A portaria (1924/2021) publicada pelo Ministério das Comunicações (MCom) com diretrizes para o leilão de 5G na última sexta-feira, 29, não impede empresas chinesas ou de qualquer nacionalidade de participar da implementação da rede privativa do governo. Ao menos sob o ponto de vista de governança corporativa. De acordo com João Silvério, sócio da empresa de consultoria e auditoria Grant Thornton, o trecho do documento que exige das empresas participantes conformidade com as regras do mercado acionário no Brasil é uma redundância de segurança.

“A regra é para garantir a segurança. E para garantir a segurança é preciso ter redundância. E este setor (governança corporativa) tem vários mecanismos de segurança. Como comitê de auditoria, conselho, auditoria interna e externa”, exemplificou Silvério, em conversa com Mobile Time. “As empresas que fornecem equipamentos em toda cadeia dessa nova tecnologia precisam estar nos padrões de governança do mercado. Não precisam estar listadas na bolsa. Mas precisam seguir regras de conformidade, como IBGC ou B3”, diz o executivo.

Vale lembrar, o trecho do documento publicado pelo MCom, que diz:

“Os requisitos mínimos de segurança para a rede de que trata o inciso VIII do caput, incluindo as funcionalidades de criptografia, obedecerão a regulamentação específica, devendo ser utilizados equipamentos projetados, desenvolvidos, fabricados ou fornecidos por empresas que observem padrões de governança corporativa compatíveis com os exigidos no mercado acionário brasileiro”.

Silvério explica que a norma não é um impeditivo para empresas que não estão presentes no mercado acionário brasileiro, mas um “modelo a ser seguido”, pois o mercado acionário é regulado. Citou o próprio exemplo da Huawei, que tem mecanismos de governança corporativa. “Se no Brasil, ela (Huawei) aplica os conceitos de governança, ela pode participar”, completa.

Em contrapartida, o sócio da consultoria reconhece que pequenos prestadores precisarão se adaptar às regras solicitadas na portaria.

Formatação

Contudo, Silvério lembra que esse pedido não é uma prática comum de governo. Mas vê a inclusão da regra como uma forma de controle e compliance: “O medo é com a questão da sensibilidade do que vai trafegar. Como a mudança do IPv4 para IPv6, os endereços públicos de IP que vão servir para IoT precisam de segurança. E uma forma de prevenir isso e evitar a vulnerabilidade é a conformidade com regras, leis e portarias”, explica, ao lembrar que a rede privativa seguirá modelos das redes militares com proteções não aplicadas em redes públicas.

Por outro lado, o sócio da Grant Thornton reconhece que o documento assinado pelo ministro Fabio Faria “é vago”. Por exemplo, a norma não explica se o modelo a ser seguido é da CVM. O executivo acredita ainda que o modelo chega a ser contraditório, pois as regras de governança no Brasil não são diferentes dos principais mercados do mundo.

A regra é questionar

Outra executiva, Vivien Suragy, presidente da Feninfra, também acredita que o documento do Ministério das Comunicações não deixa claro as disposições para criação da rede privativa. Em sua visão, há uma falta de compreensão do papel desta rede governamental no País.

“Nós precisamos entender essa rede. Primeiro era móvel passiva, depois passou para rede fixa em todo País. Realmente, é preciso entender o que a rede privativa vai compreender, seu tamanho e prazo, e analisar problemas regulatórios. Existem vários pontos que precisam ser discutidos”, comentou em conversa com esta publicação.

Suragy ressaltou que o momento é de “questionar” e que enviará ofícios para a Anatel e para o ministério pedindo esclarecimentos. Lembra ainda que a rede nacional teria um custo de R$ 3 bilhões, segundo estimativa da Telebras obtida por Teletime.

Na última segunda-feira, 1º, Samir Vani, country manager da MediaTek no Brasil, alertou que as especificações da rede privativa a ser desenvolvida pelo governo precisam ficar mais claras. O executivo acredita que os debates sobre o edital do leilão de 5G devem questionar se o governo federal realmente precisa dessa rede dedicada e se não pode usar a rede dos usuários comuns, pois o custo de instalação de rede é caro, será agregado aos ofertantes e, eventualmente, repassado à população.