Magnus Frodigh, VP e líder de pesquisas na Ericsson (Foto: Henrique Medeiros/Mobile Time)

O vice-presidente e head de pesquisa global da Ericsson, Magnus Frodigh, prevê que o 6G será o habilitador-chave para conectar os mundos virtuais com o físico, com aplicações como cidades inteligentes. Em uma jornada que deve culminar com o início da migração das redes celulares, do 5G ao 6G, em 2030: “Acredito realmente que estamos chegando cada vez mais próximos dessa visão”, afirmou o executivo.

Durante o lançamento do centro de pesquisa Smartness na Unicamp na última segunda-feira, 6, Frodigh conversou com Mobile Time sobre a sexta geração da Internet móvel, os avanços do 5G até o próximo “G”, mas também sobre os planos da Ericsson em pesquisa e os riscos de haver dois padrões de 6G devido ao imbróglio comercial entre Estados Unidos e China.

Mobile Time – Onde estamos hoje com o 6G?

Magnus Frodigh Quando falamos de novas tecnologias (de rede), sempre há muito que precisa ser inventado e amadurecido. E essa é a razão pela qual temos isso em ciclos de dez anos. É difícil fazer mais rápido que uma década, pois você não tem desenvolvimento tecnológico suficiente para evoluir. É preciso ter mais espaço (de tempo) para isso e trabalhar muito em pesquisa e pré-desenvolvimento para amadurecer as tecnologias que gostaríamos para entrar no 6G. Portanto, a linha do tempo definida pela ITU para lançamento comercial está em aproximadamente 2030. Oito a dez anos. No momento, nós estamos na fase de pesquisa.

Como é a rota do 5G para o 6G?

Acredito que muitas dessas tecnologias que virão no 6G podem ser preparadas em cima do 5G e quando chegarmos em 2030 elas vão escalar. E, quando escalarmos, nós veremos que haverá mais necessidade de variações de RANs, mais capacidades, taxas de dados maiores. E ao mesmo tempo dependerá de confiabilidade, resiliência e robustez. Portanto, há muito a se fazer do ponto de vista técnico agora que nós esperamos que atenderão as demandas dentro da linha do tempo até 2030. Ou seja, não é tão simples como esperamos, pois ainda estamos pesquisando.

Um dos avanços prometidos para o 6G é o networking slicing 2.0. Como essa tecnologia vai funcionar, sendo que as empresas estão começando a experimentar a versão 1.0 que está no Release 16 do IEEE?

Estamos nos aprontando para oferecer esse fatiamento para diferentes aplicações terem diferentes qualidades de serviços e as operadoras poderão gerenciar vários ambientes de redes. Isto é o que acontece com network slicing (de primeira geração) hoje. Ele está pronto e esperamos ver mais presença dessa tecnologia no mercado. Agora, a segunda geração terá uma configuração mais avançada. Na prática, nós podemos esperar não apenas diferentes qualidades de serviço, mas diferentes níveis de segurança, robustez e confiabilidade envolvidos. Possivelmente, nós veremos mais mobilização de capacidade de computação nas redes e inteligência artificial cognitiva. Hoje, você escreve as aplicações over the top (OTT), um computador com o app em uma ponta e o device acessando na outra, com a rede fazendo a conexão. Mas, para ter realmente baixa latência, você precisa mover a aplicação muito mais perto da ponta ou ter a aplicação na ponta da rede (network edge). Portanto, sim, o network slicing 2.0 trará fatiamentos de rede mais avançados e será um ponto bem importante em nossas pesquisas.

Quando chegarmos no 6G, em 2030, qual será a tecnologia-chave na primeira hora? IA? Redes fluidas? Arquiteturas cognitivas? Edge para garantir transferência massiva de dados e computação de uma ponta a outra?

Nós veremos uma série de tecnologias que podem ter esse papel na sexta geração. No 5G, nós vimos um avanço muito forte do Massive MIMO. É uma tecnologia que permite aumentar a capacidade de rede, mesmo que todos os pontos de acesso estejam próximos. Então, essa é a tecnologia-chave do 5G. No 6G gostaríamos de ter uma rede muito mais densa em sensores. Por isso, estamos trabalhando em sensores com zero consumo de energia, de custo zero. Assim, você pode ter 100 sensores em uma unidade indoor. Tudo produzido com célula na origem. Daí, em seu ciclo de vida, os sensores poderão interagir e providenciar informações do mundo físico para o digital. Isso é chave (para o 6G). E acredito que a arquitetura de rede e a forma como nós podemos fazê-la mais programável e adaptável permitirá configurar dispositivos e redes sem a necessidade de padronizar tudo. Ou seja, um gestor poderá programar a rede com mais facilidade e isso acelerará o lançamento de uma rede significantemente. Isso é outra tecnologia-chave, ainda mais se combinada com propriedades cognitivas. E nós precisamos descobrir como integrar computação e redes. Essas duas tecnologias realmente precisam trabalhar juntas, pois é a junção de computação e rede que trará a experiência de alta performance às redes.

Nas aplicações, como você imagina que será essa evolução para o 6G?

É algo que vai acontecer gradualmente. Atualmente, os players de OTT estão construindo suas próprias redes ou trazendo sua infraestrutura de computação cada vez mais para a ponta. Antes, os OTTs tinham um datacenter no interior, outros tentavam colocar datacenters em grandes cidades. Mas eles podem avançar um pouco mais com isso. Para tanto, é preciso cruzar a conexão entre os computadores e as redes. Precisam de lugares que tenham conectividade e computação. Acredito que isso é interessante, pois veremos como as capacidades de rede e as informações de sensores vão funcionar. Em especial, as informações podem ficar expostas no RAN, no core de rede e na camada de aplicação. Por isso que a Ericsson comprou a Vonage, uma empresa que atua com essa proteção. Hoje, nós estamos interessados em aplicações recaindo mais para APIs avançadas. Basicamente, hoje o usuário envia SMS com segurança.

Mas claramente, se existir uma API mais rica, o cliente poderá fazer tarefas mais avançadas. Neste cenário, as OTTs poderão ter interoperabilidade e poderão trabalhar independentemente da operadora e do equipamento de rede que estão – mas se for uma rede Ericsson vão trabalhar de maneira mais suave. E isso cria um ecossistema enorme para desenvolvedores e companhias. Portanto, nós podemos comparar e dizer que seria uma plataforma para a indústria como o Android foi para os smartphones.

Como fica o consumo de energia neste cenário?

Mesmo com o aumento do consumo de dados multiplicando por 100, o consumo de CO2 nas TICs é menos de 1,5% no mundo. Isso acontece porque quebramos essa curva aos poucos. Vimos operadoras substituindo energia fóssil por solar e começamos a ter eficiência no consumo das redes [como o 5G]. Portanto, se o setor continuar a colocar mais energia verde, vamos continuar reduzindo. A solução pode ser combinar e co-otimizar conectividade e edge computing com a energia verde. Mas isso não é o foco do centro que estamos inaugurando hoje (nesta segunda-feira, 5). Contudo, eu acredito que essa questão vai evoluir e se tornará central. Ou seja, as pesquisas que nós faremos terão a redução de energia fóssil mais imbuída nos próximos anos, pois a energia está ficando cara e as operadoras farão o possível para economizar.

Sim. É algo que vimos impactar as operações, em especial na Europa com a invasão da Rússia na Ucrânia.

Sim. É uma grande mudança no foco. E energia vai liderar isso. Nós (Ericsson) entregamos mais eficiência de energia nas redes, pois os nossos clientes (operadoras e empresas) estão pedindo. Nós tivemos muitas tecnologias no passado que não eram demandadas pelo mercado, mas agora o mercado pede e estamos entregando. Então, a redução de CO2 nas redes 6G será uma das principais propriedades.

Como vocês trabalham com a possibilidade de termos dois padrões de 6G devido à divisão geopolítica entre ocidente e oriente?

O nosso objetivo é ter um único 6G, pois há muitas vantagens se você tem escala (de produção). E fragmentar o mercado significa que ele será dividido em múltiplos orçamentos de pesquisa e desenvolvimento. Mas, claro, nós (Ericsson) estamos acompanhando o cenário e vamos seguir o que for requisitado. Portanto, se tivermos dois padrões, nós faremos dois. Mas isso não é algo preto no branco. Por exemplo, eu acho que pode ser fragmentado, mas também pode haver partes comuns, especialmente quando se trata de chipsets para ter produção massiva de terminais. Eu acredito que pode ter benefícios se tivermos o mesmo hardware, mas será um pouco diferente no software. Mas nós estamos trabalhando para o caminho ser o mais singular possível. E mesmo os outros players também estão trabalhando para um único sistema 6G.

Laboratório na Unicamp

Frodigh em apresentação durante o lançamento do Smartness, um laboratório de desenvolvimento de pesquisa de redes com Unicamp, UFSCAR e Fapesp (Crédito: Pedro Amatuzzi/Inova Unicamp)

Trazendo para o lançamento que vocês estão fazendo na Unicamp e que gerará pesquisas para o 6G: inicialmente não tem nenhuma operadora ou outros players do mercado, apenas a academia. Vocês querem trazer empresas para o Smartness?

Sim. Essa é a próxima etapa. Agora, estamos nos preparando para lançar o centro. Ter toda a parte burocrática e de contratos resolvidos. Mas depois disso nós queremos trazer os parceiros. Acreditamos que quanto mais, melhor. Ter os nossos clientes e operadoras, será um caminho bem interessante.

Há conversa com eles?

Por enquanto, não que eu saiba. Acredito que devem começar em mais ou menos um ano. Queremos que eles e seus clientes estejam envolvidos, como as grandes fábricas e empresas. Assim como os órgãos reguladores, que podem colaborar na compreensão de como essas tecnologias serão regulamentadas. Portanto, há esse grande convite para o ecossistema se juntar a nós.

Qual a importância de fazer esse trabalho com a academia e em especial neste centro com Unicamp, UFSCAR, USP e Fapesp?

Acredito que o trabalho que fazemos com universidades, em um sentido amplo, é entender as questões abertas que temos, ao mesmo tempo que estimulamos pesquisas em áreas que são do nosso interesse. É algo que fazemos no Brasil (há 20 anos). Eles pegam essas questões abertas e fazem pesquisas que gera aspirações. Esses inputs podem ser usados em padronização, no ecossistema, pesquisa e desenvolvimento de produtos. Mas dizer qual parte da inovação em particular virá daqui, eu não sei responder ainda. Por isso fazemos a pesquisa. Se nós soubéssemos o que queremos exatamente, não faria sentido pesquisar. Por isso digo: nós estamos ansiosos mais pelas ideias que estão por vir.