[Matéria alterada em 30/07/25, às 20h36, para adicionar nota do STF, planalto e explicação mais detalhada da lei] O governo dos Estados Unidos aplicou a Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Em anúncio feito nesta quarta-feira, 30, o Escritório de Controle de Ativos do Departamento do Tesouro norte-americano (OFAC) acusa o magistrado de usar sua posição de forma arbitrária ao pedir prisões antes do julgamento e reduzir a liberdade de expressão.
Como resultado, o ministro tem os ativos financeiros e digitais congelados, o que inclui contas em bancos e cartões de crédito que fazem transações nos EUA (basicamente todos os grandes bancos e bandeiras), assim como contas em plataformas digitais, vide Google Play, App Store e redes sociais.
Para a aplicação da lei, o Tesouro dos Estados Unidos envia um comunicado à Suíça que, por sua vez, emite para todos os bancos do mundo a ordem de notificar se a pessoa listada na Lei Magnitsky utiliza a instituição de alguma maneira. Assim, a pessoa é proibida de utilizar qualquer instituição que utilize o SWIFT, sistema global que conecta as instituições financeiras e facilita a troca de informações e instruções de pagamento entre essas instituições em todo o mundo.
Assim, Moraes provavelmente terá que receber seu salário em espécie, caso a lei seja efetivamente aplicada. Comprar passagens aéreas também ficaria mais complicado.
Outra proibição é o uso de qualquer empresa cujos dados são tratados nos EUA são as plataformas digitais, que vão desde as redes sociais, mas também plataformas de transporte, como Uber.
Lei de sanções contra indivíduos dos EUA
Sancionada em junho de 2012 pelo então presidente Barack Obama, a lei norte-americana foi criada com o intuito de punir oficiais russos responsáveis pela morte do advogado Sergei Magnitsky que expôs um esquema de corrupção do governo russo.
Ou seja, a norma é aplicada a indivíduos que violam os direitos humanos e que fazem corrupção. Em teoria, o ministro do STF não poderia ser enquadrado no texto, uma vez que todas as decisões foram baseadas na Constituição Brasileira, referendada pelo colegiado da Corte Suprema e abalizadas por investigações da Polícia Federal.
O ministro do STF Flávio Dino saiu em defesa de seu colega. Em publicação feita no Instagram com a imagem da Constituição Brasileira, Dino disse que Moraes “está apenas fazendo o seu trabalho e que suas decisões são “julgadas e confirmadas” pelo colegiado competente.
Em nota, Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, acusa Moraes de fazer campanha opressiva e violar direitos humanos, inclusive do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nota do STF
O Supremo Tribunal Federal enviou uma nota sobre a aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Moraes. Nela, o STF explica que o julgamento sobre a tentativa de golpe segue os ritos legais e que a Justiça é independente dos outros poderes brasileiro. O tribunal manifestou solidariedade e disse que não se desviará de seu papel.
Segue a nota na íntegra:
Em razão das sanções aplicadas ao Ministro Alexandre de Moraes, um dos seus integrantes, o Supremo Tribunal Federal vem se pronunciar na forma abaixo:
1 . O julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional.
2. Encontra-se em curso, perante o Tribunal, ação penal em que o Procurador-Geral da República imputou a um conjunto de pessoas, inclusive a um ex-Presidente da República, uma série de crimes, entre eles, o de golpe de Estado.
3. No âmbito da investigação, foram encontrados indícios graves da prática dos referidos crimes, inclusive de um plano que previa o assassinato de autoridades públicas.
4. Todas as decisões tomadas pelo relator do processo foram confirmadas pelo Colegiado competente.
5. O Supremo Tribunal Federal não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo.
6. O Tribunal manifesta solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes.
Nota do planalto
Em nota, o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, também é solidário ao ministro do STF e deixou claro que a democracia brasileira e o respeito aos direitos humanos passam pela independência dos poderes do Poder Judiciário “e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia.”
Lula escreve ainda que a lei é para todos os cidadãos e empresas – uma referência à reclamação de Trump de que Moraes teria afetado empresas norte-americanas, mais precisamente as big techs que não tinham representante legal no país, algo obrigatório para todas as companhias que desejam trabalhar no mercado nacional.
Disse também que é “injustificável” usar argumentos políticos para validar o aumento de tarifas de importação de produtos brasileiros para 50%.
Leia a nota na íntegra:
Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as Nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa.
É inaceitável a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira.
O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses.
Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático. Justiça não se negocia.
No Brasil, a lei é para todos os cidadãos e todas as empresas. Qualquer atividade que afete a vida da população e da democracia brasileira está sujeita a normas. Não é diferente para as plataformas digitais.
A sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a democracia.
O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar as medidas comerciais anunciadas pelo governo norte-americano contra as exportações brasileiras. O Brasil tem acumulado nas últimas décadas um significativo déficit comercial em bens e serviços com os Estados Unidos. A motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países.
O Brasil segue disposto a negociar aspectos comerciais da relação com os Estados Unidos, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa do país previstos em sua legislação. Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais.
Já iniciamos a avaliação dos impactos das medidas e a elaboração das ações para apoiar e proteger os trabalhadores, as empresas e as famílias brasileiras.
Entenda
Bolsonaro é acusado ao lado de militares e outros membros de seu governo de cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; deterioração de patrimônio tombado. O julgamento ainda está em curso no STF.
Embora ainda não tenha sido preso, o ex-presidente foi enquadrado pela Procuradoria-Geral da República e por Moraes por atos que têm colaborado para escalar uma disputa comercial que mira aplicar 50% de taxa em produtos exportados do Brasil se Moraes não recuar no julgamento do 8 de janeiro. Ações do governo brasileiro contra as big techs também foram citadas na decisão de Trump.
Imagem principal: Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/STF