|Mobile Time Latinoamérica| Com o lançamento oficial do Bre-B, a Colômbia se une à onda dos pagamentos instantâneos na região. Com essa incorporação, o país segue uma tendência regional liderada pelo Pix no Brasil, pelo SPEI e CoDi no México, e pelo SINPE Móvil na Costa Rica, onde a instantaneidade e a interoperabilidade estão redefinindo a forma como cidadãos e empresas se relacionam com o dinheiro.
No entanto, embora os bancos centrais impulsionem grande parte desses avanços, os países ainda enfrentam desafios comuns: desde a baixa bancarização até a cibersegurança e a fragmentação regulatória. Soma-se a isso o desafio de migrar para um sistema regional que integre os pagamentos imediatos.
Brasil: o pioneiro absoluto com o Pix
Cinco anos após seu lançamento, o Pix, desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, consolidou-se como o sistema de pagamentos instantâneos mais bem-sucedido do continente. Os números comprovam isso, assim como o fato de ter se tornado o principal canal para reduzir o uso de dinheiro em espécie entre os brasileiros.
Em 2025, até agosto, foram realizadas mais de 50,5 bilhões de transações, com crescimento de 25% em relação ao ano anterior. “O Pix não apenas simplificou os pagamentos; transformou a relação dos brasileiros com o sistema financeiro. Hoje, 95% dos adultos o utilizam e o dinheiro em espécie representa apenas 22% das transações”, explica Carlos Netto, CEO da Matera.
O Pix também impulsionou a inclusão financeira: a bancarização subiu de 77% em 2011 para 98% em 2022. Cerca de 170 milhões de usuários realizaram operações no sistema de pagamentos instantâneos até agosto deste ano, dos quais 149 milhões são pessoas físicas e 21 milhões são pessoas jurídicas. Em número de contas, já são 598,5 milhões.
Quanto às chaves Pix que viabilizam as transações, o sistema do Banco Central já contabiliza 890 milhões, distribuídas em: 441 milhões de chaves aleatórias; 156 milhões por número de celular; 146 milhões por CPF; 130 milhões por e-mail; e 14 milhões por CNPJ.
Atualmente, 95% da população adulta brasileira e 84% das empresas usam o Pix. O total de instituições participantes no ecossistema criado pelo regulador financeiro é de 934, em sua maioria bancos/instituições de pagamento (196) e cooperativas de crédito (581).
“Estamos falando de uma população que não tinha acesso aos grandes bancos”, disse Netto. “Com esse movimento, os bancos também se beneficiaram, já que agora têm mais depósitos em conta e gastam menos para fazer transferências bancárias”, acrescentou.
México: SPEI, CoDi e o impulso do Banxico
O México foi pioneiro com o SPEI (Sistema de Pagos Electrónicos Interbancarios), criado em 2004 pelo Banco Central, e fortaleceu seu modelo com o CoDi e o Dimo, que permitem pagamentos com QR Code e transferências usando o número de celular.
Segundo Jaime Márquez, sócio e diretor executivo de desenvolvimento de negócios na STP, “o objetivo do SPEI e do CoDi é alcançar inclusão, eficiência e segurança, mas sua expansão depende de uma maior adoção entre pequenos comércios e usuários sem conta bancária”.
A STP foi criada para democratizar os meios de pagamento desenvolvidos pelo Banco do México, conectando qualquer empresa por meio de APIs para que possam enviar e receber dinheiro em segundos.
Em 2024, o SPEI registrou cerca de 5,4 bilhões de transações, com crescimento anual acima de 35%. Durante a pandemia, os pagamentos em tempo real cresceram mais de 60%, marcando um antes e depois na adoção desses meios digitais.
Há seis anos, 95% das transações no México eram feitas em dinheiro. Hoje esse número gira entre 82% e 85%. Mas, apesar dos avanços, o México enfrenta um desafio chave: massificar a adoção e integrar todo o ecossistema.
Argentina: Transferências 3.0 e o QR interoperável
Na Argentina, o Banco Central lançou em 2021 as Transferências 3.0, com um sistema de QR interoperável que conecta bancos, carteiras digitais e fintechs. A iniciativa permitiu que, pela primeira vez, qualquer comércio que aceite pagamentos com QR possa receber dinheiro de qualquer app, independentemente do emissor.
Ainda assim, a inflação e as restrições cambiais limitam o desenvolvimento de novos casos de uso, e a expansão dos pagamentos instantâneos ainda se concentra nas grandes cidades.
Costa Rica: pioneira na América Central com o SINPE Móvil
A Costa Rica foi uma das primeiras economias latino-americanas a implementar pagamentos instantâneos com o SINPE Móvil, lançado em 2015 pelo Banco Central. O sistema permite transferências instantâneas vinculadas ao número de telefone e tem sido essencial para digitalizar o comércio e os pagamentos entre pessoas.
Hoje, mais de 90% das transações digitais do país passam por essa rede. Seu sucesso serviu de referência para outros países da região centro-americana, onde estão sendo estudados esquemas similares.
Colômbia: Bre-B e a aposta na interoperabilidade total
Em 6 de outubro de 2025, a Colômbia deu um passo decisivo com o lançamento do Bre-B, um sistema de pagamentos instantâneos e interoperáveis promovido pelo Banco da República.
“O primeiro impacto esperado é o aumento no volume de pagamentos digitais. Graças à tecnologia do Bre-B, será possível fazer transferências entre diferentes entidades com rapidez e uma experiência de usuário intuitiva, o que, a longo prazo, reduzirá o uso de dinheiro em espécie e promoverá maior formalidade”, afirmou o Banco da República em entrevista à Mobile Time Latinoamérica.
O Bre-B já conta com mais de 84 milhões de chaves e 63 meios de pagamento vinculados, refletindo a magnitude da adoção inicial. A expectativa é de que sua implementação gere um efeito dominó em todo o país, reduzindo o uso de dinheiro em espécie e promovendo interoperabilidade e bancarização.
“A Colômbia tem uma altíssima dependência do dinheiro físico. As pessoas desconfiam do que não veem. Por isso, mais do que impor uma ferramenta, é necessário criar uma experiência de uso segura e empática”, disse Ana María Prieto, diretora do Sistema de Pagamentos do Banco da República.
Os desafios além da instantaneidade
Embora os resultados sejam evidentes, a região enfrenta uma segunda etapa de maturidade: consolidar a infraestrutura, fortalecer a segurança e garantir a adoção massiva.
Cristian Sánchez, vice-presidente de vendas para a América Latina da Temenos, afirma que “pagamentos imediatos são muito mais do que velocidade; representam inclusão, segurança e competitividade. Se a região conseguir um ecossistema conectado e confiável, os benefícios serão massivos e sustentáveis”.
Pablo Pereyra Portugal, Chief Revenue Officer da 2innovate, complementa dizendo que “a adoção dependerá de a instantaneidade não ser um fim em si, mas um meio para simplificar a vida das pessoas e tornar os serviços financeiros mais acessíveis e inclusivos”.
Sánchez também alerta que as instituições devem modernizar sua infraestrutura tecnológica e migrar para arquiteturas em nuvem para oferecer experiências sem fricções. Ele destaca ainda que educar o usuário e bancarizar os excluídos é essencial para que os pagamentos imediatos sejam uma ferramenta real de inclusão.
Desafios regulatórios e de segurança
María Fernanda Quiñones, presidente executiva da Câmara Colombiana de Comércio Eletrônico (CCCE), acrescenta que a região enfrenta fragmentação legal e aumento no ciberfraude:
“Os marcos regulatórios desatualizados freiam a inovação e a interoperabilidade. Além disso, a fraude digital aumentou 32% no primeiro semestre de 2024, sendo 79% proveniente de canais móveis, o que afeta a confiança dos usuários. Sem segurança e educação, a adoção será limitada”. Ela também alerta sobre a desigualdade digital nas áreas rurais, onde apenas 43,4% têm conectividade significativa, contra 79% nas áreas urbanas.
No caso do aumento das fraudes, e com base na experiência do Pix, Jaime Márquez, da STP, aponta que “não basta criar metodologias antifraude; é preciso comunicar ao usuário como seu dinheiro está protegido e gerar confiança no sistema”, além de reforçar a importância da cooperação no ecossistema: “a melhor forma de mitigar a fraude é a colaboração constante entre instituições financeiras e reguladores”.
Rumo a uma rede regional de pagamentos instantâneos
A visão dos especialistas aponta para um futuro onde os pagamentos instantâneos não apenas agilizem as transações locais, mas também conectem economias. Del Río destaca o potencial das remessas — um mercado que movimentou mais de US$ 61 bilhões apenas entre EUA e México em 2023 — enquanto Gaudelli e Cirillo falam de uma infraestrutura aberta capaz de eliminar fricções transfronteiriças.
Angelo Cirillo, COO da iuvity, aponta que o desafio é tanto técnico quanto político: “Muitos bancos operam com sistemas antigos que não suportam pagamentos em tempo real. Soma-se a isso a ausência de padrões comuns e marcos regulatórios coordenados. Enquanto cada país tiver regras e moedas diferentes, será complexo construir soluções regionais. É necessária cooperação público-privada e padrões abertos”.
Ainda assim, alertam que, para chegar a esse cenário, será necessário um esforço coordenado: reguladores que definam padrões, bancos que modernizem seus sistemas, fintechs que inovem e governos que reduzam as lacunas digitais.
Pablo Pereyra conclui: “A integração financeira regional por meio dos pagamentos instantâneos é o próximo capítulo dessa jornada de transformação. Ainda enfrentamos grandes desafios em cada país para consolidar os pagamentos instantâneos localmente, mas, uma vez superados, o passo natural será conectar os mercados”.
Do Pix brasileiro ao recente Bre-B colombiano, a América Latina mostra que a inovação financeira pode surgir de políticas públicas e colaboração entre setores. No entanto, o desafio agora é conectar os pontos: passar de uma coleção de sistemas nacionais para um ecossistema regional que permita pagamentos em segundos, sem fronteiras.