Na segunda metade dos anos 2010, uma moda tomou conta do Facebook, que à época reinava entre as redes sociais. Fotos com versões idosas de jovens usuários, com cabelos em cores vibrantes, ou um glowup na imagem, rolavam aos montes no feed da rede d Mark Zuckeberg.
Em dezembro de 2016, surgiu nos Estados Unidos o Faceapp, um aplicativo que possibilita a edição de fotos e vídeos para transformar a aparência das pessoas drasticamente, como para envelhecer ou rejuvenescer, por exemplo. Desenvolvido para iOS e Android, a ferramenta foi criada pela FaceApp Technology Limited.
O FaceApp chegou à loja de aplicativos da Apple e Google em janeiro e fevereiro de 2017, respectivamente, com opções para manipular fotos usando filtros, lentes de blur, cenários e vinhetas, além de opções para mudanças de aparências.
Privacidade
Em 2019, o FaceApp foi alvo de críticas pela privacidade dos dados dos usuários. Algumas das críticas envolviam o armazenamento de fotos dos usuários no servidor da ferramenta.
Os termos de serviço do app permitiam o uso da aparência e fotos para fins comerciais. O fundador da empresa desenvolvedora, Yaroslav Goncharov, na época, declarou que os dados do usuário e imagens subidas no FaceApp não estavam sendo transferidos para a Rússia, mas eram processados em servidores geridos no Google Cloud e nos serviços web da Amazon.
De acordo com Goncharov, as fotos dos usuários só eram armazenadas nos servidores durante a edição das imagens e eram deletadas logo após a foto final ser encaminhada para upload.
No Brasil, o debate sobre o ambiente online fervilhava: em 2014 havia sido a sancionada a lei que estabeleceu o Marco Civil da Internet. Em 2017, a LGPD ainda não havia sido aprovada e as discussões em andamento acabaram deixando lacunas.
“Obviamente que, com uma base de dados de milhões de pessoas, a FaceApp Inc passa a deter um enorme banco de dados que renderá uma fortuna, quando for vendido a empresas que os usam para comercializar produtos na internet, o que é feito com modernas e agressivas técnicas de marketing digital”, comentou Renan Lopergolo, em um artigo de 2019.
Outras críticas
A possibilidade de mudar a aparência atraiu atenção da comunidade LGBTQIA+ pela possibilidade de transformar-se no gênero oposto.
“Para alguém que nunca questionou seu gênero, considerar uma imagem assim pode não ser tão interessante. Mas eu não sou uma dessas pessoas. Às vezes eu acho que eu fico com meu gênero designado pela mesma razão que eu fico com o metrô de Nova York: é familiar e, ainda que eu saiba que há outras opções, não tenho certeza quais são, como elas funcionam, aonde elas vão me levar ou se eu poderei pagar por elas”, escreveu Miz Cracker, drag queen de Rupaul’s Drag Race em sua coluna.
“Ao criar uma imagem totalmente atraente e feminina de mim, ainda que estereotípica, o FaceApp brincou com a relação complexa de gênero de uma forma inesperada. Ver uma versão mulher de mim é perturbadora, até comovente. Na verdade, eu não tenho completa certeza sobre o que eu senti e por que. Ao tentar descrever aquele momento, só pude concluir que eu sinto pela minha versão feminina o mesmo nó na garganta de quando vejo fotos de progressão de idade feitas de crianças desaparecidas que muito provavelmente nunca serão encontradas”, completou.
Foi disponibilizado a transformação “hot”, para tornar a pessoa mais atraente, em 2017, que supostamente clareava a pele de pessoas negras e afilava os traços, aproximando a características de pessoas brancas.
O filtro foi removido, após ser renomeado “spark”, e Goncharov se desculpou, colocando a culpa em “rede neurais” que seriam treinadas por viés/tendência e não seria um comportamento intencional do aplicativo. Em agosto de 2017, o FaceApp seria criticado novamente com filtros étnicos que permitiam mudar a cor da pele nas opções branco, negro, asiático e indiano.
O FaceApp ainda existe, mas seu surgimento nos primórdios dos debates de privacidade, coleta e uso de dados dos usuários demonstrou quão complexas eram as armadilhas do mundo digital, questões em que os países ainda tateiam.
Em 2020, o aplicativo apresentou uma nova política de privacidade em que seguia coletando a atividade dos usuários por meio de cookies e outras ferramentas do dispositivo, monitorando páginas e sites navegados, além do tempo gasto em cada uma delas. A empresa também estabelece que essas informações podem ser repassadas a parceiros e anunciantes do site. É coletado também o número de identidade do aparelho e o Advertising ID, uma identificação do perfil do consumidor.
Foto: Divulgação/FaceApp