A disputa estadual para reduzir impostos e atrair empresas, chamada em alguns casos de “guerra fiscal”, também afeta o mercado mobile, como no caso dos incentivos para a instalação de centros de distribuição de e-commerces, conforme relatado aqui.  Nesta matéria, Mobile Time explica o conceito de guerra fiscal e seus eventuais impactos para a indústria de handsets e comércio eletrônico, particularmente com a redução do ICMS.

Histórico

A professora de direito tributário da FGV-Rio Bianca Xavier explica que a peleja acontece pela falta de consenso dos representantes dos estados dentro do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz),  que é composto por secretários de Fazenda, Finanças, Economia, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal. Criado em 1975 e fortalecido na Constituição de 1988, o conselho precisa acordar por unanimidade a celebração de convênios de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais e financeiros no ICMS.

Só que a falta de consenso gera insegurança jurídica e fiscal nos estados, que aprovam leis em suas Assembleias Legislativas que são referendadas por seus governadores sem autorização do Confaz, ou seja, dos outros estados. Essa disputa ficou mais caracterizada no começo da década com o estado de São Paulo reduzindo o ICMS para manter as montadoras na região do ABC Paulista.

Em 2016, a Lei Complementar nº 155/2016 tentou impor limite para que nenhuma lei – depois daquela – pudesse dar o benefício do ICMS sem Confaz, por um determinado prazo. Mesmo assim, Xavier explica que estados como Paraná fizeram uma redução de ICMS sem aprovação do Confaz.

“Pacto Federativo com unanimidade no Confaz não existe. Tinha que ser dois terços, pelo menos. Não é impossível ter unanimidade, pois tem vários convênios do Confaz, como aconteceu na Covid-19. Mas é difícil no dia a dia”, explica Xavier.

Estados

A professora de direito tributário da FGV-Rio atenta que os três estados mais atrativos para os distribuidores e os e-commerces são Espírito Santo, Minas Gerais e Paraíba.

“Os estados têm alíquotas extremamente reduzidas e estão respaldados legalmente (pela lei complementar 160/2015 ou convênio com o Confaz)”, conta. “Mas o desafio para essas empresas é a logística. Porque o consumidor aqui no Rio de Janeiro vai comprar o celular da loja no Espírito Santo, mas quer receber em um prazo curto. Só que os dois principais mercados consumidores do Brasil, Rio e São Paulo, têm um benefício baixo para o e-commerce perto de Paraíba, Minas e Espírito Santo. O Rio nem tem benefício. Então, se pensarmos sobre essas empresas que vendem no e-commerce, a tendência delas é se estabelecerem em estados que de fato possuam alíquota reduzida”, completa.

Para Reinaldo Sakis, gerente de pesquisas da IDC, o ICMS é o ‘killer tax’. Lembra, por exemplo, que a atual isenção de corte nos preços do combustível e nos serviços de telecomunicações foi feita em cima desse imposto. Ou seja, quando a arrecadação cai, as empresas deixam os estados menos ricos. O ICMS é reduzido para atrair novos players.

“Os estados brigam para tirar do centro de consumo de São Paulo e Rio de Janeiro. Se tiver uma canetada para outras categorias de produtos, todo mundo vai migrar. Tem um monte de benefícios. A guerra fiscal começou nos anos 1990 para tirar a indústria de um lugar e colocá-la em outro. Hoje é para trazer empregos e gerar mais impostos. Enquanto tiver essa possibilidade, nós vamos continuar vendo isso”, explica Sakis.

Vale dizer que especificamente no caso da Paraíba, que praticamente zerou o ICMS por meio de decreto (40.211/2020) e está atraindo empresas como Magalu e Fast Shop, o Confaz entrou em consenso para dar o incentivo fiscal por meio dos certificados de registro e depósito nº 53 e 59/2019.  Além da Paraíba, a professora de direito tributário da FGV-Rio Bianca Xavier destaca como locais atraentes para empresas o Espírito Santo, com ICMS de 1,15%, e Minas Gerais, com 3%.

Efeitos

Reinaldo Sakis lembra que a “guerra fiscal sempre existiu” e impactou o mercado mobile. Explica que, nas análises da IDC sobre as vendas de celulares é calculada a média nacional de impostos, que fica em aproximadamente 12% de ICMS e 3,5% de PIS e Cofins.

O executivo vê que o cenário de disputa entre os estados pode se agravar com a atual redução de ICMS em combustíveis. Apenas em São Paulo, o secretário da Fazenda estadual, Felipe Salto, estima que a medida da Lei Complementar nº 194/2022 possa reduzir em R$ 4,4 bilhões a receita do estado, como dito durante o anúncio da redução do ICMS no estado no último dia 27 de junho.

“Manaus era o nosso ‘porto seguro’. Mas as empresas aproveitavam de benefícios estaduais como, a Multilaser em Extrema/MG”, completa. “O frete do envio de equipamentos de Manaus para centros de consumo e produção final como São Paulo e Rio de Janeiro é caro. Se produzisse em Ciudad del Leste, seria mais barato por ser perto, com a energia mais barata, assim como a mão de obra, e ainda tem incentivo fiscal do Mercosul. Enquanto não houver pacto federativo no Brasil, não vai dar certo. Mas duvido que isso mude de maneira rápida”, completa.

De acordo com Xavier, da FGV, a fala de Sakis faz sentido, uma vez que o panorama agravado pela redução do ICMS nos combustíveis (que dura apenas até o final do ano) pode causar a saída de empresas do País: “Os estados estão desesperados. Qualquer medida de arrecadação é bem-vinda. Por isso que a ideia de que a lei complementar 160/2016 vai acabar com a guerra fiscal é uma ilusão. Após a Covid-19 o País virou mais uma página da guerra fiscal. Cada estado quer desenvolver seu lado. Todo estado tem a sua agenda de fomento”, diz.

“Se não tiver alíquota baixa, a empresa sai do Brasil. É complicado, porque o vizinho pode se aproveitar. A guerra fiscal se tornou comum no dia a dia das empresas. Isso cria situações nebulosas, litígios e riscos. Dado que não temos uma carga tributário razoável, o empresário corre atrás do benefício”, conclui.