Ação pautada no plenário virtual do STF nesta semana analisa qual é o trâmite ideal para que autoridades policiais solicitem às teles os dados de geolocalização para fins de investigação. A votação seria concluída nesta terça-feira, 6, mas foi suspensa por pedido de vistas. Embora o tema já tenha passado pela Corte outras vezes, pode ganhar contornos diferentes a partir do voto sugerido pelo relator, Dias Toffoli.
O compartilhamento de dados dos usuários é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5059, na qual a Associação Nacional das Operadoras de Celulares (Acel) pede limitações na possibilidade de delegados de polícia solicitarem dados telemáticos diretamente às empresas com base na Lei n º 12.830/2013, que prevê “a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”.
Para a Acel, o texto “apresenta vícios materiais de constitucionalidade, na medida em que permite ao delegado de polícia, sem que haja qualquer autorização judicial que determine esta medida, requisitar quaisquer informações, documentos e dados pertinentes à investigação criminal, caracterizando nítido esvaziamento da proteção constitucional à privacidade e ao sigilo das comunicações”.
A prioridade da entidade é pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do trecho em questão. Mas caso o STF entenda que a regra é válida, pede ao menos a redução do alcance da prerrogativa dos delegados, sugerindo que seja excluída a possibilidade de quebra de sigilo “independentemente de prévia ponderação judicial” de dados como: localização de terminal, IMEI de cidadão em tempo real por meio de ERB; extrato de ERB, chamadas telefônicas e mensagens de texto.
Julgamento
O STF recebeu manifestações contra o pedido das teles por parte do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União. A defesa do Legislativo alegou que a proteção à privacidade prevista na Constituição “se aplica apenas ao fluxo de informações, não abrangendo outros dados”. Para a AGU, a lei em questão não possui o alcance suposto pela Acel, “visto que, além de não se referir à possibilidade de quebra do sigilo das comunicações telefônicas, não implica a divulgação das informações requisitadas”.
No mesmo sentido, a ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) entende que a prerrogativa dada pela lei se refere aos dados cadastrais, como nome, CPF e endereço, concedidos no momento de registro da linha junto à operadora.
Já a Procuradoria-Geral da República apontou a necessidade de regulamentação em lei sobre as exceções no compartilhamento de dados e entendeu que o pedido da associação poderia ser acolhido parcialmente, com o detalhamento de hipóteses em que é necessária ordem judicial para requisição.
A ação foi protocolada ainda em 2013. De lá pra cá, o STF se deparou com dilema semelhante em outras ações. E o saldo disso se reflete neste julgamento. A partir de ações protocoladas também pela Acel, o Supremo definiu no ano passado o que devem ser considerados os “dados cadastrais”, que são as informações que podem ser requisitadas por autoridades sem ordem judicial em algumas hipóteses, como crime de tráfico humano e lavagem de dinheiro.
Conforme os precedentes, “dados cadastrais são informações objetivas, fornecidas, não raro, pelo próprio usuário ou consumidor para registro da sua identificação nos bancos de dados de pessoas jurídicas públicas e privadas”.
Em complemento, o STF já concluiu também, atendendo pedido da Acel em outros processos, que os dados cadastrais não abrangem a “interceptação de voz ou telemática; os dados cadastrais de usuários de IP, os quais abarcam dados de usuário que em determinado dia, data, hora e fuso fizeram uso de um IP para acessar à internet; os serviços de agenda virtual ofertados por empresas de telefonia; o dado cadastral de e-mail e os extratos de conexão a partir de linha ou IP”.
Esse histórico é trazido pelo relator, Dias Toffoli, que propõe uma nova interpretação conforme a Constituição, consolidando o entendimento do STF e inserindo os dados de geolocalização no rol daqueles que não são considerados “dados cadastrais”, portanto, dependem de decisão judicial para compartilhamento. Contudo, abre exceção para os casos de apuração de crimes relacionados ao tráfico humano.
Divergências
Antes da apresentação dos votos de outros ministros, Cristiano Zanin pediu vistas, suspendendo a análise. Ele é o relator de uma ação protocolada pela Abrint (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações) no ano passado, que pede um reforço da exigência de decisão judicial para fornecimento de dados como o número IP, o que abrange não só prestadoras de telefonia, mas os fornecedores de banda larga. O caso ainda não foi analisado por ele.
A Abrint alega que em decorrência do STF já ter aberto exceções para requisição de dados cadastrais para alguns tipos de crime, “as autoridades criaram uma confusão ‘proposital’ acerca do conceito de dados cadastrais, e a solicitação de dados cadastrais, para não se sujeitarem ao pedido de ordem judicial”.
Ao opinar sobre o caso em novembro do ano passado, a AGU apoiou o pleito da Abrint, defendendo “o entendimento segundo o qual o acesso à identificação de usuário constante em registros de conexão e acesso a aplicações de internet se realize apenas mediante prévia autorização judicial”.
Além da ação da Abrint, está em aberto pelo STF análise de um recurso formulado pelo Google contra a quebra de sigilo do histórico de buscas. O tema também foi suspenso por pedido de vistas.
A ilustração no alto foi produzida por Mobile Time com IA