Ilustração: La Mandarina Dibujos/Mobile Time

A Coalizão Direitos na Rede (CDR) protocolou no Ministério da Justiça nesta quarta-feira, 4, um pedido para que as suas secretarias de Defesa do Consumidor e de Assuntos Digitais adotem atos político-regulatórios para adequar os planos de acesso à Internet móvel à legislação vigente. No entender das entidades que compõem a CDR, a oferta de planos pré-pagos com bloqueio do serviço ao fim da franquia é ilegal, porque a lei prevê que o acesso à Internet é um serviço essencial, como o provimento de água ou luz, e, como tal, deve ser prestado continuamente e deve ter seu acesso garantido pelo Estado a toda população. 

“Hoje, no Brasil, existe a Internet dos ricos e a Internet dos pobres. Os ricos têm banda larga fixa e os pobres não têm. A franquia de dados do pré-pago por mês não dá para fazer nada. Não dá para ver um filme, não dá para assistir às aulas online. Nós questionamos esse modelo pré-pago. Se a lei diz que é um serviço essencial para a cidadania, e serviço essencial não pode ser interrompido, como admitir que a cidadania de uma pessoa fique restrita à sua capacidade econômica? A renda média no Brasil é de R$ 2,5 mil por pessoa. Mas 50% da população vive com até R$ 450 por mês. Não tem condição de garantir que uma pessoa exerça sua cidadania plenamente se não se garante que ela tenha um acesso digno e sem limites à Internet. Hoje, para fazer inscrição no Fies, para conseguir auxílio emergencial e para acessar mais de 1,5 mil serviços públicos você precisa estar conectado. Na pandemia isso ficou muito evidente”, argumenta Flávia Lefèvre, uma das advogadas que assina o documento enviado ao MJ, em conversa com Mobile Time.

Lefèvre lembra que o Código de Defesa do Consumidor estabelece que a prestação de um serviço essencial deve ser feita de forma contínua. Um serviço essencial só pode ser cortado se o consumidor não pagar a conta.

Cabe ao Estado garantir o acesso universal a serviços essenciais. Isso pode ser viabilizado, por exemplo, através de subsídios para bancar tarifas sociais, como acontece no caso da eletricidade. A advogada lembra que em telecomunicações o Fust poderia servir a esse propósito.

Zero rating

No documento enviado ao MJ, a CDR critica também a prática do zero rating, embora não a condene completamente. O zero rating consiste na disponibilização de acesso a determinados serviços digitais, como Facebook e WhatsApp, sem descontar da franquia e mesmo após o término da mesma. 

Do jeito como é oferecido hoje, o zero rating fere a neutralidade de rede estabelecida pelo Marco Civil da Internet, apontam as entidades. “Se antes havia dúvida sobre a interpretação do zero rating à luz da neutralidade de rede, hoje o entendimento predominante na Comunidade Europeia é que, sim, ele fere a neutralidade da rede. Houve uma série de decisões recentes nesse sentido. Ou seja, não se trata de nenhuma jabuticaba: estamos seguindo o entendimento da Comunidade Europeia”, diz a advogada. 

Ela ressalta, contudo, ser favorável à oferta de zero rating para serviços públicos em caso de eventual suspensão do acesso à Internet por falta de pagamento da conta. “Era assim na telefonia fixa. Se você ficasse sem pagar, ainda podia ligar para o 190, por exemplo”, relembra.

A CDR pediu uma audiência com representantes do MJ para tratar do tema.

Análise

No governo Bolsonaro, a discussão proposta pela CDR sobre a ilegalidade do bloqueio à Internet móvel ao fim da franquia não tinha chance de prosperar. A situação muda de figura com a volta do PT ao poder. É provável que movimentos pela democratização do acesso à Internet sejam pelo menos ouvidos. 

Por outro lado, mexer no modelo de negócios das operadoras móveis é complexo e, com certeza, enfrentará forte resistência por parte das operadoras. A proibição do bloqueio ao fim da franquia inviabilizaria economicamente o modelo econômico atual dos planos pré-pagos e demandaria, portanto, a construção de alternativas. Elas passam, provavelmente, pelo subsídio do Estado à Internet.