O Marco Legal da Inteligência Artificial, como está sendo chamado o projeto de lei 21/20, deve ser pautado para votação na Câmara dos Deputados ainda este ano, depois que os parlamentares discutirem outros temas mais urgentes, como a reforma eleitoral. Essa é a expectativa do autor do PL, deputado Eduardo Bismarck (PDT/CE). A Câmara aprovou nesta semana que o projeto tramite em regime de urgência, o que significa que não precisará passar por mais comissões, indo direto a plenário, assim que for pautado pelo presidente da casa.

O PL define princípios básicos para o uso de IA no Brasil, incluindo direitos do público e deveres de quem desenvolver e aplicar a tecnologia, sejam pessoas físicas, empresas ou governos. Estabelece também que essa tecnologia deve respeitar os direitos humanos, os valores democráticos e a privacidade dos dados, além de ser não-discriminatória.

O texto define sistema de inteligência artificial da seguinte forma: “sistema baseado em processo computacional que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo homem, fazer previsões e recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais.”

Entre os direitos do público, consta o acesso a informações de um sistema de IA, como a instituição responsável pela sua operação e os critérios adotados em seus algoritmos para a tomada de decisão. 

Por sua vez, os agentes de IA, como são chamados quem desenvolve e opera o sistema, têm entre seus deveres garantir transparência sobre os critérios adotados em seus algoritmos; respeitar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD); se responsabilizar, legalmente, pelas ações tomadas pelo sistema; e garantir a proteção dos mesmos.

“O PL é enxuto, trata dos princípios e fundamentos da inteligência artificial, de forma a criar um campo fértil, com segurança jurídica, para quem quer desenvolver e investir nessa tecnologia”, argumenta Bismarck, em conversa com Mobile Time. O autor do PL defende que o detalhamento com penalidades e outras especificações legais sejam criados no futuro.

Debate

Especialistas consultados por Mobile Time, contudo, reclamam da falta de debate com a sociedade sobre o marco legal de IA.

“Falta maturidade e compreensão da tecnologia pelo brasileiro. Falta maturidade social e um debate aberto sobre o tema. A sociedade não entende como funciona IA, muito menos suas várias implicações”, comenta Christian Perrone, coordenador da área de direito e tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio). Ele cita o Marco Civil da Internet como exemplo de lei que passou por um longo processo de discussão com a sociedade antes de ser aprovada.

Perrone entende também que antes de se votar o marco legal de IA o Brasil deveria definir com mais clareza sua própria estratégia de desenvolvimento da tecnologia. Vale lembrar que o governo federal publicou no começo do ano a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (EBIA), mas esta foi criticada por especialistas que a classificam como superficial.

Por sua vez, Rafael Pellon, advogado especializado em direito digital e sócio do escritório Pellon de Lima, concorda que seria prematuro aprovar uma lei neste momento, sob o risco de ela inibir a inovação: “Ainda que o projeto de lei seja relevante, a regulação de tecnologias que ainda não estão totalmente amadurecidas de forma açodada é sempre perigosa, já que arrisca impedir a inovação e o desenvolvimento econômico de um setor tão dinâmico. O tema merecia no mínimo mais debates no Congresso antes de transformar-se em lei federal”.

O deputado Bismarck defende o trâmite do PL em regime de urgência para que a legislação do Brasil não fique atrás do resto do mundo. “No Marco Civil e na LGPD houve uma demora muito grande. O mundo inteiro tinha legislação e a gente não tinha. Isso atrapalha o desenvolvimento da tecnologia”, respondeu.

Além disso, o deputado argumenta que haverá oportunidade para aprofundamento do debate depois que um relator for designado para o PL e ao longo do processo de deliberação no Senado, onde o texto pode sofrer alterações.