Neste mês de outubro, dois dos mais populares aplicativos do mundo lançaram versões leves, destinadas a mercados com redes móveis precárias: Facebook Messenger Lite e Shazam Lite. Eles foram disponibilizados na Google Play para uma lista restrita de países, onde há forte popularização de tecnologias móveis apesar da má qualidade das redes e de um parque de aparelhos Android de gama baixa. Foram escolhidos inicialmente 11 mercados (cinco terão o Messenger Lite e seis, o Shazam Lite). A maioria são países da África e da Ásia: Quênia, Tunísia, Malásia, Sri Lanka, no caso do Messenger Lite, e Índia, Indonésia, Vietnã, Filipinas e Nigéria, para o Shazam Lite. Em comum entre as duas listas apenas um país, justamente o único latino-americano: a Venezuela.

Este noticiário foi atrás de números recentes do mercado venezuelano para entender a sua inclusão nessas listas. Analisando-se os dados, percebe-se que o país se transformou em uma espécie de Terra do Nunca da telefonia móvel: está há cinco anos estagnado, sem crescer. Desde 2011, sua base de linhas móveis em serviço mantém-se em aproximadamente 30 milhões, de acordo com dados da Conatel, órgão regulador local. Nesse período, a penetração de linhas sobre a população varia entre 95% e 100%. A média da Amérca Latina é de 120%.

O país sul-americano também está na infância da adoção de smartphones. Segundo a Conatel, em 2015 havia 13,3 milhões de celulares inteligentes no País, o equivalente a 45,7% das linhas móveis em serviço. O problema é que a definição usada pelo órgão abrange aparelhos com sistemas operacionais proprietários antigos, os chamados "webphones". Em seu parque de smartphones, 20,9% são aparelhos de "outros sistemas operacionais", o que pode incluir antigos terminais Symbian e webphones com plataformas proprietárias. E 19,9% são BlackBerry, provavelmente a maior base em termos proporcionais da empresa canadense na América do Sul. O Android lidera, respondendo por 53,7% do total, uma participação pequena se comparada a outros mercados da região, como o Brasil, onde o Android tem mais de 80% da base de smartphones. Na Venezuela, o iOS tem 4% de participação na base de smartphones e o Windows, 1,6%.

O rígido controle do câmbio e das importações dificulta a entrada de smartphones. "Há uma demanda de 10 a 12 milhões de unidades por ano, mas só chegam 5 milhões", dz José Otero, diretor para a América Latina da associação 5G Americas. As restrições às importações acabam estimulando o mercado cinza, de aparelhos contrabandeados, piratas ou roubados. E os feature phones ainda aparecem na primeira página do website das três operadoras venezuelanas: Digitel, Movistar e a estatal Movilnet.

O país conta com redes de quarta geração (4G), mas apenas 2,2% da base de celulares da Venezuela são habilitados para rodar com essa tecnologia. E ainda há uma parcela significativa (22,5%) usando a tecnologia CDMA, que foi abandonada nos últimos anos por operadoras ao redor do mundo, dentre as quais a brasileira Vivo, que optou pelo GSM e sua linha evolutiva. "A situaçao da Venezuela é muito ruim. É o mercado mais atrasado em redes móveis na América Latina, junto com Cuba", acrescenta Otero.

A política cambial afeta também a oferta de serviços internacionais. Algumas operadoras, como a Movistar, suspenderam serviços como roaming internacional e chamadas de longa distância internacional para certos países pela dificuldade de cumprir os contratos de pagamento de interconexão com as operadoras estrangeiras.

Otero destaca que o cenário atual contrasta com aquele de oito anos atrás, quando o mercado venezuelano era reconhecido pela rápida adoção de novas tecnologias móveis, quando era aquele com menor tempo médio de troca de aparelhos na América Latina e seus consumidores estavam dispostos a pagar um preço médio até 60% maior por um smartphone que os consumidores brasileiros ou mexicanos. À época, alguns fabricantes faziam questão de lançar modelos primeiramente na Venezuela, antes de qualquer outro mercado da região. Foi o caso do Nokia 5800, por exemplo.

Análise

A situação da Venezuela está diretamente relacionada à crise política e econômica vivida pelo país nos últimos anos. A falta de produtos de primeira necessidade, como comida e medicamentos, neste momento, torna menos relevante esse atraso tecnológico. O país precisa, antes de mais nada, superar essa crise, antes de pensar em voltar a desenvolver seu mercado interno de telefonia móvel. Enquanto isso não ocorre, iniciativas como as do Facebook e do Shazam de lançarem versões leves de seus apps ajudam os venezuelanos a utilizarem esses serviços mesmo em redes de baixa velocidade ou em aparelhos Android de gama baixa.