O argumento de que o acesso patrocinado (zero-rating) na banda larga móvel pode ajudar na inclusão digital foi rebatido por especialistas durante o 6º Fórum de Internet, evento promovido pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br) em Porto Alegre nesta quarta, 13. Na visão dos participantes, que incluíam representantes da sociedade civil, do Ministério Público Federal e da comunidade acadêmica, os efeitos de longo prazo poderiam ser nocivos. Na ocasião, trataram mais de modelos que oferecem acesso a aplicativos gratuitos pré-selecionados, ponto onde há mais controvérsia sobre supostos benefícios.

Falando como representante da associação de consumidores Proteste, a também conselheira do CGI.br, Flávia Lefèvre, interpreta que o decreto que regulamenta o Marco Civil (citando os artigos 9º e 10º) "desaconselha" o zero-rating, uma vez que a prática estaria ferindo a neutralidade de rede. "No momento em que a franquia se acaba e existe o bloqueio do acesso, com o consumidor só usando uma determinada aplicação, está havendo o bloqueio", afirma. Ela diz não ser contra o zero-rating associado a planos de dados móveis, enquanto a franquia ainda é válida. Mas lembra que a implantação de franquias reduzidas é "altamente discriminatória", uma vez que acaba forçando consumidores de baixa renda a usar o zero-rating ou a ter o acesso bloqueado.

Mestre em direito pela FGV-SP, Pedro Ramos afirma que traçou estudos sobre o tema há dois anos, pesquisando os diferentes modelos apresentados, sobretudo o Internet.org/Free Basic Services, do Facebook. Ele também interpreta que o zero-rating viola o artigo 9º do MCI sob ponto de vista "dogmático", mas chama atenção para a necessidade de se pesquisar as consequências e aspectos sócio-econômicos.

De acordo com o advogado, a análise concorrencial aponta efeitos negativos na competitividade, especialmente para novos entrantes. "Não é a criatividade que fará a lógica, e sim a parceria com gatekeepers do mercado (as operadoras) que terão a capacidade de escolher quem vai ser gratuito e pago", argumenta. Também estabelece paralelo com marcos teóricos de ciclos de dependência tecnológica nos anos 60, quando países em desenvolvimento apenas exportavam matéria prima e consumiam o produto final.

Do ponto de vista do consumidor, explica que os efeitos positivos são imediatos, com a possível redução do dividendo digital e "alguns efeitos educacionais". Mas aponta que "outros estudos falam que causam aumento de desigualdade, criando divisão entre quem acessa Internet livre e aberta, e a Internet dos pobres, limitadas aos conteúdos", sobretudo em médio e longo prazo. Ramos cita barreiras institucionais e políticas para o acesso pleno à Internet, como a disponibilidade, o preço e a apropriação (quando o cliente de fato utiliza o conteúdo e as capacidades da rede). "O debate da perspectiva do usuário é o mais complexo, com nuances difíceis", reconhece. "As externalidades vão ser percebidas a curto prazo, as negativas, somente a médio e longo prazo. Qualquer pesquisa empírica que não considerar isso vai ser enviezada", declara, referindo-se a estudos conduzidos pelas próprias empresas que ofertam o zero-rating.

Representante do Ministério Público Federal e procurador da República, Carlos Bruno Ferreira da Silva argumenta que, em uma primeira nota técnica de estudos em conjunto com grupo de perspectiva de ordem econômica, grupo de crimes cibernéticos e o grupo de comunicação social do MPF, o órgão se mostrou favorável ao zero-rating como ferramenta de inserção digital. Em um segundo momento, contudo, pouco antes do IGF 2015 (Internet Governance Forum, que acontecem em novembro, em João Pessoa), diante da oferta do Internet.org, considerou que haveria mais malefícios do que vantagens, além de trazer um modelo de negócios que "afetava a rede e havia abuso de poder econômico" por parte do Facebook. O procurador diz que a mudança para o Free Basic Services foi apenas cosmética, e que a implantação da iniciativa na Índia "confirmou nossos temores". O serviço acabou sendo proibido pelo órgão regulador indiano. Ferreira da Silva diz estar ainda aberto a pensar sobre o zero-rating, mas com preocupação em não tomar atitude "paternalista em excesso com a população".

Entidade fiscalizadora

No entendimento dos participantes, é importante que haja uma articulação conjunta de entidades como o CGI.br, a Anatel e a Senacon para contribuir na fiscalização em defesa da neutralidade de rede. Porém, o procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva criticou o modelo em que "todos fiscalizam, mas, na prática, ninguém fiscaliza". Alega que a agência reguladora de telecomunicações é "altamente hesitante" e que a Senacon não teria capacidade institucional. E acrescentou: "Tenho certeza que o MPF e o Judiciário podem atuar como segundo plano de fiscalização, mas não no primeiro plano, não é o objetivo". Da mesma forma, o gerente de produtos e mercados do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Rubens Kuhl, lembra que muitas contribuições nas consultas públicas do Marco Civil sugeriam o NIC.br. "É uma estrutura opt-in com pessoas que querem trabalhar juntas, não é um 'núcleo de intimidação e coerção' para fiscalizar coisas e punir pessoas, não é a vocação", defende, fazendo alusão ao nome da entidade.