Caso o projeto de lei que regulamenta a inteligência artificial no país (PL 2338/2023), seja aprovado tal como está, a perda econômica com a remuneração ampla de direitos autorais chegará a R$ 21,8 bilhões em 10 anos, o que equivale a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Os dados estimados são de um estudo realizado pelo Observatório de Direitos Autorais e Tecnologia em parceria com a Ecoa Consultoria Econômica.
A consultoria avalia em relatório que a proposta limita ganhos de produtividade de ferramentas de IA e impede que os próprios detentores de direitos autorais se beneficiem, o que “compromete parcela substancial do potencial econômico da IA”.
Pedro Henrique Ramos, diretor-executivo do centro estratégia e regulação Reglab e do Observatório de Direitos Autorais e Tecnologia, explicou à Comissão Especial do PL 2338, nesta terça-feira, 9, que licenciar cada obra em IA é inviável e que para resguardar os detentores de direito autoral é preciso focar no resultado da IA ao invés do treinamento.
“Vamos imaginar que treinar IA é como ensinar uma criança a ler. Se eu deixo essa criança ler só dois ou três livros, ela nunca vai aprender direito. É igual com a IA, a IA precisa de muitos dados para aprender. (…) Tem várias técnicas para fazer isso e uma das mais conhecidas é o TDM, ou mineração de dados. (…) Muitos países já têm exceções que permitem TDM de forma ampla, sem licença obra por obra, incluindo Estados Unidos, Japão, Canadá, União Europeia. Mesmo países do Brics, como a Índia, também já discutem essa flexibilização. O Brasil ainda não tem exceção nessa lei”, comentou ele, que destaca como insuficiente a previsão de exceção no artigo 63, uma vez que mais da metade dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento vem do setor privado.
No estudo, é destacado que um trecho do PL “estabelece diretrizes de uso do conteúdo protegido por direitos autorais em processos de mineração, treinamento ou desenvolvimento de sistemas de IA”.
“Diferente de discussões internacionais que debatem a aplicação de exceções mais amplas ao direito autoral para o treinamento de IAs, o projeto opta por um modelo mais restritivo, uma vez que, além de vedar a disseminação de conteúdos conexos à obra do autor (art.63), exige, de forma ampla, a autorização e remuneração pela utilização de obras protegidas”, detalha o relatório.
A única exceção a essa autorização é voltada para universidades e instituições sem fins empresariais. O levantamento avalia que, ainda que o texto busque conciliar a proteção autoral e inovação tecnológica, os requisitos trazem “desafios importantes”.
Ramos reforçou que o PL atual cria barreiras e não ajuda os criadores, pois exige licença obra a obra para treinar IA, o que é “tecnicamente impossível”. Ele argumentou, ainda, que analisar obras para o treino de IA não seria uma cópia ou reprodução da obra, somente seria uma análise de dados.
“O sistema de direitos autorais funciona muito bem quando a gente consegue medir quantas vezes uma música tocou na rádio, ou quantas vezes um filme foi exibido, mas no caso da IA essa conta simplesmente não pode ser feita. Se continuarmos nesse caminho, não vamos ajudar os detentores. As empresas vão fazer a conta: ou excluem os conteúdos brasileiros ou treinam seus modelos em data centers fora do país, onde as regras são mais simples. Esse é o cenário dos estudos econômicos”, pontuou.
Ramos propôs que novos artigos na lei protejam o que é gerado pela IA e que possa ser usado pelas pessoas. “É um caminho que garante o valor simbólico e cultural sem bloquear ferramentas que também ampliam acesso e criação.”
O relatório pontua que o uso de IA generativa tem o potencial de “elevar a produtividade do trabalho em magnitude significativa”. “As estimativas indicam ganhos acumulados de 3,2% do PIB ao longo de 10 anos, equivalentes a um crescimento adicional de 0,3% ao ano.”
“Os ganhos estimados são gerados por meio do aumento da produtividade do trabalho. Esses são ganhos sustentáveis e podem se estender para além da janela de dez anos proposta”, conclui o estudo.
Ramos defende também que empresas também sejam capazes de treinar dados, pois caso contrário se “perde a capacidade de criar soluções locais”. “Por exemplo, um hospital pode não ter uma IA treinada para identificar câncer de pele em brasileiros.”
Marco da IA
O relator do chamado Marco da IA, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), promete que o texto será aprovado até o fim do ano e que será modificado e, portanto, voltará ao Senado. O parlamentar quer inserir normas para data centers em seu parecer.
Na semana passada, Ribeiro destacou que com este marco regulatório o Brasil possa deixar de ser um mero consumidor de IA e se tornar “um fornecedor para o mundo de processamento de dados como um todo”.
“E que a gente também possa garantir os direitos fundamentais do nosso cidadão. Tudo aquilo que uma sociedade deseja ter com tranquilidade e segurança”, completou, destacando que espera que a legislação seja uma “referência para o mundo todo”.
Ilustração produzida por Mobile Time com IA