou dentro de uma trilha mais longa. 

Será uma assinatura ou venda avulsa?

O modelo de cobrança está em debate. Podemos ter tanto assinatura quanto pagamento avulso.

E quais os planos para a vertical de soluções residenciais?

Nessa vertical temos o Vivo Guru, que já existe há algum tempo, com assistência para tecnologia, suporte remoto e presencial. E temos uma oportunidade em casa inteligente, que começa a tomar forma no Brasil. A Vivo começou a atuar nessa área no ano passado, melhorando seu portfólio de produtos nas lojas e no e-commerce. Agora temos lâmpada inteligente, tomada inteligente, e outros produtos smart. Está ganhando tração. Fiquei surpreso com os números. Quando vimos que a demanda do mercado está crescendo a indústria abraçou o tema. Antes os fabricantes importavam e os produtos chegavam muito caros. Quando Positivo, Intelbras e outras começaram a se movimentar, tivemos produtos mais acessíveis, e a Vivo passou a revendê-los. E agora estamos entrando na segunda etapa: as pessoas compram mas encontram dificuldade de configurar. Queremos ser o melhor parceiro para aquelas pessoas que buscam ou querem transformar sua casa em uma casa inteligente, tanto em hardware como em serviço. Teremos eventualmente serviços de configuração e instalação de dispositivos de casa inteligente. Queremos que o cliente saia com o dispositivo e, se precisar, tenha a nossa ajuda para usar.

Como está a área de entretenimento? 

Essa frente está indo muito bem. Todos são conteúdos premium, em video ou música: Netflix, Disney+, Star+, Spotify, Amazon Prime etc. Este foi um projeto que começamos lá atrás de digitalização das jornadas e venda de serviços digitais.

Como a Wayra se encaixa nessa estratégia de serviços digitais da Vivo?

A Wayra é uma parte importante de tudo de tudo o que falei. A construção desse ecossistema de longo prazo naturalmente passa por vários modelos diferentes de construção de negócios. Não tem uma regra. Precisamos estar próximos do ecossistema de startups para cada uma dessas verticais, e a Wayra tem esse papel. Eventualmente podem surgir oportunidades de negócios mais concretos com startups. A Wayra sempre teve papel relevante de aproximação da Vivo com o ecossistema de inovação aberta. Sao 12 anos operando no Brasil. E algumas investidas da Wayra depois acabam tendo sucesso no mercado por si só, como a Olivia, comprada pelo Nubank. Essa visão da construção do ecossistema é uma das principais prioridades da empresa. E não se limita àquelas seis verticais de atuação. Existem outros temas que a Wayra vai continuar buscando e desenvolvendo oportunidades, como IoT e cibersegurança, que são. relevantes para o B2B. 

A venda da Oi e a consequente redução de quatro para três players nacionais diminui a pressão por inovação e diferenciação entre as operadoras que restaram?

Não vejo essa relação. Não encaramos como uma variável relevante. Em nenhum momento usei como referência outros players de telecom para descrever nossa estratégia. Independentemente do que acontece em telecom, o mercado, a sociedade e as empresas como um todo estão mais abertas a um tipo de concorrência que extrapola aquela visão histórica de setor de atuação. A questão de unbundling e rebundling de cadeia de negócios está acontecendo: é todo mundo brigando com todo mundo. Não estamos necessariamente pensando em concorrentes diretos do setor de telecom. Pensamos onde está a atenção do usuário. Ela pode estar em um app de banco ou de varejista. Disputamos a atenção e a carteira do usuário com empresas que normalmente não consideraríamos concorrentes diretos. O principal é termos uma proposta de valor consistente e abrangente. Conectividade é core, é muito importante, mas os desejos dos nossos clientes vão além da conectividade pura. Queremos facilitar o acesso deles a outros serviços que obviamente se apoiam na conectividade de qualidade.

O Brasil está liderando esse movimento globalmente dentro do grupo Telefónica? 

É uma iniciativa mais forte e evidente no Brasil, mas não é exclusiva do Brasil. O grupo como um todo entende que é quase que uma necessidade ampliar a atuação da Telefónica em outras áreas de oportunidades. Na Espanha, por exemplo, temos uma empresa de segurança residencial, com alarmes residenciais. E a Espanha também tem parceria com a Teladoc para um produto similar ao Vida V, que é o Movistar Salud. Cada país tem realidade diferente, o que altera a estratégia de atuação. Saúde na Espanha é diferente, por exemplo. O Brasil tem características que outros mercados não têm. O Brasil é peculiar por ter população muito grande. E é uma população superconectada, até mais que a espanhola, só que o Brasil tem gaps em áreas como educação, saúde, e serviços financeiros, o que não ocorre na Espanha. Dos quatro mercados chave da Telefonica (Espanha, Reino Unido, Alemanha e Brasil), o Brasil é o único com essas características.

Metaverso é a palavra da moda em tecnologia hoje. Qual a sua definição de metaverso e como a Vivo pretende explorar esse conceito?

Metaverso, no meu entendimento, é a criação de um ambiente virtual em que as pessoas podem interagir entre elas ou com marcas de forma parecida com que fariam no mundo físico. Não tenho dúvida que haja dinheiro no metaverso. Tem muita gente grande e empresa investindo nisso. Mas o quanto será realidade como ambiente e socialização e quanto vai representar de mudança significativa no comportamento das pessoas? Ainda tenho dúvidas. Mas há oportunidades. A Telefónica anunciou parceria com a própria Meta para estudar modelos de como acelerar isso. E vamos trabalhar para otimizar a rede para que a experiência do metaverso seja melhor para os nossos clientes e usuários. Estamos naquele momento inicial da tecnologia. Ao longo dos próximos meses ou anos vão aparecer casos de uso e modelos de negócios.

Haverá um único metaverso ou vários?

Hoje a realidade é de múltiplos metaversos. Dada a dificuldade de interoperabilidade de coisas até mais simples que isso, acho difícil conseguirmos padronizar em um único metaverso.

Para finalizarmos, qual a sua opinião sobre NFTs?

Como todas as novas tecnologias, estamos atentos ao desenvolvimento de negócios que possam trazer resultados.  Estamos analisando o tema e em poucos meses talvez tenhamos novidades.

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Rodrigo Gruner estará ao lado de executivos de Algar, Claro e TIM no painel de abertura do MobiXD, novo seminário presencial organizado por Mobile Time, no dia 10 de maio, no WTC, em São Paulo – confira mais informações em www.mobixd.com.br.