Como o brasileiro se sente em relação à tecnologia? Quais são as perspectivas que a tecnologia traz para o futuro – ela é uma ameaça ou uma oportunidade? Para responder a esses e outros questionamentos, o professor de Gestão de Tecnologia e Modelos de Negócios Digitais da FGV-RJ, André Miceli, desenvolve a cada seis meses a pesquisa Indicador de Confiança Digital (ICD). A proposta é que ela apresente um indicador – um número de 1 a 5 – capaz de medir a intenção de uso de dispositivos tecnológicos do brasileiro. Esta é a terceira edição da pesquisa e o índice nunca foi tão baixo: 3,2 (porém, ainda acima de 3, número considerado neutro). Um ano atrás, na primeira medição, o ICD foi de 3,33, o que representa queda de 3,2%. A atual medição aponta que, aparentemente, “quanto maior é o entendimento das pessoas sobre o ambiente digital, maior também é a percepção delas de que os dispositivos digitais são um bem e um mal simultaneamente”, escreveu Miceli em seu relatório.

Em entrevista para Mobile Time, o professor explicou os motivos para este ser o pior indicador desde o início da pesquisa. “Acredito que isso tenha ocorrido porque, nesse período, tivemos vários escândalos na política, vazamentos de dados, invasões de hackers e as fake news continuaram. Esses fatores afetaram a forma como o público vê a tecnologia. A tensão e a polaridade política presentes nas redes sociais também podem ter influenciado nesse resultado”.

Surpreendentemente, o índice foi puxado para baixo pelo pessimismo entre os adolescentes (13 a 17 anos) quando o assunto é tecnologia. O ICD entre esse público é de 3, o menor do estudo. O valor desce mais um pouco quando o recorte é feito com entrevistados com Ensino Fundamental completo, que coincide com o público dessa faixa etária: 2,78. Segundo Miceli, um dos fatores para o pessimismo é a síndrome FoMO (sigla para Fear of Missing Out), quando a pessoa acha que está perdendo algo por não estar nas redes sociais, por exemplo. “As meninas estão preocupadas com privacidade e mais de 85% dos meninos sofreram ameaça física por meio de algum dispositivo eletrônico”, conta o coordenador.

Em contraposição, a pesquisa constatou um otimismo dos entrevistados com idade entre 55 e 64 anos, apresentando ICD de 3,57. Nesse grupo, na afirmação “a tecnologia me ajuda a relaxar”, 75% dos pesquisados estão de acordo com a frase. Para quem tem mais de 65 anos o número sobe para 83,3%. No caso da afirmação “sou otimista a respeito do futuro da tecnologia”, 71,4% concordaram com a frase, e 79,4% concordam com “estou mais perto dos meus amigos e parentes em função da tecnologia”. Para essa afirmativa, 100% dos entrevistados com mais de 65 anos concordaram com a frase.

“Esse é um grupo que está mais aberto à tecnologia. Por outro lado, é o segmento que acaba caindo mais em fake news ou em ataques de hackers em parte por não conhecer tanto sobre tecnologia. O resultado surpreendeu num primeiro momento, mas olhando de forma mais profunda, faz sentido porque é um grupo que está na fase da euforia dos dispositivos – ele acredita que a tecnologia o ajuda a reencontrar amigos perdidos, a estar a um clique de distância da família, por exemplo.”

 

Perspectiva negativa

A queda na média do ICD em um ano aconteceu especialmente por conta do aumento de pessoas que concordam com a frase “a tecnologia me traz angústia e ansiedade”. Porém, uma outra afirmação negativa, “muitas pessoas vão perder o emprego em função da tecnologia”, notou-se uma melhora sutil.

Propósito

De acordo com Miceli, a pesquisa tem como meta auxiliar não apenas o setor de marketing a direcionar campanhas a um público específico a partir desses resultados, como também a ajudar os governos a desenvolverem políticas públicas.

“Na prática, o que queremos é antecipar os movimentos e auxiliar o mercado”, explica. O curioso, segundo o professor, é que as campanhas de produtos ou serviços tecnológicos são direcionadas aos jovens e não aos com mais de 50, justamente os mais otimistas. “Há uma invisibilidade digital desse grupo e as campanhas ou focam no muito jovem ou naqueles com até 45 anos. Por isso, acreditamos que o ICD poderá ajudar empresas a montarem seu modelo de negócios, por exemplo, ou a fazer com que o estado crie políticas públicas para esse público mais otimista”.

Metodologia

A pesquisa acontece a cada seis meses. A primeira edição acabou repercutindo o período pré-eleitoral. A segunda, no período logo após a a última onda de vazamentos de dados, hackeamento e a continuação da divisão no campo político.

Foram entrevistadas 2 mil pessoas por formulário online, mas também nas ruas. A ideia era tentar encontrar quem não se conectava em hipótese alguma, mas essa pessoa não foi encontrada.

A pesquisa usou a escala Likert, onde 1 é discordo totalmente e 5 concordo totalmente e 3 é neutro. O score de cada pergunta é feito por meio da média aritmética de todas as respostas com os valores correspondentes.