Vamos começar este artigo dizendo: se você nunca ouviu falar de “chips independentes de rede”, você não está sozinho.
O motivo é simples: sua comercialização por empresas que não são operadoras de celulares é proibida na maior parte do mundo, e as operadoras, reais ou virtuais, quando o comercializam, terminam com sua principal característica, a programabilidade. A exceção é a Holanda, que mudou sua legislação há algumas semanas e deu legalidade à toda esta questão.

Mas, o que são esses chips, conhecidos no mundo como “network agnostic SIMcards”, e qual é a importância da decisão holandesa, tentando no final responder à seguinte pergunta: será que isto mudará algo?

No mundo conhecido por nós hoje em dia, compramos nossos chips de operadoras – virtual ou não – e essas operadoras definem os planos oferecidos e conectam os chips a esses planos. Nós compramos o chip, o colocamos no aparelho, e neste momento passamos a ser cliente de uma operadora por quanto tempo dure o nosso plano. Isto quer dizer que pela duração do plano nós também pagamos extras para serviços não incluídos: roaming nacional e internacional, chamadas para outras redes, Internet etc.

Durante os últimos anos entramos em um processo de migração para um mundo dominado pela chamada “Internet of things” (a Internet das Coisas), que trata da inclusão de funcionalidade de Internet em objetos domésticos: partes de nossa casa, aparelhos domésticos, lâmpadas inteligentes, e até mesmo os nossos carros. Na maior parte das aplicações esses objetos requerem uma conexão Wi-Fi, mas, pouco a pouco, com a ascensão do 4G, vemos mais e mais aplicações de Internet das coisas conectadas a redes celulares.

Agora, tentem imaginar, no momento em que todos os objetos possíveis forem celulares, quantos chips e quantos planos teremos que comprar e manter, renovar, verificar preços… e cada vez que mudarmos de operadora, talvez mudar todos…
E ainda não começamos a falar dos smartphones; antes abordemos outro conceito básico antes de entrar no mérito dos chips agnósticos. O conceito é o MVNO, ou em português, a “operadora virtual”, que são companhias que operam como operadoras normais, todavia não possuem suas próprias redes celulares.

Muito bem, agora vamos tentar por todos esses conceitos juntos.

Digamos que vocês têm um smartphone da Apple ou da Sony, um carro da BMW, e lâmpadas inteligentes da Philips, câmeras celulares instaladas no jardim, e outros acessórios celulares espalhados por toda parte. Que podemos fazer para diminuir o trabalho de gerenciamento de todas estas contas celulares? Aqui entra o “chip agnóstico à rede”. Este seria um chip SIM vendido sob uma condição: que ele não pertença a nenhuma rede. Ele pode na verdade ser programado mais tarde para a sua atual rede ou seu provedor e reprogramados quantas vezes se desejar.

Como o usaríamos propriamente? A ideia é simples: nosso provedor celular não seria mais a nossa operadora, e sim o fabricante do equipamento. Comecemos com o exemplo do smartphone da Sony. Considerem a possibilidade que a Sony se transformasse numa operadora virtual, comprasse air-time de diferentes operadoras nos quatro cantos do mundo, inclusive operadoras diferentes no mesmo país. A companhia programaria o chip (que ela incluiu de fábrica no telefone) para a rede celular das operadoras com quem ela tem acordos na sua região. Da mesma forma, em caso de uma viajem internacional, no momento em que você desce do avião, a Sony poderá reprogramar o chip para as redes locais, e neste momento desapareceriam as taxas de roaming. A Sony poderia também (por intermédio de software) fazer um roteamento das ligações que chegam ao número local de você no país de origem para o número local no país aonde estão, via internet, e com isto também solucionar a questão de manter a presença celular com baixo custo.

Passemos agora à BMW: sabemos da importância de ter boa recepção durante as viagens, tanto para que se possa falar pelos sistemas do carro sem tirar a atenção da estrada, como também para que todos os upgrades dos sistemas do carro sejam instalados sem problema em qualquer lugar e a qualquer velocidade. A melhor cobertura em São Paulo pode não ser da mesma companhia que tem a melhor cobertura em todo o caminho de lá até Maceió. Neste caso, a BMW, nas condições de uma operadora virtual que comprou minutos de todas as operadoras, pode migrar vocês de operadora a operadora de acordo com parâmetros de preço e recepção locais, mantendo vocês a um preço fixo.

Eu poderia continuar com cada um dos tipos de acessórios: lâmpadas, fornos, câmeras, aparelhos de ar-condicionado, etc, mas acredito que os dois exemplos acima são o suficiente para acionar a imaginação de cada um dos leitores.

Qual é então o significado da decisão holandesa de mudar suas leis e aceitá-los? Será que mudará alguma coisa?
A iniciativa holandesa pode ser a marca de um novo ciclo, se ela alavancar uma decisão semelhante dos órgãos reguladores da União Europeia. A legalização pela UE traria em cerca de um ou dois anos uma homologação de todos os países membros, que então seriam seguidos pelos EUA e por outras partes do mundo. E neste momento o mercado estaria pronto para o início de uma operação deste tipo.

Assim sendo, a decisão holandesa é só um primeiro passo, mas pode ser o sinal que estamos nos aproximando de um ponto de maturação tecnológica e ideológica que poderá romper o modo em que hoje nos comportamos com relação ao nosso celular, nossos equipamentos de uso diário e nossa atual presença na Internet.

Eu sugiro a todos que continuem seguindo as novidades sobre este assunto. Eu certamente as seguirei.