A epidemia do coronavírus na China está provocando uma crise de abastecimento na indústria nacional de eletroeletrônicos e revelando sua dependência da importação de componentes do mercado asiático, conforme revelado por levantamento feito pela Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica). Essa crise, porém, pode representar uma oportunidade para o País repensar sua política industrial do setor e refletir sobre como atrair a indústria de componentes para cá. Em entrevista para Mobile Time, o presidente da Abinee, Humberto Barbato, sugere, no lugar de isenções tributárias ou benefícios fiscais, que seja feita a reforma tributária e que sejam reduzidos os custos com logística e segurança. “O que precisamos é de custos adequados”, resume.

Mobile Time – Na sexta-feira antes do carnaval, a Abinee divulgou uma pesquisa feita com 50 fabricantes nacionais de eletroeletrônicos informando que 4% deles estavam operando com paralisação parcial e outros 15% planejavam fazer o mesmo nos próximos dias, em razão da crise de abastecimento decorrente do coronavírus. Como está a situação agora? Mais empresas paralisaram parcialmente sua produção?

Humberto Barbato – Algumas empresas estão reduzindo turnos de trabalho para conviver com essa carência de componentes. Mas não temos informações novas. Estamos tentando realizar mais um levantamento com as empresas. É um acompanhamento semanal, mas não tem sido fácil ter essas informações: por causa da conjuntura, as decisões são tomadas à medida que as empresas percebem a demora na chegada dos componentes. Na próxima sexta deve ser concluído um novo levantamento.

A crise revelou a dependência que a indústria brasileira de eletroeletrônicos têm da importação de componentes, especialmente da Ásia e, particularmente, da China. O que falta para atrairmos indústrias de componentes para o Brasil?

O Brasil conseguiu um número importante de fábricas de eletroeletrônicos em função da legislação, principalmente da Lei de Informática. Todavia, elas enfrentam o seríssimo problema de produzir no Brasil, que é caro. Faltam as tais reformas que tanto falamos para que o País possa se tornar um grande polo produtor também de componentes, de maneira que a gente produza não só para o Brasil, mas para boa parte do mundo. As grandes crises apresentam grandes oportunidades. Essa crise que vivemos demonstra claramente que a integração de cadeias globais de valor é importante, mas não podemos ficar vulneráveis como estamos da Ásia. E não é só o setor  de eletroeletrônicos que sofre, mas vários setores da economia. Isso só vai mudar quando fizermos a lição de casa e o Brasil se tornar competitivo, quando o custo Brasil for minorado e o País ocupar um espaço importante na produção mundial, para que a China não seja mais a única produtora no mundo.

A reforma trabalhista já foi feita. Qual precisa ser a próxima, na sua opinião? A reforma tributária?

Sim, precisamos da reforma tributária e também da melhoria da infraestrutura porque os custos de logística no Brasil são muito elevados. Temos um país com tão pouca segurança que para entregar componentes em determinada cidade preciso sair em comboio. Isso não é aceitável. O Brasil precisa corrigir esses defeitos e os custos elevados de logística.

Então não é um apenas um problema de infraestrutura, mas também de falta de segurança…

Sim, infraestrutura e segurança.

O governo poderia fomentar a indústria com benefícios fiscais ou isenções tributárias?

Não precisamos disso. O que precisamos é de custos adequados. A indústria brasileira normalmente tem boa competitividade do portão da fábrica para dentro. O problema está do lado de fora. Uma simplificação da tributação já ajudaria, pois há um gasto imenso com contabilidade fiscal das empresas. Hoje temos estruturas muito pesadas em razão da complexidade tributária do Brasil. Temos que ser competitivos em todos esses aspectos. A indústria não quer rebaixamento de tarifas, nada disso. O que precisamos é baixar os custos.

Não é apenas a indústria brasileira de eletroeletrônicos que sobre com a dependência da China. O mundo inteiro passa por isso. Será que a crise provocada pelo coronavírus não poderia despertar o interesse de alguns grandes fabricantes de componentes em levar sua produção para outros países, como o Brasil, por exemplo?

Talvez sim. Aqui temos a vantagem de ter a montagem do produto acabado. Mas quem vai atrair fabricantes de componentes são esses fabricantes que já estão no Brasil. Para isso precisa ser conveniente produzir no Brasil. Ninguém vai querer fabricar aqui se for mais caro que no exterior. Temos como atrair o componentista, mas precisamos de custos adequados.

No custo de fabricação de um smartphone no Brasil, qual é o percentual dependente de componentes importados?

Varia de fabricante para fabricante. Em geral, de 60% a 70% dos componentes são importados.

Considerando os componentes de um smartphone, talvez o mais importante seria atrair para o País a produção dos processadores, certo?

Mas precisa ter escala. E não basta apenas atender ao mercado nacional, mas exportação também. E para tanto tem que ter a competitividade necessária. O Brasil precisa fazer uma escolha: se quer ter um indústria, então que se façam as reformas necessárias. Do contrário vamos continuar vulneráveis. E só não estamos mais vulneráveis porque temos a fabricação local do produto acabado. Se dependêssemos da importação de computadores e celulares, a essa altura já teríamos falta desses produtos no mercado. Isso só não acontece porque temos estoque de componentes e as fábricas mantêm algum ritmo de produção.

A Abinee está conversando com o governo federal sobre esse problema de abastecimento gerado pelo coronavírus e sobre a necessidade de termos uma indústria nacional de componentes?

A conversa com o governo é permanente. Não falamos especificamente sobre coronavírus, nem sobre essa situação (da crise de abastecimento), que é inusitada. Não é só o setor de eletroeletrônicos que sofre com esse problema. O coronavírus faz com que a política industrial, que era palavra não muito bem vista, tenha que ser rediscutida, afinal de contas, a geração de empregos de qualidade na indústria é muito importante. Esse evento do coronavírus traz à tona uma vulnerabilidade que o Brasil tem em vários setores da indústria e que gerará naturalmente novas políticas para que a gente diminua o nível de vulnerabilidade. É algo para o médio prazo, porque é preciso fazer muitas reformas. O momento é de muita reflexão.