[Matéria atualizada em 26/08, às 17h28, para inserir repercussão da fala de Trump] Em reunião com ministros, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, comentou sobre a ameaça de Trump em taxar países que tenham legislações ou tarifas voltadas para serviços e mercados digitais. Lula deixou claro que as big techs podem ser patrimônio dos EUA, mas não são do Brasil. E reforçou a fala sobre a soberania nacional.
“O governo dos Estados Unidos tem agido como se fosse o imperador do planeta terra. É uma coisa descabida. Se a gente gostasse de imperador a gente não tinha acabado com o Império, o Brasil ainda seria monarquia. A gente não quer mais. A gente quer esse país democrático e soberano, republicano, que é o que a gente aprendeu a construir”, afirmou.
“As big techs são patrimônio americano que ele [Trump] não aceita que ninguém mexa. Isso pode ser verdade para ele. Pode ser patrimônio americano, mas não é nosso patrimônio. Somos um país soberano, temos uma constituição, temos uma legislação e quem quiser entrar nesses 8,5 milhões de quilômetros quadrados, no nosso espaço aéreo, no nosso espaço marítimo, nas nossas florestas, têm que prestar contas para a nossa Constituição e para a nossa legislação. É assim que tem que ser para que a gente possa construir e fortalecer esse mundo democrático, multilateralista que o Brasil faz questão de defender”, afirmou.
Vale lembrar que o Brasil estuda regulação de plataformas digitais – não somente com o PL que pretende proteger crianças e adolescentes no ambiente digital (ECA digital), mas o Planalto deve mandar a qualquer momento dois projetos sobre o tema – e também avança com o Marco Legal de IA.
Lula reforçou que os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Geraldo Alckmin (vice-presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) estão “24 horas por dia à disposição para negociar com quem quer que seja, o assunto que for, sobretudo na questão comercial”, disse. “Estamos dispostos a sentar na mesa em igualdade de condições. O que não estamos dispostos é sermos tratados como se fôssemos subalternos. Isso nós não aceitamos. De ninguém. É importante saber que o nosso compromisso é com o povo brasileiro”, complementou.
Trump e as big techs

Donald Trump assina os decretos na segunda-feira, 20. Crédito: Casa Branca/divulgação
Em post recente em sua rede social, Truth Social (Android, iOS), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou impor tarifas adicionais sobre as exportações aos EUA os países que possuem regulações para mercados e serviços digitais ou impostos sobre plataformas digitais. Afirmou também que vai restringir exportações sobre tecnologias estadunidenses, como chips.
Trump acusa esses países – como Brasil e países da União Europeia – de dar “passe livre às maiores empresas de tecnologia da China” e prejudicar ou discriminar a tecnologia norte-americana com essas legislações.
O presidente dos EUA exige o fim das normas e tarifas voltadas às plataformas digitais do seu país para não impor a taxação extra.
Confira a tradução livre do post:
“Como Presidente dos Estados Unidos, enfrentarei os países que atacam nossas incríveis empresas de tecnologia americanas. Impostos digitais, legislações de serviços digitais e regulações de mercados digitais são todos criados para prejudicar ou discriminar a tecnologia americana. Eles também, de forma ultrajante, dão passe livre às maiores empresas de tecnologia da China. Isso precisa acabar, e acabar AGORA! Com esta VERDADE, coloco todos os países com impostos digitais, legislações, regras ou regulações em alerta de que, a menos que essas ações discriminatórias sejam removidas, eu, como Presidente dos Estados Unidos, imporei tarifas adicionais substanciais sobre as exportações desse país para os EUA e instituirei restrições de exportação sobre nossa tecnologia e chips altamente protegidos. A América e as empresas de tecnologia americanas não são mais o “cofrinho” nem o “capacho” do mundo. Mostrem respeito à América e às nossas incríveis empresas de tecnologia ou considerem as consequências! Obrigado pela atenção a este assunto.”
DONALD J. TRUMP, PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Comunidade Europeia
A União Europeia reafirmou seu compromisso com o avanço das legislações digitais do bloco de países apesar das ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retaliar com tarifas aqueles que possuam regulações no campo de serviços e mercados digitais ou que tenham taxas (network fee/fair share) aplicadas às big techs.
“Penso que é útil recordar o que afirmamos várias vezes, que é um direito soberano da UE e dos seus Estados-membros regulamentar as atividades econômicas no nosso território que sejam compatíveis com os nossos valores democráticos”, declarou Paula Pinho, porta-voz da Comunidade Europeia, durante coletiva de imprensa diária da instituição, em Bruxelas.
Pinho lembrou que o acordo entre o bloco e os Estados Unidos não incluía nada sobre plataformas digitais.
Vale lembrar que a ameaça de Trump chega dias depois que Bruxelas e Washington detalharam o acordo comercial firmado na Escócia, no fim de julho, no qual a UE aceitou tarifas de 15% sobre a maior parte de seus produtos.
Alexandra Geese, membro do parlamento europeu, publicou em seu Linkedin que Trump não busca um acordo comercial, mas uma mudança no regime Europeu – eliminando os partidos democratas e aumentando o poder da extrema-direita com a ajuda das redes sociais.
“Sua mensagem [de Trump] é clara: aqueles que não reconhecem o domínio global das empresas de tecnologia dos EUA serão considerados inimigos do governo dos EUA e tratados como tal. Para evitar se tornar uma colônia dos EUA, a Europa deve estabelecer alianças estratégicas com Canadá, Brasil, Índia, Taiwan, Coréia do Sul e outros países que compartilham as mesmas preocupações em relação a essa forma de chantagem. A Europa também deve construir urgentemente sua própria infraestrutura digital.”
Pinho sugere algumas medidas que a União Europeia poderia fazer. Entre elas, estão:
– Ativar o instrumento anticoerção;
– Publicar os resultados das investigações contra o X e o TikTok;
– Investigar os algoritmos que impulsionam a desinformação;
– Apoiar as empresas digitais europeias como os EUA fazem com o fundo soberano.
No Brasil
O ministro do STF, Gilmar Mendes, também se pronunciou sobre a ameaça de Trump. Em post no X, o ministro afirmou que a soberania digital deve ser “prioridade estratégica imediata para o Brasil.”
Mendes lembrou que o país possui “dependência crítica de infraestrutura digital controlada por empresas estrangeiras” e que o Brasil gastou R$ 23 bilhões entre 2014 e 2025 em contratos públicos com licenças de software, soluções em nuvem e aplicações de segurança.
“A concentração desses serviços nas mãos de quatro Big Techs configura uma dependência tecnológica que transcende questões econômicas, criando riscos à segurança nacional através da exposição de dados estratégicos a jurisdições estrangeiras e algoritmos opacos. A infraestrutura de interconexão das quatro maiores corporações de tecnologia do mundo é quase totalmente concentrada no Norte Global, forçando dados do Sul Global a transitarem necessariamente pelos EUA”, comentou o ministro citando artigos. Mendes também reforçou a janela de oportunidade que o Brasil possui com “capacidades tecnológicas endógenas e matriz energética renovável.”
Foto principal: Lula durante reunião com ministros no planalto. Crédito: reprodução de vídeo