| Publicada originalmente no Teletime | A visão da Anatel sobre conectividade significativa parte da premissa de que, se há 90% dos domicílios com acesso à Internet, agora é preciso focar em implantar políticas públicas para garantir que essa conexão seja de qualidade. Em conversa com jornalistas durante o Encontro Abrint 2023 nesta quinta-feira, 25, em São Paulo, o conselheiro Artur Coimbra afirmou que a agência está buscando estabelecer métricas para poder colocar esse conceito em prática.

“Neste momento estamos interagindo com outras organizações, como o Cetic.br, para construir os indicadores adequados para que a gente consiga identificar quais são os elementos fundamentais a serem monitorados para uma conectividade significativa”, destacou Coimbra. “É neste sentido que estamos trabalhando. A partir do momento que houver uma meta de política pública, vamos trabalhar para perseguir essa meta com todos os instrumentos.” Questionado se haveria algum prazo para a conclusão desses estudos, o conselheiro disse que ainda não há uma data para isso.

Em participação no painel do evento sobre conectividade significativa, Coimbra destacou que os problemas de infraestrutura e mesmo do custo da banda larga no País “ainda existem, mas é residual e tem se tornado cada vez menos relevante por iniciativas de políticas públicas e de mercado também”. E, por isso, considera que a Anatel deva passar a olhar mais o lado da qualidade do acesso e nas habilidades digitais, incluindo a percepção da importância de se conectar. “Um fator que fez aumentar drasticamente o interesse [dos desconectados] foi o auxílio emergencial na pandemia, porque exigia fazer o pedido pelo app. Muitas pessoas que não tinham acesso passaram a usar, e muitas permanecem usando, porque se quebrou essa barreira.”

Do jeito que está

Para o conselheiro, não há conflito entre essa visão de conectividade significativa e a utilização de dados gratuitos, ou zero rating. Tanto que afirmou que isso se trata mais de uma política comercial das empresas e que a Anatel não pretende revisar. “Em princípio, a gente entende que esse mecanismo não ofende nenhuma norma regulatória e não desestimula o acesso à Internet.” Ele enxerga que, assim como a telefonia fixa não se encaixa no conceito, não é necessário “desmontar outro serviço ou instrumentos comerciais” para dar lugar à política da conectividade significativa. Vale lembrar que pesquisa do próprio Cetic.br divulgada em março indicou que o zero rating afeta a forma de uso de crianças e adolescentes.

Controvérsia

Durante o painel, a advogada Nathalia Foditsch se manifestou sobre o tema. Uma das responsáveis por trazer o conceito de conectividade significativa no Brasil (com a equipe que atualmente está na Global Digital Inclusion Partnership – GDIP), noticiado primeiro pelo Teletime ainda em 2020, ela declarou que ainda há gargalos a serem superados. “Concordo que estamos em vantagem em relação à maioria dos países, mas ainda falta infraestrutura – principalmente para áreas menos abastadas e mais remotas”, destacou. Ela reconheceu o trabalho dos provedores regionais no “desbravamento” dessas regiões, e sugeriu que eles podem ter um papel relevante para levar a conectividade significativa também. “Tinha que fazer uma espécie de Projeto Rondon de educação e levar habilidades digitais. Vocês podem ser grandes atores-chave nisso.”

Sandro Mendonça, professor ISCTE Business School e conselheiro Ceatel (e ex-conselheiro da agência portuguesa Anacom), ressaltou que é necessário observar também a camada de “competências complexas”, que são as de que os usuários possam fazer uso participativo. “Tem que ser produtivo e criativo, não pode ser só passivo e consumista, temos que ultrapassar essa lógica.”

Para Paula Bernardi, representante da Internet Society Brasil, uma saída é por meio de redes comunitárias. Ela concorda com Fodistch ao mencionar que os provedores regionais têm “papel crucial” nesse tipo de política. “No letramento digital, a aproximação da sociedade civil e de pessoas ligadas a redes comunitárias é importante para a transferência de conhecimento.”