Depois de três anos de discussão, o Projeto de Lei 2630/2020, ou PL das Fake News, se apresenta como um texto novo e com uma abordagem diferente sobre o tema. Dos 63 artigos, 28 foram alterados, ou seja, 44% do texto sofreu alterações. É o que diz Christian Perrone, head de direito e govtech do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).

Entre os motivos das alterações estão três questões, em sua opinião:

– uma busca inspiracional nas regulações recentes de Reino Unido e União Europeia, que acabaram influenciando os debates no Brasil;

– a renovação no Governo Federal e no Congresso Nacional, que gerou novas fontes de buscas e visões diferentes;

– e os eventos marcantes, como o 8 de janeiro e a escalada de violência nas escolas, que geraram uma perspectiva diferente.

“Na realidade, estamos numa nova fase do debate anterior, que nasceu em 2020. Expandimos os contextos do problema com questões de violência que antes eram pontuais e agora são elementos centrais do texto. E temos uma nova balança de atores, com influência do governo, do judiciário, participando direta e indiretamente da construção do texto e de um novo Congresso”, contextualiza Perrone.

“É uma visão nova de tratar a questão. Na abordagem, temos alguns avanços positivos, como o conceito de cuidado sistêmico. Por outro lado, temos dificuldades porque como muitas das propostas são novas, não foram debatidas ou testadas no Brasil”, acrescenta.

Para o pesquisador, a aprovação da urgência de votação do PL vai concentrar o debate ainda mais. “E isso torna difícil para que a sociedade discuta o texto e suas repercussões”

Para Perrone, o PL quis contemplar assuntos demais e que mereceriam projetos de leis à parte.

Perrone acha que, no fim, o PL será uma nova regulação que vai repactuar as regras da Internet, tal como o Marco Civil da Internet. Ele acredita que o PL deveria ser segmentado, contemplando diferentes aspectos em projetos diferentes. “O Projeto de Lei está reformulando as discussões que estamos debatendo desde 2007. A Europa está fazendo 22 normas diferentes, distintas, como o Ato de Mercado Digital (DMA), o Ato de Serviço Digital (DSA), a regulação sobre inteligência artificial. Nós queremos fazer tudo em um único texto. Talvez fizesse mais sentido que o PL fosse fatiado e que a gente discutisse de forma mais paulatina sobre cada um dos temas”, sugere.

“No PL 2630 discute-se LGPD, IA, de forma direta ou indireta, remuneração a jornalistas e direitos autorais. Esses assuntos podiam ser temas de PLs diferentes. Estamos tratando de um tema mais amplo – direito internacional privado – sobre o Telegram, por exemplo. Tem a discussão de acesso a dados e que também poderia ser um tema separado. Assim como alfabetização e literacia, na Internet. Faz sentido discutir tudo isso, mas talvez pudesse ser dentro de uma outra norma ou política pública”, opina.

O PL define uma série de serviços/tecnologias – como ferramentas de busca, redes sociais etc – e, segundo Perrone, em algumas partes, o texto fica datado. O artigo 41, por exemplo, sobre os deveres dos serviços de mensageria instantânea fala: “Os provedores de serviços de mensageria instantânea (devem) manter a privacidade, projetar suas plataformas para limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias”.

“É uma lei em que algumas partes são datadas, como o artigo 41. Ou no trecho ‘deve limitar o número de encaminhamentos’, quando trata de aplicativos de mensageria. Isso vale para hoje, mas e daqui a cinco anos? Os serviços não serão os mesmos”, aposta.

O mesmo vale para o metaverso. Ainda que o metaverso funcione como uma rede social, neste ambiente é possível realizar uma série de atividades que vão além. “Talvez não caiba essa definição e talvez tenhamos aí um desafio maior: como vamos moderar os gestos no metaverso?”, questiona Perrone. “Se tivéssemos mais tempo para debater, talvez pudéssemos ser mais agnósticos com relação às definições que aparecem no PL”, acredita.

Para Perrone, o mesmo acontece com a IA generativa, que nem foi endereçada no PL, o que talvez não seja de todo ruim, já que o texto abarca uma série de assuntos e que ele próprio acredita que deveria ser segmentado em diferentes projetos de lei.