O decreto assinado pelo presidente argentino, Alberto Fernandez, que passa a classificar a telefonia celular, o acesso à Internet e a TV por assinatura como serviços essenciais, o que estabelece a criação de planos básicos universais e a regulação de preços, incluindo o congelamento dos mesmos até o final do ano, pode ter algum impacto no Brasil? Mobile Time repercutiu com três especialistas do País: Marcos Ferrari, presidente do SindiTelebrasil; Flávia Lefèvre, advogada especializada em direito digital e do consumidor, representante do coletivo Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede; e Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital, consultor jurídico do MEF e sócio do escritório Pellon de Lima Advogados.

Marcos Ferrari: “Argentina aponta para o caminho errado”

Na opinião de Ferrari, do SindiTelebrasil, a decisão argentina “aponta para o caminho errado.” E justifica: “Está claro desde a década de 1980 que controlar preço é uma política fadada ao fracasso. As leis econômicas são regidas por outras questões. É melhor criar competição e deixar que o mercado defina o preço.”

Ele usa o Brasil como exemplo de mercado competitivo em telecom no qual o preço vem caindo ao longo do tempo. Nos últimos cinco anos, o preço do minuto falado caiu 20% e o de Megabyte diminuiu 18%, aponta.

Na sua opinião, os preços do Brasil só não são menores por causa da alta carga tributária, que chega perto de 50% em alguns estados. “A média da carga tributária em banda larga móvel dos 15 países que mais usam esse serviço é de 10,1%. No Brasil é de 46%, ou seja, quatro vezes maior”, destaca. Sua recomendação é de que se faça uma reforma tributária e um uso efetivo dos fundos setoriais criados para universalizar as telecomunicações, como o Fust.

Flávia Lefèvre: no Brasil, acesso à Internet é direito essencial somente no papel

Por sua vez, Lefèvre, do Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede, relembra que no Brasil a Constituição Federal e o Marco Civil da Internet reconhecem os serviços de telecomunicações e de acesso à Internet como públicos, essenciais e universais. O problema é que isso está no papel, mas não é realidade na prática.

“No Brasil, esses serviços, legalmente, já são considerados essenciais e universais, o que significa que o Estado deve se responsabilizar pela garantia do acesso (art. 175, da CF). Entretanto, os agentes públicos com atribuições para pôr em prática essas garantias legais são omissos e, em geral, atuam em benefício dos agentes econômicos, como fez a Anatel e o MCTIC durante a pandemia, reduzindo a obrigação de recolhimento de impostos e se manifestando publicamente contra medidas que impedissem o corte no fornecimento do serviço ou suspendessem as multas por inadimplência no período da pandemia”, critica.

Rafael Pellon: insegurança jurídica pode respingar no Brasil

Para Pellon, do MEF, o momento da decisão argentina “não poderia ser pior”, por acontecer “às vésperas de uma mudança de ciclo tecnológico com a conclusão da convergência de conteúdos para a Internet e a iminência do 5G, quando investimentos massivos terão que ser feitos.” No seu entender, a decisão de Fernandez “demonstra o despreparo e desconhecimento sobre as regras globais pela qual o mundo se move atualmente.”

Pellon teme que haja impactos negativos no Brasil: “A insegurança jurídica gerada irá afastar investidores por anos da Argentina e pode respingar no Brasil se acharem que há um mínimo de risco similar em nossas terras. No atual cenário global de telecomunicações e Internet, aqueles que não privilegiam o cumprimento dos pilares definidos, as leis estabelecidas e ignoram todos os players envolvidos se arriscam a ser deixados de fora das evoluções tecnológicas vindouras, condenando suas populações a serviços medíocres no médio e longo prazos. Em um momento em que o acesso a serviços de telecomunicações passou a ser tão importante para o exercício da cidadania, a decisão argentina é totalmente inoportuna.”

Na opinião do advogado, não é papel do Estado brasileiro arcar com investimentos diretos em telecomunicações e cabe aos reguladores e ao governo garantir que não há risco de revisão do atual modelo oriundo do processo de privatização do setor, no final da década de 1990.