A Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira, 28, uma audiência pública sobre o Projeto de Lei (PL) 469/2024, que visa proibir as operadoras de instituírem cobrança direcionada às big techs pelo tráfego gerado pelas maiores plataformas digitais – o que envolveria eventual taxa de rede ou um conceito de “fair share” (ou network fee). Diferente da tentativa de debate anterior sobre o tema, realizada pela Comissão de Comunicação no ano passado, esta nova sessão incorporou maior participação de parlamentares.

Enquanto na primeira audiência o lado contra o PL era ocupado, basicamente, pelas grandes teles  –  representadas pela Conexis e a GSMA –, o lado favorável contava com provedores de internet e plataformas digitais associadas à Aliança pela Internet Aberta (AIA)  –  liderada pelo ex-parlamentar Alexandre Molon  –, o debate realizado nesta quarta incorporou a fala do também ex-deputado Paulo Henrique Lustosa, defendendo um meio termo.

“Não consigo enxergar um caminho para isso nem proibindo de cobrar, nem obrigando a cobrar. Nem um caminho, nem outro. Porque nós estamos discutindo sobre um ambiente absolutamente inovador, um ambiente que a gente não consegue enxergar com certeza sobre o que nós vamos falar daqui a três anos”, afirmou Lustosa, inserido na audiência a partir de um requerimento do deputado Vitor Lippi (PSDB-SP).

A exposição de Lustosa reconheceu que há investimentos em infraestrutura tanto por parte das teles (R$ 35 bilhões a R$ 40 bilhões por ano, segundo as entidades), quanto por parte das plataformas digitais (as big techs, no caso, instalando CDNs e cabos submarinos). 

“A ideia é olhar para o desafio que nós temos pela frente, e dizer como é a gente consegue incentivar, [ou] promover, um arranjo em que – dentro dos limites fixados por essa Casa, que respeitem todos os princípios que estão consignados no Marco Civil da Internet –, a gente consiga juntar todos esses atores do ecossistema para encaminhar uma solução”, afirmou Lustosa. 

Também em contraste com a audiência anterior, em que o único parlamentar interagindo era o próprio presidente da comissão, Silas Câmara (Republicanos-AM), o relator da matéria, Fausto Pinato (PP-SP) acompanhou a discussão, mas disparando críticas às grandes operadoras quanto à cobertura dos serviços. 

“Se houver uma saída, tranquilo. Questão de acordo, eu acho que sempre há construção. Tem que se achar um meio-termo, a vida é assim. Agora, se não achar, jogar para a Anatel ditar a regra, isso nós não vamos fazer”, disse Pinato.

A CCT ainda deve realizar mais um debate antes de deliberar sobre o PL do fair share. 

Debate na Anatel

A Anatel não possui normativo sobre fair share ou taxa de rede. O tema acabou sendo sugerido pelas próprias operadoras no âmbito de Tomada de Subsídios no processo de construção do novo Regulamento de Deveres dos Usuários, que tinha como foco principalmente a conduta de empresas de telemarketing como geradoras de chamadas indesejadas e uso eventualmente inadequado dos recursos de numeração.

A partir da demanda endereçada à agência, a sugestão das teles de discutir se as grandes geradoras de tráfego na internet teriam algum dever para a sustentabilidade da rede, a Anatel elaborou uma Análise de Impacto Regulatório, concluída em janeiro deste ano. Essa análise já passou pela Procuradoria Federal Especializada da autarquia, mas ainda deve passar por avaliação do Conselho Diretor e submissão em Consulta Pública antes da conclusão.  

Fontes ouvidas pela reportagem relataram, no início deste ano, que o texto em análise estaria considerando a oportunidade de criar “um ambiente de relacionamento entre plataformas e operadoras”, mas sem, necessariamente, dispor de obrigações.

Dois lados

Do lado das operadoras, o argumento pela cobrança combina dois principais pontos. Um deles é o de que as redes estariam congestionadas pelo consumo massivo de dados no acesso às plataformas, o que demanda mais investimentos para garantir o acesso a outros serviços, e a cobrança pelo tráfego seria uma solução para garantir a sustentabilidade das redes.

O segundo ponto destacado pelas grandes teles é o volume bilionário de investimentos aplicados pelas prestadoras em compromissos relacionados à regulação brasileira, enquanto que as big techs não possuem regulação.

Já as plataformas, atualmente representadas pela entidade AIA  quando o assunto é fair share, junto a associações de pequenos provedores de conexão, enxergam o tema a partir de uma ótica que também combina alguns pontos. O principal é a análise de que eventual cobrança poderia violar a neutralidade de rede, que considera o acesso igualitário, independente do conteúdo, empresa ou usuário. Além de considerarem que a demanda vinda das plataformas é positiva para os negócios, e que há, sim, investimentos aplicados em infraestrutura por parte das empresas de tecnologia.

Baigorri no M260 Latam

O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse em conversa com Mobile Time e confirmou no evento M360 Latam, organizado pela GSMA,  nesta quarta-feira, 28, que o regulamento de deveres dos usuários de telecomunicações que está sendo elaborado pela Anatel não deve estabelecer uma taxa de rede a ser paga pelos grandes provedores de conteúdo em razão do tráfego excessivo de dados. Em vez disso, vai definir limites adequados de uso das redes e boas práticas que devem ser adotadas por quem ultrapassar tais limites.

 

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