A maioria da população brasileira tem acesso à Internet, especialmente através das redes móveis. Mas qual é a qualidade desse acesso? Em meio a uma pandemia que obriga as pessoas a trabalharem e a estudarem dentro de suas casas, torna-se fundamental que seja um acesso com boa cobertura e velocidade. A A4AI, braço da Web Foundation, advoga que governos adotem em suas políticas públicas de fomento à Internet o conceito de “conectividade significativa”. Nathalia Foditsch, especialista sênior em políticas e regulação da A4AI / Web Foundation, fará uma palestra sobre o tema durante a 20ª edição do Tela Viva Móvel, dia 11 de maio. Ela conversou cm Mobile Time por email e adiantou na entrevista abaixo um pouco mais sobre esse novo conceito para medir conectividade e auxiliar políticas públicas.

Mobile Time – Qual é a definição de “conectividade significativa”? 

Nathalia Foditsch – A meta de “conectividade significativa” é uma ferramenta para elevar o padrão de acesso à Internet e definir objetivos de políticas mais ambiciosas para o desenvolvimento digital. As dimensões da meta são: (i) uso frequente da Internet; (ii) um dispositivo apropriado; (iii) dados suficientes; e (iv) uma conexão rápida. 

Quais critérios são considerados na análise de “conectividade significativa”: velocidade de acesso, franquia de dados, cobertura, aparelho utilizado etc? Quais os parâmetros mínimos para cada um?

Para estabelecer a meta de “conectividade significativa”, suas dimensões e limites mínimos, a A4AI pesquisou, inicialmente, três países (Colômbia, Gana e Indonésia). Assim, foi possível identificar os aspectos do acesso que importam mais aos usuários. Abaixo seguem as dimensões e seus respectivos limites mínimos. 

Dimensão

Limite Mínimo

Uso frequente da Internet

Uso diário

Um dispositivo apropriado

Acesso a um smartphone

Dados suficientes

Banda larga ilimitada em casa ou no lugar de trabalho ou estudo

Uma conexão rápida

Conexão compatível com 4G

É importante ressaltar que a “conectividade significativa” é um conceito que será aplicado em escala global. Assim, muito embora os limites mínimos descritos acima possam parecer estar aquém do desejado por países muito desenvolvidos, eles se aplicam para a maioria dos países do mundo. De fato, mesmo em países desenvolvidos, por vezes encontramos partes da população com menor renda mensal, e que não conseguem acessar à Internet da forma como gostariam, ou por um valor acessível. 

Por que decidiram criar o conceito de “conectividade significativa”? 

Nathália Foditsch: “A questão é: não ter acesso neste momento, ou ter um acesso precário, sem dados suficientes ou lento, é um problema ainda maior do que era um ano atrás, antes do início da pandemia.”

A A4AI decidiu propor uma nova meta para o acesso à Internet em 2019, ao concluir que uma nova medida de acesso à internet era necessária. Isto porque, métricas binárias (e.g. com acesso ou sem acesso) não são suficientes, pois é preciso entender a qualidade da conexão que as pessoas têm. A ideia é que as dimensões e limites da “conectividade significativa” guiem os formuladores de políticas públicas em todo o mundo. A A4AI tem como objetivo garantir que a Internet se torne uma ferramenta para o desenvolvimento e bem-estar da população mundial, não uma ferramenta que reforce as desigualdades que encontramos atualmente na maioria dos países. 

O IBGE divulgou recentemente os novos dados da PNAD Contínua referentes a TICs. Há 12,6 milhões de residências sem Internet no Brasil. Qual a sua avaliação sobre a evolução do acesso à Internet no país hoje?

O acesso à Internet no Brasil tem evoluído, sem dúvidas. A questão é: não ter acesso neste momento, ou ter um acesso precário, sem dados suficientes ou lento, é um problema ainda maior do que era um ano atrás, antes do início da pandemia. As residências que não têm acesso não conseguem, por exemplo, participar de aulas online. Desta forma, é urgente pensar em medidas de curto prazo, sem esquecer do plano de médio e longo prazos. 

Muita gente no Brasil acessa a Internet exclusivamente pelo celular, porque não tem computador ou não tem banda larga em casa. Qual a sua opinião sobre o uso do celular como meio de acesso à Internet?

O uso exclusivo pelo celular é, de fato, muito comum no Brasil, e esta realidade é ainda mais presente nas regiões norte e nordeste do país. Isso vem sendo apontado pela PNAD deste ano e também de anos anteriores. O uso do celular não é um problema, pelo contrário, temos visto que ele tem “salvado” muita gente no decorrer da pandemia. Mais importante do que o tipo de dispositivo, é a quantidade de dados e a qualidade e velocidade da conexão. No entanto, um cenário ideal é aquele no qual as pessoas possam acessar diversos tipos de dispositivos, de acordo com suas demandas e necessidades. Assim, o acesso a computadores e laptops também é de grande importância e deve ser levado em consideração por formuladores de política pública. 

Qual a sua opinião sobre a prática do zero rating pelas operadoras móveis, que significa liberar acesso para alguns apps sem descontar da franquia de dados?

A “conectividade significativa” que defendemos é aquela por meio da qual podemos acessar quaisquer conteúdos disponíveis na Internet, não apenas um número restrito de aplicativos. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que não há apenas um zero rating, mas vários modelos de negócio que podem ser considerados como zero rating. Além disso, não se trata de algo “ruim” ou “bom” per se, pois isto depende do contexto jurídico-regulatório de cada país, e também depende de como estas operações são feitas. Por exemplo, o benefício do auxílio emergencial poder ser acessado sem cobrança de franquia, algo que foi implementado no último ano, ou o livre acesso a informações de saúde oficiais do Governo são iniciativas louváveis, uma vez que se tratam de serviços do governo aos cidadãos. De qualquer forma, quando o zero rating se refere a conteúdos e serviços privados, um dos maiores problemas é que apenas empresas com elevado poder de mercado conseguem fazer estes arranjos comerciais com as operadoras, uma situação que também ocorre no Brasil. 

Qual a sua opinião sobre a oferta de Internet móvel em troca de exibição de publicidade? Recentemente foi lançada uma MVNO no Brasil com esse modelo de negócios, a Veek.

Se estas MVNOs oferecem acesso a todo o conteúdo da Internet e usam os dados dos usuários de forma a respeitar sua privacidade e a proteção de seus dados pessoais, é possível que esta seja mais uma forma de oferecer acesso à Internet, o que é positivo. De fato, a maioria dos serviços e conteúdos oferecidos na Internet são baseados em modelos de negócio que têm relação com publicidade e marketing, e talvez este modelo não seja tão diferente dos demais modelos existentes. No entanto, não sei detalhes sobre o modelo de negócios da Veek, então não tenho como fazer uma análise aprofundada a respeito. 

Já conversaram com a Anatel e/ou com o Ministério das Comunicações sobre o conceito de conectividade significativa?

Nossa atuação está centrada nas organizações regionais e globais (e.g. UIT, Banco Mundial etc) e mais especificamente nos países nos quais temos coalizões estabelecidas (países na África, Ásia e América Latina, mas o Brasil não está entre eles), e nos países nos quais temos projetos em andamento. Assim, seria um prazer conversar com a Anatel a respeito, embora isto não tenha ocorrido. 

Como está a aplicação do conceito em políticas públicas ao redor do mundo? 

A República Dominicana acaba de adotar, e países como Benin, Costa Rica e Moçambique estão tomando passos na mesma direção. Em âmbito internacional, as Nações Unidas e o Banco Mundial também estão discutindo este conceito pelo qual advogamos.