O avanço da inteligência artificial generativa está abrindo espaço para uma nova leva de empresas AI-native — aquelas cujo produto só existe porque a IA está no núcleo da proposta de valor. Este foi o tema de um dos painéis do Super Bots Experience 2025, realizado nesta sexta-feira, 22, em São Paulo. O encontro reuniu André Ghion, fundador da MaxmeAI, Davi Holanda, CEO e cofundador do Jota, Maximiliano Lima, partner e COO da Doutor-AI, e Vicente Camillo, CEO e cofundador da Resolva AI.

Juntos, eles detalharam como estão construindo negócios em torno de interfaces conversacionais, automação e agentes especializados, além de seus modelos de monetização e principais obstáculos. A MaxmeAI, por exemplo, nasceu com o conceito de criar clones digitais — agentes de IA de alto grau de automação e interação que replicam raciocínio, estilo de resposta e repertório de um especialista.

Ghion explicou existirem hoje três modelos: o clone, um agente com lógica de resposta sofisticada; o avatar, um fantoche visual de baixa interatividade; e o gêmeo digital, uma réplica da matéria no ambiente digital. “Eles são complementares e atendem a usos distintos”, afirmou, explicando que a MaxmeAI opera como uma ponte de contextualização para que companhias implementem IA de forma progressiva, a partir de sua estratégia de negócios. “Quando fui testar meu clone, conversar comigo mesmo causou estranhamento. Mas a interação mostrou como a tecnologia já capta nuances — até frustração — em diálogos reais”, disse Ghion.

Já o Jota se define como uma conversa financeira que vive dentro do WhatsApp. A solução permite integrar saldos bancários, realizar Pix e pagar boletos por voz ou mensagem, além de executar tarefas de secretariado e apoio administrativo financeiro. “Nosso maior desafio é mudar o comportamento do usuário”, contou Davi Holanda. “Os clientes já estão no WhatsApp e precisam ser encorajados a perguntar qualquer coisa ao Jota, que é um contato. A interação é contínua”, explicou.

Holanda contou que a empresa estrutura o produto por capacidades (entender contexto, conversar e agir) e não por funcionalidades isoladas. No horizonte, o Jota mira um papel de marketplace financeiro: “Queremos ser o ‘Decolar’ dos bancos, indicando as melhores transações para, por exemplo, cobrir um saldo negativo — sempre priorizando o interesse do cliente”, ressaltou.

A Doutor-AI construiu uma camada de agentes digitais que acompanha toda a jornada do paciente. Um copiloto do médico escuta, transcreve e sugere hipóteses diagnósticas, exames e prescrições; há robôs por especialidade e módulos para acompanhamento pós-consulta e pós-cirurgia. Os dados ficam estruturados, formando domínio de informação por unidade de saúde.

Segundo Lima, a plataforma combina eficiência clínica e gestão. “Ao reduzir em até 40% o tempo de consulta, liberamos capacidade e melhoramos a experiência. Também geramos indicadores que apoiam o controle epidemiológico e a supervisão da assistência”, afirmou. O foco de venda está em hospitais e clínicas.

Por seu lado, a Resolva AI nasce como um marketplace de CX (experiência do cliente) com três frentes: consumidor, empresas e Judiciário. De um lado, agentes ajudam pessoas e empresas em todos os pontos de contato; de outro, a companhia desenvolve uma jornada pré-judicial de conciliação. “É IA agêntica aplicada ao mundo do atendimento ao cliente para proporcionar uma experiência melhor e reduzir contencioso”, disse o CEO Vicente Camillo.

No início, a startup operou um agente de voz que ligava para fornecedores para registrar e resolver reclamações dos usuários. Com a evolução, a latência, que era de cerca de cinco segundos, caiu para menos de um segundo. “Quando adicionamos uma camada de contexto que entende a realidade da empresa, a solução melhora infinitamente”, resumiu.

AI-native: criando novos modelos de negócio

Com soluções baseadas em uma tecnologia ainda em evolução, cada uma das empresas vem trabalhando no desenvolvimento e amadurecimento de seus modelos de negócios e suas infraestruturas. Na Resolva AI, por exemplo, a monetização vem das empresas e, no futuro, de um fee por conciliação em projetos com o Judiciário, atrelado à redução de litígios.

Já a Doutor-AI combina modelos distintos. Nas jornadas totalmente digitais, a cobrança é por procedimento, enquanto no teleatendimento ela é realizada por tempo de consulta. “A eficiência obtida com a IA converge em performance e economia para os clientes, geralmente clínicas e hospitais”, comentou Lima.

No Jota o uso é gratuito ao usuário final, sustentado por dois pilares: o agente (tarefas de secretariado e apoio admin/financeiro) e o financeiro (transações). De todo modo, a empresa planeja avançar para crédito e outros serviços, operando como vitrine imparcial de ofertas.

Para a MaxmeAI os modelos variam conforme o caso: a interação com clones já em operação é gratuita, mas seu desenvolvimento e manutenção são cobrados da empresa solicitante. Ghion comentou que um clone especialista pode custar de R$ 20 mil a R$ 30 mil mensais.

Além do modelo de negócios, as empresas baseadas em IA também devem atenção especial às suas infraestruturas, cada uma com características próprias. A Doutor-AI, por exemplo, decompõe sua oferta em microatividades (prescrição, interpretação de exames etc.) e escolhe o modelo mais adequado para cada uma. “A acurácia é crítica, por isso, avaliamos continuamente os modelos”, disse Lima, lembrando que a empresa trabalha hoje com 18 modelos de IA.

O Jota avalia performance, acurácia e multimodalidade a cada decisão técnica. Para iniciantes, recomenda plataformas consolidadas; com maturidade, faz sentido migrar para open source e, em estágio avançado, operar infraestrutura própria com GPUs. “Mais importante do que a tecnologia é definir o conceito. Para performance, estamos acostumados com velocidade. Há atividades que podem usar modelos um pouco mais lentos, mas com mais acuracidade, garantindo assertividade”, disse Holanda.

A MaxmeAI relatou operar com mais de 20 modelos integrados, combinando serviços consagrados e menos conhecidos para compor a experiência do clone, enquanto a Resolva AI desenvolve um modelo proprietário com uma arquitetura em camadas (gestão de ciclo de vida, contexto, vetores), enquanto utiliza três modelos distintos para aplicações específicas durante a transição.

O controle de custos também exige governança para que o valor dos tokens não seja um impeditivo. A Resolva AI implementa camadas de cache para evitar chamadas repetitivas a LLMs e prioriza recuperação vetorial quando possível, acelerando respostas e reduzindo custos. A empresa implementou tags em todas as operações para medir custo por tarefa. A Doutor-AI define limitadores e alertas na plataforma para manter consultas dentro do orçamento definido com o cliente.

O Jota reportou uma redução de 80% a 90% nos gastos desde o início de sua operação, combinando evolução de modelos com otimizações internas. Para Holanda, a expectativa é de queda contínua à medida que a empresa internaliza mais componentes e diversifica fornecedores.

Na contramão da redução de custos, Ghion acredita que há um risco de concentração do mercado de APIs em poucos provedores, o que pode pressionar preços no futuro. Por isso, a estratégia da MaxmeAI, disse ele, é entregar alto valor por interação para diluir o impacto de eventuais aumentos.

O trabalho executado por estas empresas até aqui tem conquistado usuários, mesmo com o enfrentamento de resistências, dependendo do público. Quando ocorrem, elas têm origem no desconhecimento ou expectativas desalinhadas sobre o que IA pode fazer — o que exige projetos graduais e foco em contexto.

De todo modo, a percepção de Holanda, do Jota, é que consumidores (B2C) tendem a adotar rapidamente soluções conversacionais quando veem utilidade imediata. Lima, da Doutor-AI, contou que a classe médica começa com ceticismo, mas ganha confiança ao presenciar respostas assertivas e diagnósticos levantados pela IA que não haviam sido considerados. No Judiciário, segundo a Resolva AI, pilotos com conciliação pré-processual mostram tração e podem avançar para políticas públicas.

Foto: Painel sobre startups AI native. Crédito: Marcos Mesquita/Mobile Time

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!

E siga o canal do Mobile Time no WhatsApp!