Não quero dar spoiler, mas indico fortemente a série Succession para quem se interessa pela transição midiática na qual vivemos. A excelente série da HBO mostra, em 4 temporadas já finalizadas, o destino da Waystar Royco, um fictício conglomerado de mídia americano, controlado pela família Roy. 

O grupo empresarial, de retumbante sucesso na sociedade do espetáculo nos EUA e no mundo (“presente em 50 países e 4 continentes”), se perde completamente no processo de sucessão – tanto no âmbito familiar, quanto nas mudanças dos meios, da cultura de negócios e do comportamento da sociedade.

A Waystar é uma caricatura engenhosa para ilustrar, com precisão, a derrocada do sistema de mídia (e empresarial) do século XX, como temos visto e vivido nos últimos anos. Conglomerados totalmente perdidos, liderados por profissionais anacrônicos, pertencentes a uma geração bem sucedida, porém que cometeu o erro de se achar eterna e onisciente. 

Tanto na série como na vida real, o “big man” do século XX, no alto de suas convicções, projetou que os seus paradigmas durariam para sempre. Menosprezaram a próxima geração, tanto no seio da família (ilustrada pelos mal educados e negligenciados filhos), quanto no mercado, tratando como ingênuos e complexos muitos profissionais jovens e bem preparados para desenvolver os modelos do séculos XXI.

O que vimos, portanto, foi uma sequência de decisões desastradas que quebraram empresas gigantes no mundo todo, inclusive no Brasil. O motivo, tanto em Sucession quanto na vida real, foi o mesmo: falta de reflexão com fundamento e profundidade; falta de análise séria e comprometida; falta de tempo e paciência para entender os reais impactos das transformações. Sobrou “inovação”, cultura de “start up”, oportunismo e comportamento aloprado, muito bem retratado na série pelo Lukas Matsson, um empreendedor digital maluco e desonesto. Igual a muitos que nos deparamos por aí, que fazem as organizações perderem tempo e dinheiro com discursos embusteiros e operações inconsistentes.

Sendo assim, nesse ambiente desequilibrado, superficial e nada inteligente, poucos players de mídia conseguiram navegar bem na transição de mundos. A maioria não conseguiu conceber *de verdade*, por mais óbvio que seja, o ubíquo celular como a mídia protagonista de uma nova sociedade. Ao invés de analisar o impacto de tal dispositivo no comportamento, hábitos e cognição humana, muitos insistiram em enfiar uma matéria de 8 páginas de revista semanal num aplicativo lento e pesado. Ou uma propaganda que interrompe a experiência de um potencial cliente, com atores artificiais se empenhando em uma ladainha persuasiva – que ninguém mais aguenta.

O resultado, claro, não seria diferente: esse tipo de análise frívola e sem lastro sobre o ambiente digital determinou – para o mal – a vida de organizações. Pior: continua determinando. Recentemente tentei assinar um produto editorial “offline” de muito sucesso, de uma renomada organização. No entanto, o canal digital não funciona a contento. Nem o e-commerce, nem o atendimento por whatsapp (composto apenas de um script automatizado, sem solução, sem inteligência). Tive que apelar para um contato dentro da empresa para resolver. Trocando em miúdos, em pleno 2023, um grupo relevante, com ótimos produtos e que trabalha com assinaturas, não consegue vender seu produto “core” através de canais digitais. 

Por isso que Succession é a série a ser vista por quem se interessa por mídia. Tirando os dramas familiares, a tese midiológica é perfeita. Mostra velhos sem noção e distantes da realidade, em uma interlocução truncada com jovens mal preparados, todos com celular na mão de forma incessante, discutindo mídia, influência, poder e negócios como se estivessem nos anos 90. 

São hilários alguns momentos dos filhos de Logan Roy planejando o lançamento de uma nova – porém arcaica – rede de televisão, enquanto usam o celular pra tudo: para negócios, informação, entretenimento, espionagem etc. Enquanto os herdeiros dissertavam pateticamente sobre modelos ultrapassados, a velha guarda abria espaço, equivocadamente, para oportunistas “inovadores” do mundinho digital. Esse desastre anunciado nos soa familiar, não?

Pois bem, assim como a Waystar se perdeu, muitas organizações (seja de mídia, telecom ou qualquer outro setor) ainda vão se perder nessa década, por ter preguiça de pensar sobre o significado da frase “o meio é a mensagem”, de Marshall McLuhan. Por achar que um país como o Brasil que, segundo o IBGE, tem mais celulares do que TV nos domicílios, vai pensar, agir e consumir igual nos anos 90 – quando a comunicação persuasiva de massa reinava soberana. 

Recomendo Succession, de verdade. A série tornou ficção um fenômeno que explodiu de vez na década passada e que impacta frontalmente o destino da civilização humana. A história recente já nos provou que a transição midiática é divisor de água em toda a sociedade e que o celular não é “inovação”, é escala. Os fatos estão documentados fartamente. E agora ainda temos uma série sensacional que serve como uma tragicômica crônica dessa realidade. Só não vê quem não quer.