A edição do último domingo do jornal O Globo traz uma matéria de página inteira entrevistando pesquisadores sobre o futuro da direita brasileira após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dentre as diversas opiniões externadas ali, uma me chamou a atenção, da antropóloga Isabela Kalil, de que nas próximas eleições poderão surgir versões sintéticas de Bolsonaro, criadas com inteligência artificial, para mobilizar seus apoiadores e influenciar na corrida eleitoral.

influenciadores digitais sintéticos

Trecho da matéria de O Globo, em 23 de novembro de 2025

“O subtexto é: o Bolsonaro não disse isso, mas, se pudesse, diria. Por enquanto, a imagem dele está sumindo, mas isso não significa que não se possa fazer uma campanha, com uso de IA, fazendo aparecer um Bolsonaro sintético”, expressou Kalil à reportagem do Globo.

Material para isso não falta. Com a farta produção de vídeos de celebridades como o próprio Bolsonaro, é relativamente fácil, com as ferramentas atuais, recriar a pessoa em versão digital, “idêntica à natural”, como dizem as embalagens de biscoitos com sabores artificiais. É o mesmo rosto, a mesma voz, as mesmas expressões faciais, mas reconstruídas digitalmente e prontas para falar o que seu criador mandar.

A tecnologia permite, portanto, que um político preso, ou a sua versão digital, consiga participar das eleições como se livre estivesse, opinando sobre os episódios diários da política, gravando vídeos de apoio a seus aliados, discursando sobre o futuro do país, criticando seus adversários, e até espalhando fake news.

A recriação digital não vai se limitar a pessoas vivas. Ela com certeza será usada também com as mortas. Já vimos isso em comerciais de TV, como o da Volkswagen com a cantora Elis Regina. De certo a tecnologia será utilizada para expandir a vida e a influência de políticos carismáticos. A chance não é desprezível de Bolsonaro e de Lula serem recriados após a morte, para seguirem expressando “suas” opiniões.

E vale lembrar que não apenas a imagem, a voz e os trejeitos podem ser reproduzidos artificialmente, mas também as ideias, vide o conceito de “clones digitais”, em que o conhecimento de uma pessoa é reunido em um banco de dados e serve de base para a sua personalidade e para a construção do discurso da sua réplica digital.

Essas possibilidades despertam inúmeras questões de ordem jurídica e antropológica. Para começo de conversa, quem terá direito de uso da imagem de outras pessoas, especialmente aquelas já mortas? Seus herdeiros? Como a Justiça eleitoral, no caso de políticos, ou o Conar, no caso da publicidade, reagirão nessas situações? Quais serão as boas práticas para o uso dessa tecnologia? E como combater o mau uso?

Mas, por fim, e o que mais me interessa é saber como o público vai reagir diante de influenciadores digitais sintéticos. Será que, mesmo sabendo se tratar de uma versão sintética, o público vai se emocionar, se conectar, se deixar influenciar? Minha aposta é que, se somos capazes de nos emocionarmos diante de obras de ficção, até mesmo quando se trata de desenhos animados, ainda que saibamos que tudo ali é de mentirinha, podemos, sim, nos deixar influenciar por influenciadores digitais sintéticos, ainda mais se projetarem uma versão presente de um político carismático que amamos no passado e cuja imagem continua viva em nossa memória.

 

*********************************

Receba gratuitamente a newsletter do Mobile Time e fique bem informado sobre tecnologia móvel e negócios. Cadastre-se aqui!

E siga o canal do Mobile Time no WhatsApp!