Depois de Brasil, Argentina, Chile e Peru, o México deve ser o próximo país latino-americano a lançar o Open Gateway, iniciativa global da GSMA de padronização de APIs de redes de telefonia celular. Uruguai, Peru, Equador e Colômbia também se preparam, fazendo da América Latina uma das regiões com adoção mais rápida ao projeto, que representa uma nova fonte de receita para teles. Superado o desafio técnico de implementação, o próximo é de ordem comercial: como escalar a utilização das APIs entre os clientes corporativos na América Latina? A resposta pode estar na atuação dos integradores.
O Open Gateway consiste em desenvolver APIs de rede padronizadas, que funcionem para qualquer operadora que tenha aderido ao projeto ao redor do mundo, independentemente dos fornecedores de infraestrutura e plataformas de cada uma. Isso facilita o trabalho de desenvolvedores de aplicativos e outras soluções de software que consumam dados das redes de telecom: em vez de desenvolver versões diferentes para cada operadora, a mesma programação serve para todas as teles com as quais tenha contrato comercial para acesso a determinada API.
“A ideia é que uma facilidade de rede desenvolvida na Colômbia seja exatamente igual à que é desenvolvida no Paquistão. Com isso, o que se obtém é a universalização do uso dos recursos de rede. Qualquer operadora que utilize o Open Gateway, com qualquer desenvolvedor do mundo, pode combinar a capacidade da rede com a capacidade de desenvolvimento em nuvem para gerar serviços. Esse é o conceito por trás do Open Gateway: escalar e universalizar”, descreve Alejandro Adamowicz, diretor de tecnologia e estratégia da GSMA na América Latina, em conversa com Mobile Time.

Alejandro Adamowicz, da GSMA (Crédito: divulgação)
O Brasil foi o pioneiro na região e o segundo no mundo a lançar APIs do Open Gateway em um movimento multioperadora, no começo de 2024. Claro, TIM e Vivo, as três maiores operadoras que atuam no país, disponibilizaram juntas as APIs de SIM Swap, Number Verification e Device Location. Mais recentemente, em 2025, lançaram juntas a API de Know Your Customer (KYC).
A Argentina e o Chile embarcaram em novembro do ano passado, ambos os países com a participação das principais operadoras e quase as mesmas APIs. A Argentina adotou quatro: SIM Swap, Number Verification, Device Location e Device Status. O Chile só deixou de fora a de Number Verification, por enquanto. E o Peru é o caçula da lista: suas operadoras lançaram comercialmente o Open Gateway em fevereiro de 2025, com as mesmas quatro APIs da Argentina.
No mundo, 284 redes de 73 grupos de telecomunicações já aderiram ao projeto, o que significa que 78% da base mundial de usuários móveis está coberta por pelo menos uma API do Open Gateway. Na América Latina, esse percentual chega a 90%, informa a GSMA.
Segurança puxa demanda na América Latina
Uma das explicações para o interesse da América Latina pelo Open Gateway está nas APIs de combate à fraude. A região vive sérios problemas de segurança cibernética, com golpes financeiros digitais em escala massiva. Um golpe comum na região é o roubo do número móvel para acessar contas bancárias. Por meio de apresentação de documentos falsos às operadoras, o bandido se passa pela vítima, gera um SIMcard novo com seu número telefônico e, a partir da recuperação de senhas por SMS, acessa sua conta em apps bancários ou de e-commerce. Pela API de SIM Swap, um banco ou qualquer outra empresa pode consultar se um determinado número trocou de SIMcard há pouco tempo, como, por exemplo, nas últimas 24 ou 48 horas. Isso levantaria suspeita em caso de pedido de recuperação de senha.
No Brasil, poucos meses após o seu lançamento, a API de SIM Swap já contabilizava cerca de 10 milhões de chamadas mensais. De lá para cá, fontes afirmam que houve crescimento da ordem de 15% no volume mensal. Cabe destacar, contudo, que boa parte dessa demanda já era atendida antes do Open Gateway, mas por meio de APIs individuais criadas por cada operadora separadamente. O Open Gateway ajudou a padronizar os esforços de desenvolvimento, unificando as APIs de SIM Swap em uma só.
As outras APIs lançadas na região conjuntamente pelas operadoras também estão relacionadas à segurança digital. A de verificação de número, por exemplo, realiza uma checagem silenciosa para confirmar ou não se determinado número está de fato em um dispositivo. Na prática, ela substitui a necessidade de envio de senha temporária por SMS. O custo é um pouco mais caro que o SMS, mas o processo de verificação é mais rápido e menos trabalhoso para o usuário final, que não precisa copiar e colar a senha entre um app e outro. A Infobip, que atua como integradora do Openj Gateway, já tem dez clientes no Brasil usando a API de verificação de número. E o TikTok estava previsto para começar agora em maio. É uma API útil especialmente no processo de onboarding, quando o cliente está se cadastrando em um serviço ou abrindo uma conta em um banco digital.

Caio Borges, da Infobip (Crédito: divulgação)
“Os que mais usam a API de verificação de número são bancos e redes sociais. É silencioso e rápido. Está começando a ter tração agora”, relata Caio Borges, country manager da Infobip no Brasil.
A API de localização de dispositivo, por sua vez, verifica se o celular está ou não em um determinado endereço. A de status do device informa se o telefone se encontra em roaming. E a de KYC confere se determinados dados cadastrais informados por um consumidor estão associados àquele número telefônico, como nome, CPF, endereço, email e data de nascimento. A principal utilidade dessas três APIs também é a segurança.
Competição e necessidade financeira
A competição equilibrada entre operadoras é um impulsionador do Open Gateway. Nos mercados aonde a disputa é mais acirrada, o benefício de se unificar as APIs é mais claro do que naqueles em que há um player dominante. Isso explicaria o pioneirismo do Brasil, aonde as três principais teles estão próximas, com cerca de 30% de market share cada. E também explicaria a demora no México e na Colômbia, aonde Telcel e Claro, respectivamente, têm mais de 50% de participação de mercado.
Adamowicz acrescenta ainda uma razão econômica para o sucesso do Open Gateway na América Latina: uma necessidade mais premente das teles na região de criar novas fontes de receita.
“Houve, inicialmente, muito entusiasmo por parte das operadoras na América Latina. A estratégia das teles é gerar novas receitas ou participar de forma mais ativa e mais rentável, em termos econômicos, do ecossistema digital. Isso é ainda mais evidente na América Latina, pois as operadoras da região enfrentam um nível um pouco maior de estresse financeiro”, analisa o diretor da GSMA.
Oportunidade para integradores
Se por um lado o Open Gateway resolve um problema técnico com a padronização de APIs de rede, por outro deixa em aberto a comercialização dessas APIs. Isso abre espaço para a atuação de integradores.
Ou seja, o desenvolvedor que quer ter acesso a dados de redes de várias operadoras de um país para o seu app agora só precisa programar pensando em uma API, mas ainda precisaria fechar acordos comerciais separados com cada operadora. O problema é resolvido por meio de integradores que se conectam a múltiplas operadoras e oferecem ao mercado corporativo um canal único para a contratação das APIs do Open Gateway.
O papel de integrador pode ser cumprido por empresa de diferentes naturezas. Aquelas que já atuam como integradores de outro serviços móveis, como SMS, RCS e direct carrier billing, levam vantagem, porque estão conectados às teles e têm relacionamento comercial com elas. Se for um integrador que já trabalhava com APIs pré-Open Gateway, melhor ainda. É o caso da Infobip, que comercializava as APIs individuais de SIM Swap no Brasil, por exemplo.

André Andrade, da Bemobi (Crédito: Divulgação)
Outro exemplo de empresa que tem um relacionamento próximo com as teles e vai acrescentar o Open Gateway em seu portfólio é a brasileira Bemobi, que atua na área de recargas das operadoras e também com monetização de dados, especialmente no México e na Colômbia. Sua intenção é adicionar o Open Gateway ao seu Bemobi Data Studio, um data lake com dados anonimizados extraídos das redes das operadoras para auxiliar instituições financeiras e varejistas na construção de score de crédito e outras aplicações.
“Muitas APIs do Open Gateway estão em estágio inicial. Há mais de 35 delas, e pretendemos usar todas. Algumas são muito segmentadas, endereçam nichos pequenos. Mas quando se somam a outras informações passam a ter um valor diferente”, comenta André Andrade, vice-presidente da Bemobi para a América Latina.
Hyperscalers também podem ser um canal de comercialização do Opejn Gateway, incluindo suas APIs como mais um serviço em seus portfólios. Microsoft e AWS estão entre as primeiras a abraçar a ideia.
E estão surgindo novos players em âmbito nacional, regional e global para explorar essa oportunidade de integração entre as teles para a venda do Open Gateway. Em alguns deles, as operadoras estão se juntando como sócias. Na América Latina, a Intraway e a Telecom Argentina criaram a Opexpand, para explorar a venda das APIs do Open Gateway na região. A nível global, a Ericsson pretende fazer o mesmo através da Aduna, uma nova empresa que criou em parceria com teles do mundo inteiro: América Móvil, AT&T, Bharti Airtel, Deutsche Telekom, Orange, Reliance Jio, Singtel, Telefónica, Telstra, T-Mobile, Verizon e Vodafone
Os integradores serão peça chave para o sucesso comercial do Open Gateway. Eles é que serão a ponta de lança para alcançar os clientes corporativos, dos maiores até os menores, a cauda longa. A tendência é que empresas que precisem de acesso a APIs de operadoras locais busquem integradores locais. Quem precisar de conexão internacional, realizando chamadas para APIs de operadoras do mundo inteiro, vai procurar players globais, como Aduna, Infobip ou hyperscalers.
Mais APIs a caminho
A história do Open Gateway na América Latina está apenas começando. A experiência não vai se limitar a APIs relacionadas a segurança. Existem muitas outras a serem exploradas.
A operadora brasileira Vivo é uma das que já disponibiliza outras APIs do Open Gateway, mesmo sem ser acompanhada pelas outras teles do país. Uma delas é a de Quality on Demand (QoD), que permite que determinadas funcionalidades em um app tenham acesso prioritário na rede. O banco Itaú é um dos primeiros a testar a novidade dentro do seu app, para agilizar pagamentos e transferências, mesmo se o cliente estiver em um local lotado de gente e com a rede móvel sobrecarregada. Em seus primeiros testes com QoD, a velocidade chegou a ser cinco vezes maior do que seria sem a API.
A Vivo também promete trazer outras APIs do Open Gateway, como a de Scam Signal, que confirma se usuário de um determinado dispositivo móvel se encontra em ligação, e a Tenure, que verifica o tempo de permanência do usuário a um número de telefone com sua operadora móvel atual.
A importância do Open Gateway
O Open Gateway é, portanto, um passo importante no processo de transformação das telcos em techcos, companhias de tecnologia, que vendem não apenas conectividade, mas dados e outros serviços digitais associados às suas redes. Representa também uma nova forma de gerar valor sobre a infraestrutura que construíram, acelerando o retorno sobre o investimento nas redes 5G. Mas seu sucesso comercial depende, sem dúvida, da parceria com integradores e de uma precificação atraente.

Infográfico do Open Gateway na América Latina (Crédito: Mobile Time)
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MobiXD
Um balanço da adoção do Open Gateway e também do RCS será discutido em um painel no 4º MobiXD, evento organizado por Mobile Time que acontecerá dia 20 de maio, no WTC, em São Paulo. Brasil. Estão confirmadas as participações de:
Ageu Dantas, head de data analytics e mensageria, Claro
Andrea Faustino, vice-presidente de serviços de cloud e software, Ericsson
Bruno Cezzaretto, coordenador de telecom, Itaú Unibanco
Daniela Gomide, gerente de ações comerciais Bradesco Cartões / data engineer manager, Bradesco
A agenda completa e mais informações estão disponíveis em www.mobixd.com.br
A ilustração no alto foi produzida por Mobile Time com IA