Durante audiência pública na Comissão de Cultura, Marcos Souza, secretário da área de direitos autorais do Ministério da Cultura, reafirmou o compromisso que o PL 2338/23, que regula a inteligência artificial no país, deve ter com a Constituição brasileira, que protege o direito autoral. Disse também que as empresas de IA que oferecem seus serviços no Brasil devem cumprir as leis brasileiras. Lembrou que o direito autoral está presente na Constituição de 1988, mas também está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no pacto de São José, da Costa Rica, e em três convenções internacionais das quais o Brasil é signatário: de Berna, Roma e Trips.

“Se alguém tem a ideia de que é possível, no Brasil, permitir o uso de conteúdo protegido por direitos de autor e direitos conexos pelas empresas de inteligência artificial, a primeira coisa é se mobilizar para convocar uma Assembleia Nacional Constituinte porque o direito autoral está no artigo quinto e o artigo quinto não muda nem por emenda constitucional. Só por uma nova assembleia constituinte”, resumiu.

“Como isso não está no universo de ninguém, não tem solução a não ser garantir os direitos de autor no PL”, concluiu.

Souza acha curioso que nenhuma das empresas de inteligência artificial pede ou faz lobby para receber outros insumos essenciais para sua existência de graça, como água, data centers, chips ou energia elétrica. Mas querem reduzir seus custos por meio do não pagamento para direito autoral, outro item fundamental para a inteligência artificial.

Direito autoral na Constituição de 1988

O representante do Ministério da Cultura citou a presença do direito de autor no artigo quinto da Constituição:

– “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”;

– “o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas”.

De acordo com Souza são, no mínimo, sete violações da lei de direito autoral que uma empresa de IA generativa comete:

Minerar é copiar: e se copiou violou a lei, porque não pediu autorização;

Tokenização: tokenizar é quebrar uma obra em vários pedaços, dando pesos diferentes a esses pedacinhos, e ao fazer isso, está copiando novamente.

Treinamento do algoritmo: trata-se de incorporação em uma base de dados. E isso é mais um direito o qual o autor deve ou não autorizar.

Travas tecnológicas: essas travas servem para proteger arquivos digitais para o direito autoral. As empresas de IA quando fazem raspagem violam a lei novamente por não respeitarem as travas tecnológicas.

Supressão de metadados que identificam os titulares daquela obra: essas são informações sobre gestão de direitos e, ao suprimi-las, viola-se novamente o direito de autor.

Derivar uma obra, ou seja, o resultado da obra sintética (output), também é um direito exclusivo do autor violado.

Direitos morais: o autor tem o direito de ser associado à sua criação. E o processo de mineração e treinamento dissocia o autor da sua criação. Ou seja, trata-se de mais uma violação.

Plágio: quando a IA usa uma obra para “se inspirar” e fazer algo parecido.

“Entre os dados, aqueles que as empresas mais valorizam são os conteúdos protegidos porque eles servem para o treinamento e efetivamente têm qualidade, o que faz com que os sistemas se aperfeiçoem no seu processo de treinamento”, disse

Pedidos da Cultura

Assim, o Ministério da Cultura pede que se trate o direito de remuneração como inalienável e irrenunciável para atender os titulares pessoas físicas e defende a gestão coletiva obrigatória.

O ministério propõe ao PL 2338 ainda a ampliação da transparência e que se faça uma proteção especial para imagem e voz, permitindo o licenciamento, com prazo limitado de três anos. E, caso use a réplica digital, que se faça uma nova remuneração.

Dubladores e Ecad

direito autoral

Fabio Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Dubladores – Dublagem Viva / DUBLAR. Crédito: reprodução de vídeo

Entre outros representantes, a Comissão também ouviu Fábio Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Dubladores – Dublagem Viva / DUBLAR, que pediu leis que valorizem a cultura brasileira.

“No contexto do trabalho, levantar a hipótese de não se respeitar os detentores de direitos autorais ou conexos no texto de uma lei é de uma violência absoluta. A classe artística, ao contrário do que se diz, não vive de Lei Rouanet, não vive de champagne e festival de cinema. A demonização da classe artística é o primeiro subterfúgio usado para parecer que ela só quer ficar mais e mais rica. A realidade é completamente diferente disso. A classe artística de forma geral é precarizada, pejotizada e hipossuficiente em suas relações de trabalho e práticas contratuais. Nós da Dublar e da Frente pela IA Responsável, entendemos que só com leis justas, respeito ao trabalho e aos direitos constitucionais teremos avanços no reconhecimento e valorização do que é genuinamente brasileiro”, afirmou.

direito autoral

Elizabeth Levey, gerente jurídica e de relações institucionais do Ecad. Crédito: reprodução de vídeo

Elizabeth Levey, gerente jurídica e de relações institucionais do Ecad, também defendeu a remuneração a titulares de obras. No último ano, a entidade distribuiu o direito autoral para mais de 316 mil titulares. “Esse é um número importante e impactante de titulares que são contemplados pelo uso de suas obras publicamente. Deixar que isso aconteça pela utilização da IA não só é uma concorrência desleal, mas vai acabar com a própria indústria criativa da música”, afirmou.

Levey contou também que já estão usando repertório protegido para gerar um conteúdo sintético com o intuito de não pagar os direitos autorais. Deu como exemplo um parque no Sul do Brasil que antes pagava o Ecad pelas músicas que tocavam no ambiente, mas, como trocaram para conteúdo sintético, resolveram deixar de pagar o Ecad.

De acordo com pesquisa da Cisac levada pela representante da entidade, os criadores humanos podem perder até 24% de suas receitas até 2028 devido à substituição por conteúdos gerados por IA

 

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