Guia para levar cabo de fibra ótica por estrada na região de Santa Maria/RS durante os trabalhos de recuperação das redes de telecom no Rio Grande do Sul durante as enchentes de maio de 2024 (Foto: Divulgação Claro)

As chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul nas últimas semanas provocando a pior enchente da história do estado causaram danos profundos na infraestrutura local de telecomunicações, tanto nas redes fixas quanto nas móveis. Por outro lado, uniram concorrentes em prol da reconstrução das redes e da retomada das operações, em uma demonstração da capacidade de mobilização e cooperação dentro do setor de TIC.

A precipitação recorde nas primeiras semanas de maio afetou 90% das cidades gaúchas. As águas invadiram casas e desalojaram mais de meio milhão de pessoas. Em Porto Alegre, o nível do rio Guaíba alcançou 5,33 metros – até então, o recorde era de 4,75 metros, atingido durante uma enchente em 1941.

A inundação deixou debaixo d’água várias estações de telecomunicações, provocando o curto-circuito dos equipamentos e interrompendo o funcionamento de antenas de telefonia móvel às quais estavam ligados. Um caso que chamou a atenção foi o de uma estação na cidade de Arroio do Meio/RS, que, após ser danificada em uma enchente anterior, ocorrida em setembro de 2023, havia sido elevada em 3 metros, por precaução. Só que isso não foi suficiente para evitar a nova inundação agora em 2024.

Os sites cujos equipamentos não foram atingidos diretamente pelas águas enfrentaram outros problemas. Um deles foi a falta de abastecimento de energia elétrica. Muitos postes caíram, interrompendo a distribuição de luz. Houve também bairros aonde a eletricidade foi cortada a pedido das autoridades públicas por questões de segurança, para evitar acidentes durante os resgates. As antenas de telefonia móvel são equipadas com baterias cuja autonomia varia de quatro a seis horas. Assim, muitos sites pararam de funcionar quando as baterias acabaram.

Para completar, houve incontáveis rompimentos de cabos de fibra ótica que fazem a conexão entre as torres celulares e os núcleos de rede das operadoras. Sem essa conexão, o site não funciona, porque não consegue transmitir as chamadas nem os dados. Muitos desses cabos de fibra ótica acompanham o trajeto de estradas e pontes que ruíram com a enchente.

A soma desses três problemas – inundação de estações, falta de eletricidade e rompimento de fibra ótica – teve o auge do seu impacto no dia 3 de maio, quando 31 cidades gaúchas estavam sem nenhum serviço de telefonia celular e outras 203 sofriam com algum impacto nas redes, de acordo com balanço da Anatel. A agência criou um painel online que informa diariamente o impacto da tragédia sobre o serviço de telefonia móvel no Sul do País.

A pé, de bote ou de helicóptero

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Técnicos da TIM usam bote no trabalho de restauração das redes do Sul (Crédito: Divulgação TIM)

Para restaurar os serviços, as teles montaram uma verdadeira operação de guerra. Técnicos de outros estados foram convocados às pressas para aumentar o efetivo em ação no Rio Grande do Sul. Na TIM, por exemplo, os 90 técnicos de campo que atuam no estado receberam o reforço de outros 60 que vieram de todos os cantos do País.

Com ruas alagadas, rodovias destruídas e pontes partidas, o deslocamento para a realização dos consertos se tornou um desafio. Foi preciso usar botes, jet-skis e, em alguns casos, até helicópteros.

“As cidades ficaram ilhadas. Porto Alegre ficou com apenas uma entrada, por Viamão. Para chegarmos a Eldorado do Sul, uma viagem que antes era de 30 Km, passou a ser de 300 Km, praticamente dando a volta no estado”, relata Marcelo Ilha, diretor de operações da Claro no Rio Grande do Sul, em conversa com Mobile Time.

Restabelecimento da energia

A primeira medida para recuperar as telecomunicações foi a de restabelecer a energia nos sites que estavam sem luz. Boa parte desse trabalho foi feito, obviamente, pelas distribuidoras de energia. Mas, enquanto isso não acontecia, as operadoras levaram geradores a diesel para garantir o funcionamento de determinados sites, em caráter emergencial. Ao todo, 18 estações da Claro receberam geradores. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o da cidade de Muçum/RS. Inacessível por terra, o município recebeu técnicos e combustível de helicóptero. A torre da Claro fica no alto de um morro a 8 Km de distância da base de pouso do helicóptero, sem acesso de carro. Os funcionários da operadora precisavam levar na mão os galões de diesel e reabastecer a cada três dias.

Cooperação no conserto das fibras

Em muitas estações que tiveram seu backhaul de fibra ótica rompido, o conserto só poderá ser feito depois que a água baixar. Nelas, a solução temporária adotada pelas operadoras têm sido um backhaul por satélite.

Paralelamente, há uma corrida para consertar vários trechos rompidos dos backbones, como são chamados os cabos de fibra ótica de longa distância e de alta capacidade que conectam grandes cidades e escoam o tráfego de dados para a Internet. Nesse trabalho, há bastante cooperação entre as operadoras, com cessão de fibra e até de mão de obra umas para as outras. “Houve muita solidariedade entre empresas que compartilham rotas de backbone. Quem chegasse primeiro ao local do rompimento com a máquina de fusão fazia o serviço, às vezes uma empresa em cada ponta. A ideia era levantar o backbone o mais rápido possível”, relata Ilha, da Claro. “Nessa hora de calamidade temos que nos dar as mãos e nos ajudar. Agradeço ao time de técnicos de todas as operadoras, sem exceção. E também àqueles das concessionárias de energia e de rodovias”, complementa.

Redes abertas e CoWs

A iniciativa mais importante de trabalho conjunto entre as operadoras móveis talvez tenha sido a abertura das redes para roaming gratuito no Rio Grande do Sul, logo no dia 2 de maio. Desta forma, quando uma operadora está sem sinal em determinada cidade, seu cliente consegue se conectar automaticamente pela rede das outras, sem precisar trocar de SIMcard – é preciso, porém, habilitar no aparelho a funcionalidade de roaming automático.

A abertura das redes mitigou bastante o problema de falta de sinal, como mostram os dados do balanço diário da Anatel. Não fosse isso, muita gente continuaria sem conectividade móvel em muitas cidades.

Como um complemento, especialmente em algumas localidades mais estratégicas, as operadoras instalaram as chamadas CoWs (Cell on Wheels): torres celulares móveis, geralmente utilizadas em grandes eventos, para aumentar a capacidade de tráfego em áreas de grande densidade de usuários.

“Uma vez superada a situação de ausência total de telefonia móvel em municípios, que conquistamos há alguns dias, agora buscamos reduzir a quantidade de municípios com maior afetação, onde, embora exista o sinal, a cobertura está menor que o estado de normalidade”, explica o superintendente de controle de obrigações da Anatel, Gustavo Borges.

Solidariedade entre PPPs

Os mais de 600 pequenos provedores de banda larga que levam Internet para as periferias das grandes cidades e interior gaúchos também sofreram duramente com a enchente. Alguns perderam todas as suas conexões e vários tiveram seus escritórios inundados. A InternetSul, associação que representa provedores de Internet no Sul do Brasil, estima que os prejuízos para o setor tenham sido, até agora, de R$ 807 milhões.

Tal como as operadoras móveis, houve muita cooperação entre os pequenos provedores de Internet. Com dificuldade de interconexão com os grandes backbones durante a calamidade, eles se ajudaram uns aos outros, interligando suas fibras, conta o presidente da Abrint, Mauricélio Oliveira Junior. Além disso, os provedores mais atingidos receberam doações de equipamentos como CPEs e OLTs de outros ISPs.

Para manter o serviço ativo, houve até provedor que improvisou a instalação do seu data center no telhado do escritório, protegido por uma lona – foi o caso do RS Sul Net.

Medidas emergenciais para os assinantes

Foram tomadas também várias medidas por parte das operadoras móveis em apoio aos seus assinantes durante a enchente. A primeira delas foi oferecer Gigabytes extras para os clientes pré-pagos e suspender o cancelamento de pós-pagos inadimplentes.

A comunicação com o público também precisou ser modificada. Campanhas de vendas para o Dia das Mães no Sul foram trocadas por comunicações de utilidade pública. A Claro, por exemplo, enviou por WhatsApp mensagens ensinando os clientes a habilitarem o roaming automático e ensinando a resolver problemas através do autoatendimento digital, para que o assinante não precisasse se deslocar para uma loja, relata Marcelo Repetto, diretor comercial da região Sul da operadora.

Na Claro, o processo de troca de SIMcard também foi simplificado, pois muitos clientes chegavam nas lojas sem os documentos necessários, perdidos na inundação. Além disso, foram disponibilizados carregadores nas lojas para uso do público, pois muitas pessoas ainda estavam sem energia em suas casas.

Houve ainda diversas iniciativas das teles em apoio aos governos e aos desabrigados, como ajuda na coleta e distribuição de doações e instalação de conexão de Internet em abrigos.

Cuidado com os colaboradores

Outro ponto importante foi o esforço das empresas em proteger seus colaboradores. Essa foi a prioridade nas primeiras 72 horas em todas as teles: localizar os funcionários, verificar se estavam a salvo e ajudar quem precisava de resgate. As empresas então providenciaram hotéis para os colaboradores desalojados que não tinham aonde ficar. Na TIM, por exemplo, as famílias de 28 dos 160 colaboradores no Rio Grande do Sul precisaram ser acolhidas.

“Conseguimos salvar todo o time e seus familiares. Mas teve gente resgatada só na quarta-feira, com água no segundo andar do prédio, e eles no terceiro andar”, recorda Christian Krieger, diretor comercial da TIM no Sul.

Os colaboradores receberam apoio psicológico e médico oferecido pelas operadoras. Na TIM, foram dados também benefícios extras para a compra de remédios e alimentos, além da garantia de pagamento de 100% da renda variável dos vendedores.

Futuro

Ainda é cedo para calcular quanto vai custar a recuperação total dos serviços de telecomunicações no Rio Grande do Sul. Enquanto isso, as operadoras já começam a estudar o que podem fazer para que as redes sofram menos danos em caso de novas tragédias como essa no futuro.

Na TIM, um dos planos é aumentar a redundância do backbone, montando uma “quarta via de escape de tráfego”, aponta Marco di Costanzo, diretor de rede da operadora. Na Claro, a localização de todas as estações atingidas pelas águas será revista.

Entre os provedores de pequeno porte a luta será pela sobrevivência dos negócios depois que a água baixar. Eles pleiteiam medidas de apoio do governo, como desoneração tributária e acesso a recursos do Fust, para poderem reconstruir suas operações.

Por fim, cabe registrar que as chuvas ainda não pararam no Sul. Nos últimos dias, por conta de bueiros entupidos, a inundação voltou a subir em Porto Alegre e as aulas foram suspensas nas escolas. Enquanto os gaúchos tiverem que enfrentar essa dura realidade, é fundamental que os serviços de telefonia móvel e Internet sigam funcionando, pois comunicação salva vidas.