A Anatel quer ouvir a sociedade civil sobre a possibilidade de se instituir oficialmente o fair share (ou network fee) para todas as plataformas digitais ou para um conjunto delimitado delas. A proposta surge em meio à segunda tomada de subsídios que a agência abriu sobre regulação de deveres dos usuários. Vale lembrar que a primeira aconteceu no ano passado e a agência recebeu 627 contribuições.

Para tentar solucionar o possível problema do dilema das operadoras de telecom entre financiar a expansão da rede (como o 5G) ou aumentar sua capacidade de tráfego, a nova tomada de subsídios apresenta sete “alternativas preliminares”. A primeira delas, e que está em todos os temas propostos na tomada de subsídios, é a manutenção do status quo.

A outra alternativa é flexibilizar o modelo de negócios das operadoras para permitir “maior liberdade de oferta e, consequentemente, maior poder de barganha para os detentores da infraestrutura de telecomunicações.”

Há ainda as alternativas de se taxar as plataformas digitais – em sua totalidade ou somente um grupo delimitado – e ainda a obrigatoriedade de contribuir para um fundo de conectividade por parte de conjunto delimitado das plataformas digitais.

E, por fim, a última alternativa preliminar estabelecida pela Anatel é o “aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias entre agentes de diferentes elos da cadeia digital.”

O fair share é um tema polêmico. Em setembro, houve um manifesto global contra a cobrança da taxa. Durante o Painel Telebrasil Summit do ano passado, Mario Girasole, VP de assuntos regulatórios, institucionais e relações com a imprensa da TIM, explicou que uma operadora de telecom tem recursos finitos e que a rede precisa ser incrementada e aperfeiçoada constantemente para entregar alta performance. “Não tem um tubo de gás ou de rede elétrica que tenha crescido como a rede móvel cresceu. Nos últimos, dois, três anos, o tráfego da rede móvel triplicou. Precisamos escolher entre aumentar a densidade de rede em uma região ou expandir o 5G para outras localidades mais periféricas. Não conseguimos fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, disse na época.

STIR/SHAKEN

Em outro tema abordado pela Anatel – uso massivo das redes no tráfego de voz, em especial chamadas abusivas no STFC e no SMP – está a possibilidade do uso de ferramentas de identificação de chamadas de voz, com o nome da empresa ou entidade realizando a chamada – como faz o STIR/SHAKEN – para solucionar a questão.

Entre as outras alternativas para mitigar o uso excessivo das chamadas de curta distância ou abusivas estão:

– aprimorar a regulação quanto aos contornos para a identificação e expurgo de chamadas curtas e abusivas em volume excessivo;

– estabelecer regulação específica para vedar a comercialização de funcionalidades associadas aos serviços de telecom que facilitem as chamadas curtas ou abusivas por contact center.

– atuar sobre incentivos econômicos existentes, em conjunto com outras entidades reguladoras, caso necessário, para cessar a quarteirização irregular de serviços de contact center e o compartilhamento de dados de empresas concorrentes.

Vale lembrar que as operadoras já estão estudando o uso do STIR SHAKEN, com testes previstos para acontecerem ainda neste trimestre. Uma vez integrado às redes de telefonia móvel das operadoras, o STIR/SHAKEN informará à pessoa que recebe a ligação o nome da empresa que está lhe chamando, com logo, selo de autenticação e o motivo da chamada.

Sobre a tomada de subsídios

A nova tomada de subsídios reúne seis temas. São eles:

  1. Impacto nas redes de telecomunicações;
  2. Desequilíbrio regulatório entre agentes do ecossistema digital;
  3. Desequilíbrio da proteção dos consumidores nos ambientes tradicional e digital;
  4. Indícios de competição desequilibrada entre os atores do ecossistema digital;
  5. Desequilíbrio entre os investimentos cabíveis a cada agente do ecossistema digital com vistas à expansão e à sustentabilidade da infraestrutura de rede;
  6. Desequilíbrio entre os distintos agentes do ecossistema digital quanto a medidas de transparência.

Os temas podem conter subtemas, mas todos apresentam uma “hipótese de problema preliminar”; objetivos com a tomada de subsídios sobre este quesito; e alternativas preliminares para solucionar a questão.

No primeiro tema, a tomada pretende definir alguns aspectos, como quais são as práticas que configuram o uso inadequado das redes pelos usuários; assim como a definição de quem são os “grandes usuários” que causam impactos nas redes de telecom.

“A ideia é cobrir todos os tópicos e que em 2024 a gente analise os temas abordados e, e no fim do ano, apresentar uma solução final ao conselho diretor”, explicou Roberto Mitsuake Hirayama, durante a apresentação da tomada de subsídios nesta segunda-feira, 29, para a imprensa.

Anatel e a regulação das plataformas digitais

A Anatel vem deixando bastante claro seu desejo em ser a agência reguladora das plataformas digitais. E a tomada de subsídios vem nesta toada. Ao longo de 2023, seu presidente, Carlos Baigorri, ventilou a ideia e levantou a bandeira nos eventos por onde passou.

Em junho, durante o Painel Telebrasil Inovation 2023, explicou a tomada de subsídios – a primeira sobre o tema – porque, pela lei, as plataformas digitais não são empresas de telecomunicações, mas são SVA. “Esse debate da consulta pública da tomada de subsídios está sendo feito, pois, na perspectiva da lei, as plataformas digitais não são empresas de telecomunicações. Mas essas empresas são provedores de serviço de valor adicionado (SVA), segundo o artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações. E como provedores de SVA, são usuárias de telecomunicações. E, como usuárias, têm deveres. O dever do usuário que está no artigo 4, inciso I, é utilizar de forma adequada as redes de telecomunicações. E usar as redes de telecomunicações para divulgar desinformação, Fake News e discurso de ódio não me parece adequado”, afirmou Baigorri, em meio às discussões sobre o projeto de lei 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News.

Em agosto, por exemplo, afirmou que a Anatel é a única instituição capaz de aplicar sanções a essas empresas. E, em outubro, Baigorri sugeriu que Anatel e Cade regulassem em conjunto os mercados digitais.