A sanção da Lei. 14.811/2024, que trata da proteção à criança e ao adolescente contra a violência e estabelece punição para casos de bullying e cyberbullying é um bom início, mas ainda há um longo caminho a percorrer, segundo especialistas no público em questão. Segundo Itamar Batista Gonçalves, Superintendente de Advocacy da Childhood Brasil, um dos entraves é a não responsabilização das plataformas digitais em hospedar imagens e vídeos ilegais que expõem os menores de idade.

Childhood Brasil

Itamar Gonçalves, superintendente da Childhood Brasil. Foto: divulgação

“A lei não vai dar conta de reduzir o número de crimes no ambiente online de violência sexual, por exemplo. Isso porque o texto não passa por diversas questões, entre elas a responsabilização das plataformas digitais. Os veículos hospedam e as plataformas servem de locais de depósitos e de compartilhamento desse tipo de imagens e produtos”, alerta.

Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, acredita que a regulação das plataformas digitais é fundamental para que menores de idade não sejam expostos a ideias extremistas que incentivam a violência.

“Especificamente em relação ao ambiente online, a regulação das plataformas digitais com foco no melhor interesse de crianças e adolescentes é fundamental como medida de prevenção ao recrutamento e estímulo de crianças e adolescentes por grupos extremistas que atuam no digital, que acabam incentivando uma conduta violenta e discriminatória. Considerando que boa parte das interações entre estudantes, inclusive os conflitos e as situações de violência, ocorrem pelos meios digitais, os protocolos e fluxos para as medidas de proteção precisam ser muito bem definidos nos ambientes digitais”, acredita.

Apesar de apontar para esta ausência na lei, tanto Mello quanto Gonçalves acreditam que o País avançou na questão de cyberbullying contra crianças e adolescentes.

Decreto de regulamentação e promoção de ações pedagógicas

Outro ponto que o representante da Childhood Brasil reforça é que o País precisa delinear muito bem o decreto de regulamentação da lei.

“É um bom início, no entanto ainda temos muito a aprimorar e monitorar quando estivermos no próximo passo, que é o decreto de regulamentação dessa lei”, explica. Para Gonçalves, as atenções agora devem estar em quais parâmetros e diretrizes serão aplicados. “Por exemplo, a lei fala do foco de atuação nesses espaços escolares, da criação de protocolos de um projeto nacional de prevenção à violência, mas quem vai fazer? Onde isso estará hospedado? Quem vai liderar? Ainda temos um segundo capítulo dessa história pela frente”, explica.

Instituto Alana

Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana. Foto: divulgação

Mello salienta para o risco de se concentrar os esforços na criminalização das condutas em vez de promover ações pedagógicas, importantes quando o cyberbullying é cometido também por menores de idade.

“Ter o tipo penal ajuda nos casos graves que chegam às autoridades, mas não podemos deixar de priorizar os aspectos pedagógicos, éticos e sociais que estão nas raízes das situações de discriminação. Nesse sentido, temos preocupação com a criminalização de adolescentes nos conflitos escolares, que deveriam ser tratados de forma pedagógica, inclusive como forma de aprendizado de resolução pacífica de conflitos. Outro ponto de atenção é no sentido de não apagar o cometimento de crimes já previstos no Código Penal, uma vez que ações descritas no crime de intimidação (bullying e cyberbullying) podem se referir a injúria racial”, exemplifica.

Pais devem ficar atentos

Sob o ponto de vista direcionado às crianças da primeira infância, Marina Fragata, diretora de Conhecimento Aplicado na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, salienta a importância do papel de pais e responsáveis em relação à exposição das crianças na Internet e os impactos que isso pode gerar nos pequenos e pequenas. “Afinal, até que ponto publicar imagens e informações sobre uma criança pode comprometer a sua segurança, afetar a construção de sua identidade e ainda impactar seu desenvolvimento?”, questiona.

Fragata lembra que a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que bebês e crianças pequenas não devem ser expostas à tela até os dois anos de idade. “A primeira infância (0 a 6 anos) é a etapa da vida em que a criança apresenta maior desenvolvimento cerebral e é quando se formam as bases de habilidades cognitivas, socioemocionais e motoras”, explica.

Lembra ainda que os termos de uso de plataformas e redes sociais autorizam somente pessoas acima dos 13 anos a usarem suas aplicações, ainda que supervisionados por pais ou cuidadores. “Contudo, há crianças pequenas que apresentam perfis em redes sociais e algumas viram até influenciadoras digitais. Dependendo do grau de exposição, isso pode afetar desde seu desempenho escolar até questões relacionadas à saúde mental, como ansiedade, depressão e autoestima”, conclui.

As plataformas digitais

Mobile Time procurou Meta e Google para comentarem sobre a Lei 14.811/2024. A Meta optou por não comentar e o Google enviou um comunicado. Nele, explica que as suas aplicações contam com políticas e termos de uso que proíbem discurso de ódio e a exibição de conteúdo sexualmente explícito e que elas são aplicadas, além de oferecer canais de denúncias. Leia o comunicado na íntegra:

“A segurança de todas as pessoas que usam as nossas plataformas é nossa prioridade. No YouTube, temos políticas que não permitem conteúdo que contenha discurso de ódio, incluindo ofensas com base em características físicas, idade, deficiência, etnia, gênero, orientação sexual ou raça. Também proíbimos a exibição de conteúdo sexualmente explícito, inclusive com menores, ou que mostre imagens de exploração sexual em outros produtos, como a Busca. Todo material de abuso sexual infantil encontrado é denunciado ao National Center for Missing and Exploited Children (NCMEC), que coopera com autoridades governamentais no mundo todo. Outros comportamentos prejudiciais, como ameaças ou doxxing, também não são permitidos. Nossas políticas são aplicadas de forma consistente e oferecemos canais de denúncia para nossos usuários.”