|Atualização em 15 de janeiro de 2024, às 13h01, com informação sobre o aplicativo do G10 Bank|
Nos últimos anos, vem ocorrendo um movimento em relação ao crescimento das fintechs no Brasil. Estes bancos digitais têm como grande objetivo em comum sanar as dores de pessoas que não se sentem acolhidas pelos bancos tradicionais. Muitas vezes quem os cria são os que sofrem ou já sofreram essas dores também, o que acaba chamando a atenção de clientes, já que a personalização é importante para haver identificação entre cliente e banco. Dessa maneira, com o aumento da customização, os negócios têm se destacado em várias áreas distintas.

“Maré, um banco simples para uma vida simples”

Fundado em 2017, a ideia de negócio do Banco Maré (Android) surgiu quando o CEO e fundador, Alexander Albuquerque, visitou o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, que reúne 200 mil moradores e 16 comunidades. Ele foi realizar um projeto social com alunos do ensino médio para ensiná-los a programar. “Esse projeto não foi possível porque tinha que ter uma escola de ensino médio integral na Maré, mas só tem de noite”, conta.

Um dos líderes da região conversou com ele para entender se Albuquerque poderia ajudá-los na área de pagamentos, já que, para ir ao banco, era necessário pegar ônibus e se deslocar até outro bairro. Após esse episódio, ele se encontrou com o ex-engenheiro de segurança do X (na época ainda Twitter), Maer Salal, que estava em São Paulo e que “adorou o projeto”. Eles, então, passaram a desenvolver um aplicativo que possibilitasse realizar o pagamento das contas dos moradores da comunidade.

“Era só eu em uma creche abandonada, quase que sem telhado, para fazer os pagamentos”, explicou. Depois de 15 dias da abertura, insistindo para alguém testar, um dos moradores aceitou e pagou uma conta. Percebendo que tinha dado certo, contou para outras pessoas, que começaram a procurar por ele. “O banco começou a crescer em volume de usuários. Eu lembro que em pouco mais de seis meses, a gente já estava movimentando mais de R$ 1 milhão com pagamento de boletos”, disse.

Em seu segundo ano, o Banco Maré recebeu uma espécie de apadrinhamento do Facebook, que fez um investimento para melhorar a sua performance. Apesar de outros investimentos e do crescimento que o banco estava apresentando, a pandemia foi um período difícil, que levou a instituição a mudar a sua dinâmica.

Hoje, o Banco Maré atua principalmente com crédito para pequenas e médias empresas que buscam investimentos ou empréstimos acima de R$ 2 milhões. “As empresas e os comerciantes tinham dificuldade para conseguir uma maquininha, até que entrou a PagSeguro no mercado, que democratizou de uma maneira absurda. Mesmo assim, as taxas ainda são altas para um comerciante. Então, nós vimos que o nosso mercado era de antecipação de recebíveis”, relatou Albuquerque, que contou ter feito a transição para a nova solução este ano.

O escritório está localizado no próprio Complexo da Maré – mas seus serviços estão espalhados ao redor do Brasil. O objetivo continua sendo o mesmo desde o início, aponta o CEO, que é o slogan do banco: “Maré, um banco simples para uma vida simples”.

“Um dia vou ter meu próprio banco”

“Acho que a Conta Black (Android, iOS) nasceu muito antes do que a data em que ela se formalizou, que foi no final de 2018″, afirma Fernanda Ribeiro, cofundadora do banco digital, juntamente com seu sócio, Sérgio All. Aproximadamente 15 anos atrás, o cofundador All, originalmente publicitário, tinha uma agência, e, em certo momento, precisou solicitar crédito, que foi negado pelo seu banco.

“O Sérgio não tinha o nome sujo e nem a empresa. Ele também utilizava os produtos e serviços do banco e a folha de pagamento dos funcionários de sua agência era feita por esse banco. Mesmo assim, o crédito foi negado”, conta Ribeiro. “Eis que ele profetiza: ‘um dia eu vou abrir meu próprio banco'”, comentou sorrindo.

Alguns anos depois, ambos fundaram uma associação chamada Afrobusiness, uma rede formada por empreendedores e profissionais pretos. O grande objetivo era conectar essas pessoas para gerar “black money” e, então, também fazer relação com a cadeia de fornecimento de grandes empresas, uma vez que o objetivo da associação era somente gerar oportunidades de trabalho e renda.

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Fernanda Ribeiro e Sérgio All. Imagem: Larissa Isis/Divulgação.

Eles passaram a ter uma interlocução com esses empreendedores pretos e perceberam que os profissionais estavam tendo o mesmo problema que All teve muitos anos atrás. “A primeira questão era não conseguir abrir conta bancária para pessoa jurídica (PJ); e o segundo deles era não ter acesso a crédito, que corrobora com um dado do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que diz que o empreendedor negro tem o crédito negado quatro vezes mais comparado a um empreendedor branco exatamente nas mesmas condições”, aponta a executiva.

Com isso, Ribeiro e All viram uma oportunidade de negócio e fundaram a Conta Black, que nasceu como uma instituição de pagamentos. Naquele momento, ainda não tinha aplicativo, era um home banking. Em 2019, a partir do recebimento de R$ 1,5 milhão de um investidor anjo, além da busca de outros investidores para ampliar o negócio e trazer outras possibilidades, a fintech conseguiu lançar um app.

Após o lançamento do aplicativo, a Conta Black passou a oferecer uma experiência bancária completa para os clientes, como conta digital, cartão de crédito pré-pago, investimentos, Pix, seguro e oferta de crédito. Hoje, é possível abrir conta para PF e PJ e a CEO diz que tem muito mais clientes pessoa física do que jurídica – que acredita que os dados têm algumas particularidades, como um reflexo da falta de educação financeira, já que alguns empreendedores de pequeno porte acabam utilizando a conta física para fazer as movimentações de conta PJ.

Com um total de 49,8 mil clientes espalhados pelo País, com maior concentração em São Paulo, Salvador, Espírito Santo, Minas Gerais e Porto Alegre, a maioria da base é formada por pessoas pretas e, no recorte de gênero, a maior parte é o público feminino.

A expectativa da plataforma é expandir sua base a partir do próximo ano com novos lançamentos. Primeiramente, a cofundadora explica que investirá em uma comunicação mais forte, com estratégias online e offline para alavancar e duplicar o número de clientes até o fim do ano que vem.

Vale dizer que, em setembro, a Conta Black lançou o microcrédito em plena Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, e o grande objetivo da ferramenta é criar um acompanhamento financeiro e de impacto social para os empreendedores pretos, em que receberão educação financeira.

“Passava o dia inteiro tentando captar recurso”

Já Igor Bonatto, CEO e fundador da noodle (Android, iOS), plataforma financeira da economia criativa, veio da área do audiovisual, onde trabalhou como cineasta por 10 anos. “Neste setor, você passa a ter que lidar com questões burocráticas, como correr atrás do dinheiro, e isso toma 100% do seu tempo. Chegou a um ponto em que eu não fazia mais aquilo que eu queria fazer, que era produzir conteúdo e filmes, estava literalmente passando o dia inteiro correndo atrás de dinheiro, tentando captar recurso”, contou.

Frustrado, Bonatto percebeu que a dificuldade era a mesma com os seus colegas da música, de games e de qualquer outro segmento da área criativa. “Resolvi largar tudo aquilo para buscar um caminho mais eficiente de financiar a economia criativa”, disse o fundador. Em meados de 2020, ele convidou dois sócios para levantar recursos e dar início à empresa.

A noodle começou pela música, visto que é uma das fontes de receita mais pulverizadas, conta o CEO. “Você tem a música ouvida, tem a letra, o vídeo, o show, merchandising, marcas, por aí vai”, citou. Depois, começaram a atender praticamente todas as outras verticais da economia criativa, principalmente a área de games e audiovisual.

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Igor Bonatto, CEO e fundador da noodle. Imagem: divulgação.

Os clientes da noodle são empresas que estão por trás dessa indústria, como gravadoras, produtoras, distribuidoras, agências etc. Um dos planos para 2024 é, inclusive, começar a atender diretamente os artistas.

Com o objetivo de democratizar os recursos para alguém ou para alguma empresa que tenha um projeto interessante e para poder gastar menos tempo correndo atrás de captação, a empresa compreendeu que uma janela que não era atendida era o mercado de crédito. “A gente já conseguiu financiar mais de R$ 1 milhão em questão de horas, sendo que esse mesmo cliente levaria meses para conseguir esse dinheiro”, ressaltou.

Hoje, os clientes da plataforma fazem um levantamento de seus dados, com o que recebe de dinheiro do Spotify, YouTube e de outras plataformas, dentro de um score de risco proprietário que analisa todas as fontes de receita, todos os padrões de performance desse cliente e, com base nisso, a noodle faz um financiamento de até 14 vezes a média mensal de receita que o cliente recebe.

Além disso, o banco cobra uma taxa que, geralmente, é um percentual do valor que foi financiado, adicionado no final. Assim, o cliente pode pagar de duas formas: uma delas é parecida com o empréstimo, em que existe uma parcela fixa mensal, ou então a fintech pega um percentual da receita desse cliente até o próprio devolver o dinheiro que recebeu.

A sua equipe está espalhada por Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e outras regiões do Brasil, mas também em Nova Iorque. O aplicativo foi lançado no primeiro trimestre do ano passado. Desde então, a empresa movimentou mais de R$ 350 milhões.  Em sua carteira de clientes há pouco mais de 200 empresas com um total de 60 mil artistas.

“A gente já atende audiovisual e games, por exemplo, mas ainda em fase de experimentação. Então, no ano que vem nós queremos pisar no acelerador em todas as verticais da economia criativa”, afirmou. O segundo objetivo do próximo ano é adicionar novas fontes de financiadores e, por último, a noodle tem a pretensão de, no segundo semestre de 2024, fazer a internacionalização da plataforma.

“A população sonha em empreender”

O G10 Bank (Android, iOS) nasceu em função da necessidade de bancarização da população da favela à margem da sociedade e do sistema bancário no Brasil. “Na favela, a população sonha em empreender, mas não consegue abrir uma conta devido à falta de comprovante de residência e CEP. Com isso, não tem acesso ao crédito ou é limitado e reduzido. E, quando consegue, é com altas taxas de juros”, afirma Gilson Rodrigues, presidente e fundador do G10.

“A favela sofre uma espécie de embargo econômico. Os aplicativos de carro não vêm, o e-commerce não entrega e os bancos negam o crédito para quem sonha em empreender”, ressalta.

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Gilson Rodrigues, presidente e fundador do G10. Imagem: G10/Divulgação.

De acordo com Rodrigues, o G10 favelas nasce para criar soluções aos problemas que existem nas comunidades e bancarizar essa população que reúne 20 milhões de pessoas e movimenta R$ 200 bilhões ao ano, “mas que guarda o dinheiro no colchão”. Atualmente, o banco digital atende 3,5 mil pessoas, com foco na população das favelas do Brasil.

O espaço físico tem previsão para ser lançado em janeiro de 2024. “Nós atendemos, principalmente, empreendedores que precisam de acesso ao crédito, e criamos também o comitê de crédito”, explica. Além disso, foi criado também uma espécie de novo score, feito em parceria com o programa do Banco Central chamado Lift Lab, em que, a partir de uma pontuação (15 pontos) e dos comitês de crédito, os moradores podem ter acesso a empréstimos.

Ele conta que o objetivo principal é cumprir o papel social que os bancos deveriam cumprir no Brasil, de bancarização, acesso ao crédito e, principalmente, de desenvolvimento local, fazendo com que o recurso circule dentro da própria comunidade, gerando trabalho, renda e empreendedorismo.

O escritório principal se concentra em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. E, além de inaugurar uma nova sede na comunidade, o G10 pretende abrir agências físicas em novas localidades em São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Pernambuco, todas ainda no primeiro trimestre de 2024, com o objetivo de ajudar as favelas a criar um modelo de desenvolvimento através do processo de bancarização.

Para o futuro do banco, Rodrigues espera criar mais serviços e produtos para que a população possa ter acesso a serviços que os bancos oferecem. Ademais, pretende ampliar também a participação e as agências do G10 por todo o Brasil, levando crédito à população. “Cada estado terá um ‘presidente’ do banco que vai ter autonomia sobre como tratar os produtos e os negócios de acordo com o local”, acrescenta.

“Nossa expectativa principal é que o banco continue crescendo, se desenvolvendo, e que o mercado nos enxergue como clientes, porque, afinal, nós existimos e não queremos viver um embargo econômico onde a gente é visto como marginal, violento e pobre, quando, na verdade, somos marginalizados pela falta de serviços que não chegam”, reforça. Uma de suas expectativas, por exemplo, é fazer parte do grupo do WhatsApp dos presidentes de banco. “Acho que eles devem ter um. Então, eu quero participar deste grupo e ajudar a influenciar o mercado e a economia do Brasil”, finaliza Rodrigues.