|Mobile Time Latinoamérica| O smartphone foi o primeiro canal de acesso à Internet para milhões de pessoas na América Latina. E o sistema operacional Android desempenhou um papel fundamental nesse processo, por estar presente justamente nos aparelhos de entrada. Agora, um novo capítulo está começando, no qual o Android quer ser novamente protagonista: o da democratização da inteligência artificial. Em entrevista para Mobile Time Latinoamérica, Flávio Ferreira, diretor de parcerias de Android na região, falou sobre isso e sobre outras prioridades do Google este ano, como parcerias na área de segurança física e digital.

Mobile Time – Qual a sua avaliação do ecossistema Android atualmente na América Latina? O que a difere de outras regiões, positivamente e negativamente?

Flávio Ferreira – O Android na América Latina tem algumas características que talvez sejam mais relevantes por aqui, como a democratização do acesso à Internet. Esse papel de ter sido o primeiro device conectado para as pessoas é mais relevante aqui do que para as pessoas nos EUA ou na Europa. O Android foi a ferramenta de acesso à Internet para milhões de pessoas na América Latina. Tem um papel de inclusão, de educação, de jornada digital, que faz com que seja diferente de outras regiões. Isso nos dá uma responsabilidade e uma oportunidade enormes. Responsabilidade principalmente do ponto de vista de proteção do usuário. E oportunidade por estarmos ajudando o consumidor na jornada digital, de forma educativa e propositiva. Consigo ajudá-lo a entender o valor do storage, do pagamento digital etc. Nosso papel como plataforma é possibilitar, como enabler, que várias inovações aconteçam em cima da plataforma.

Dentro da América Latima, você nota diferenças entre os países, ao se comparar, por exemplo, Brasil, México e Colômbia, no uso de Android ou de alguns serviços digitais?

Existem diferenças de momento mais do que estruturais. O Brasil, por exemplo, está mais avançado na digitalização de pagamentos. Está a alguns passos na frente de outros países. Isso acontece por vários motivos, como a chegada do Pix, a inovação das fintechs brasileiras e a regulamentação que possibilitou isso. Mas o México vem crescendo bastante em fintechs também.

E tem uma questão de momento de maturidade dessa jornada digital. Se você analisar o Chile, sua maturidade digital é maior, até por causa de suas condições econômicas. Lá as pessoas têm devices melhores e estão utilizando há mais tempo.

Mas a parte financeira no Chile não está tão avançada…

Mas uma coisa está ligada à outra. Se você olhar mercados mais desenvolvidos, eles não estão muito avançados em mobile payment. Por quê? Porque não precisam. O Brasil precisou acelerar pagamentos móveis para poder incluir milhões de pessoas no sistema financeiro, o que não daria para fazer só na web ou no caixa eletrônico. Um país mais desenvolvido tem menos pressa de trazer certas inovações.

Vemos, portanto, essas diferenças de maturidade entre os mercados, seja do ponto de vista de dados, do device, do poder de consumo etc. Mas, quanto ao papel do Android, ele é bastante similar. Talvez a maior diferença seja o momento de cada mercado, pois cada um tem a sua microdinâmica de regulamentação local. Mas do ponto de vista de oportunidade e comportamento eu acho que é bem parecido.

Quais são as suas prioridades e desafios em 2024 na América Latina?

Fazer o máximo para proteger o usuário, neste mundo cada vez mais digital, com pagamentos digitais e mais exposição digital. Temos esforço grande para proteger o usuário, seja em segurança física, digital ou privacidade. Lançamos em alguns países, por exemplo, os Emergence Location Services (ELS), que é a possibilidade de integrar uma notificação do a Android com órgãos públicos. Então, se você estiver em uma região remota e sofre um acidente, você consegue informar as autoridades através de mensageria do Android.

Mas para isso funcionar precisa ter rede móvel no local?

Sim, mas pode ser simplesmente o envio de um SMS.

Isso foi lançado aonde? No Brasil?

No Brasil ainda não, mas estamos conversando com as autoridades brasileiras. Lançamos no México, Colômbia, Argentina, Uruguai e Paraguai.

E qual órgão é acionado? Polícia? Bombeiros?

Depende de cada país. Nosso papel é disponibilizar a tecnologia.

Quais são as outras iniciativas em segurança?

Estamos mantendo discussões sobre cell broadcast para eventos importantes como terremoto etc. Trata-se de mandar uma notificação para os usuários a nível nacional. Isso já foi lançado no México, Chile, Peru, Equador e Bahamas. E no Brasil temos uma conversa com a Anatel sobre isso.

Alguma outra prioridade este ano?

Vemos um movimento de migração das pessoas para o segundo, terceiro, quarto smartphone. As pessoas estão indo para devices melhores. Então, outra missão nossa é ajudar os clientes nessa jornada de comprar devices melhores e usufruir de forma mais eficiente e inteligente deles. Essa é uma outra oportunidade e foco nosso na região.

Nessa migração para o terceiro ou quarto smartphone, o que o consumidor latino-americano procura? É mais memória? Mais performance?

Uma das coisas mais importantes hoje em dia é a câmera, por causa das redes sociais e toda essa qualidade de tratamento de imagem etc. Mas buscam também novas features, um telefone que traga inovações, como Google Fotos com galeria mais inteligente, NFC para pagamentos, enfim, tecnologias que antes eram premium e agora as pessoas entendem o valor e buscam acesso a elas. Não sei se é a melhor maneira de dizer, mas as pessoas estão ficando “mais sofisticadas” no uso de tecnologia.

E como vocês ajudam nesse processo?

A gente ajuda com comunicação, treinamento, facilitando o uso do produto, deixando ele mais amigável, seja no setup wizard, ou dentro do app com linguagem fácil, que o cliente entenda. A gente se preocupa muito com comunicação e a usabilidade dessas tecnologias para essa base.

Qual está sendo o impacto da IA generativa nos smartphones e nos apps Android este ano? 

O Google se tornou IA first desde 2016. Fizemos investimentos em empresas de IA. Tornamos nossos serviços mais eficientes com IA. O Google Fotos tem features de IA há bastante tempo. O Google Translate também. Mas realmente isso acelerou nos últimos tempos e temos conseguido fazer de forma mais inovadora e mais responsável. É uma preocupação bastante válida no contexto de IA, para que não se torne uma ferramenta poderosa pro mal, mas sim pro bem.

No Android nosso principal objetivo é colocar toda essa inovação, esse ganho de produtividade, essa criatividade da IA nas mãos de todos os usuários. O Android vai ser, dentre outras, uma das ferramentas para democratizar o acesso a IA. Acreditamos que a chegada do Gemini Nano nos aparelhos Android vai fazer a democratização dessa ferramenta. Lançamos também o “circle to search”, ou “circule para pesquisar” no S24 e agora em outros devices da Samsung e da linha Pixel. Acreditamos que temos uma responsabilidade grande para que todos tenham acesso a IA de forma responsável.

Existe espaço para surgimento de um superapp na América Latina, como aconteceu em mercados asiáticos – WeChat na China, Kakao na Coreia, Line no Japão? Por quê? O principal candidato seria o WhatsApp?

Tem espaço e tem gente tentando, mas não necessariamente do mesmo ponto de partida que aconteceu na Ásia. Do nosso ponto de vista de Android, acreditamos que botamos à disposição dos mercados todas as ferramentas para que isso possa acontecer, como APIs inovadoras, a distribuição do Android… Não sei dizer se isso vai acontecer, mas a região tem um potencial, um tamanho de base bastante interessante.

Qual a sua avaliação sobre a popularização do RCS na América Latina? Quais as expectativas para este ano?

RCS é um grande investimento do Google na região. Temos um ecossistema bem estabelecido, com participação de todos os agentes importantes, entre fabricantes, operadoras e integradores. Vemos crescimento relevante e melhoria na integração entre todos os agentes. Estamos felizes com o anúncio de outras empresas entrando no RCS. É importante a chegada da Apple para que o RCS se torne para todos.

Qual será o papel do RCS em mensageria na América Latina. No P2P acho difícil porque WhatsApp está consolidado. Mas RCS pode ser um canal bom para mensagens de marketing. O que acha?

Em um primeiro momento, o caso de uso mais claro é do RBM, ou seja, da mensageria de negócios. O P2P ainda tem essa limitação de integração com Apple, que será resolvida em breve.

O modelo de negócios do RCS já está resolvido?

O modelo de negócios parte das operadoras. Nós participamos da conversa, mas quem define a precificação é a operadora. Mas buscamos incentivar para que os ecossistemas encontrem processos, regras…

Uns anos atrás, quando testei RCS pela primeira vez, precisei mudar uma configuração no meu telefone. Hoje todos os modelos Android novos já saem de fábrica habilitados para RCS?

A princípio os telefones saem de fábrica já preparados. No caso da Samsung saem integrados e na Motorola já vêm com Android Messages.

Qual a base de de usuários de RCS?

Temos 1 bilhão de MAUs no mundo de RCS, dado de novembro do ano passado.

A América Latina vive um momento de crescimento do chamado mercado cinza, de smartphones importados ilegalmente. A Abinee entende que isso põe em risco a produção local, ameaçando até o fechamento de fábricas. O Google tem uma posição sobre essa questão?

É uma questão importante, que precisa ser tratada com seriedade pelas autoridades responsáveis. Temos duas preocupações: 1) se usuário está recebendo devices certificados, se passou por todas as certificações e aprovações nossas; 2) que exista uma indústria saudável no País. A gente acompanha esse assunto, sabemos que ele existe, mas nossa atuação é limitada ao nosso papel, de garantir que devices sejam seguros, que tenham o Google Play Protect etc. Mas não conseguimos atuar além disso.

Quais marcas locais de smartphones temos na América Latina, além das brasileiras Positivo e Multilaser?

Tem a Bmobile, no Panamá; a Azumi, no Chile; e a Lanix, no México.

O Stir/Shaken está nascendo com tantas restrições que o mercado começa a duvidar que ele dará certo. Qual é a sua avaliação?

É uma tecnologia nova. E, como toda tecnologia que depende de muitos  integrantes do ecossistema, ela requer persistência e paciência. Acho que vai entregar um serviço fundamental para o usuário. Ela entrega valor e, quanto mais alinhada, melhor. Mas não é simples alinhar, até porque estamos falando de empresas globais, como Samsung, Motorola e Google. Não olhamos para Stir/Shaken somente no Brasil, mas mundo inteiro. E cada país tem seus detalhes. Vamos continuar evoluindo e vamos precisar achar qual o nosso papel dentro desse contexto global. Estamos suportando Stir/Shaken, mas é uma combinação de contexto global, fazer de forma escalável e tecnologia nova, cuja distribuição e ativação tem alguns passos, porque não foi distribuída antes, e tem uma questão de melhoria contínua. Então, diria que sim (pode dar certo), porque é válida, é útil, mas não será de um dia pro outro.

Crédito da foto: Lu Aith/Divulgação