|Mobile Time Latinoamérica| O Ministério da Fazenda da Colômbia publicou um projeto de decreto que busca equiparar a retenção na fonte dos pagamentos eletrônicos àquela aplicada às operações com cartões, com o objetivo de igualar as condições entre os diferentes meios de pagamento.
O rascunho, assinado pelo ministro Germán Ávila Plazas e respaldado pela Direção de Impostos e Aduanas Nacionais (DIAN), propõe uma alíquota única de 1,5% para vendas de bens e serviços pagas por meio do Bre-B, carteiras digitais como Nequi e Daviplata, transferências imediatas, PSE, códigos QR e cartões virtuais.
Segundo o documento, a medida busca eliminar o tratamento desigual entre os diversos instrumentos de pagamento e “reconhecer um tratamento semelhante entre os que oferecem total rastreabilidade transacional”.
Não afeta o usuário final
Ou seja, não representa um novo imposto para os consumidores finais, mas sim a ampliação do mecanismo de retenção na fonte (um adiantamento do imposto de renda) para os pagamentos digitais que, até então, estavam isentos.
Transferências entre pessoas (P2P) que não envolvam pagamento por bens ou serviços ficariam excluídas. A retenção só seria aplicada quando a operação representar um ingresso tributável pela venda de bens ou serviços.
O rascunho também estabelece que a retenção poderá ser feita pelo comprador ou, quando houver intermediação, pelos agregadores ou processadores de pagamento, que atuariam como agentes de retenção. Pessoas físicas não sujeitas ao IVA estariam isentas.
Impacto sobre comércios e plataformas
Embora o Ministério afirme que a medida não teria impacto econômico direto nem exigiria recursos orçamentários adicionais, especialistas do setor alertam que os custos administrativos recairiam sobre os comércios e plataformas de pagamento.
Essas plataformas teriam que adaptar seus sistemas para calcular, descontar e reportar a retenção em tempo real, o que exigiria o desenvolvimento de novos módulos, auditorias, conciliações e processos de reporte fiscal. Esses ajustes poderiam representar custos operacionais maiores, eventualmente repassados aos usuários.
O debate ocorre a uma semana do lançamento oficial do Bre-B, sistema interoperável de pagamentos imediatos promovido pelo Banco da República, concebido como infraestrutura pública de baixo custo, sem comissões de gestão por pelo menos quatro anos, para fomentar a inclusão financeira e reduzir o uso de dinheiro em espécie.
Críticas do setor fintech
O presidente da Colombia Fintech, Gabriel Santos, criticou a proposta, chamando-a de uma “visão fiscalista” que poderia comprometer o sucesso do Bre-B e frear a digitalização dos pagamentos.
“Não podemos nos dar ao luxo de que o Bre-B fracasse. Esse projeto de decreto reflete uma visão de ordenhar a vaca antes de ela dar leite. Assim, prejudicamos nossa ambição de impulsionar a concorrência, a inovação e a inclusão financeira”, alertou Santos.
Ele comparou a situação ao caso do Pix, no Brasil, que em 2024 processou mais de 63,5 bilhões de transações e integrou 70 milhões de pessoas ao sistema financeiro formal. Segundo ele, o sucesso do Pix foi resultado de uma estratégia regulatória que priorizou a adoção e a inclusão, evitando qualquer desincentivo fiscal nos primeiros anos.
“O Banco Central do Brasil proibiu o uso de dados do Pix pela Receita Federal para não desincentivar a formalização. Quando surgiu o boato de um imposto sobre o Pix, as transações caíram 15% e o valor transferido, 37%. Foi tão grave que o presidente Lula precisou assinar uma medida proibindo expressamente qualquer imposto sobre o Pix”, recordou.
Santos acrescentou que o decreto colombiano, embora parta de uma intenção legítima de corrigir assimetrias regulatórias, “não nivela o campo de jogo, e sim o destrói”, podendo incentivar o uso do dinheiro em espécie e prejudicar os objetivos de formalização financeira do país.
“O Bre-B é um ativo nacional que devemos proteger. Propostas que incentivam a informalidade financeira não ajudam em nada”, concluiu.
Retorno ao uso de dinheiro vivo
A Asomicrofinanzas, associação que representa as entidades de microfinanças do país, alertou que a medida pode se tornar uma nova barreira à inclusão financeira de microempresas e trabalhadores da economia popular.
“Medidas tributárias como essa, embora bem-intencionadas do ponto de vista do controle fiscal, podem se transformar em obstáculos à inclusão financeira, à poupança e à formalização de microempresas”, afirmou a associação.
A entidade destacou que os pagamentos digitais têm sido porta de entrada para a formalização e acesso ao crédito de milhares de microempreendedores, e que taxar essas transações pode incentivar o retorno ao dinheiro físico. “Cada custo adicional pode ser a diferença entre manter operações digitais ou voltar ao uso do dinheiro em espécie”, destacou.
A Asomicrofinanzas também ressaltou o papel do Bre-B como ferramenta essencial para promover a bancarização, reduzir o uso de dinheiro vivo e incentivar a cultura da poupança, e fez um apelo ao governo para que qualquer ajuste regulatório preserve os avanços já obtidos em digitalização e formalização.
Setores abertos ao diálogo
A Câmara Colombiana de Comércio Eletrônico (CCCE) também se manifestou contra a iniciativa, afirmando que qualquer medida que encareça os pagamentos digitais é prejudicial ao desenvolvimento do ecossistema digital e financeiro.
“Há mais de duas décadas, os pagamentos digitais enfrentam cargas tributárias que frearam sua expansão. Esse tratamento anti-técnico tem prejudicado a inclusão financeira e a apropriação digital no país”, declarou a entidade.
A CCCE alertou que equiparar a carga tributária entre meios de pagamento tradicionais e novos, como o Bre-B ou as carteiras digitais, contraria os objetivos de inclusão e digitalização e adota uma visão de curto prazo, focada apenas na arrecadação.
A entidade reiterou sua disposição em colaborar com o governo e as autoridades econômicas para construir uma regulação moderna, justa e que promova a competitividade, a inclusão e o desenvolvimento sustentável do comércio eletrônico na Colômbia.
O projeto de decreto estará disponível para consulta pública até sua possível promulgação nesta sexta-feira, 24 de outubro.
A ilustração no alto foi produzida por Mobile Time com IA

