Falta da Oi no leilão do 5G foi notada pelos analistas. Imagem: divulgação

As ofertas dos 15 proponentes pelas faixas do leilão devem gerar mais de um tipo de disputa no 5G. Com 140 blocos regionais e nacionais de quatro tipos de frequência no certame, do 700 MHz ao 26 GHz, as grandes operadoras, virtuais, regionais e as novas entrantes devem se engajar em diversas propostas, em especial nas prediletas frequências de 700 MHz e 3,5 GHz nos blocos nacionais e regionais, enquanto é esperado pouco interesse nas faixas de 2,3 GHz e 26 GHz.

Mobile Time conversou com mais de 11 analistas do mercado de telecomunicações, mídia e tecnologia para analisar cenários, a partir da peleja pelas frequências. Em um especial dividido em duas partes, essa primeira matéria busca analisar as possibilidades que operadoras, MVNOs e empresas de rede neutra terão no leilão agendado para a próxima quinta-feira, 4.

O que é o leilão?

Alberto Boaventura, gerente sênior na Deloitte, comenta que o leilão atual é diferente das edições anteriores em 2007 (3G) e 2012 (4G). Com um total de 3.710 MHz (3,7 GHz) de frequências, é um leilão com ampla diversidade de faixas:

  • 700 MHz com 20 MHz (faixa sub-1 GHz);
  • 2,3 GHz com 90 MHz;
  • 3,5 GHz com 400 MHz (midbands);
  • 26 GHz com 3,2 GHz (acima de 24 GHz – próximo das ondas milimétricas).

“A disponibilidade de faixas diversificadas é importante para o desenvolvimento dos casos de uso do 5G e seus pilares fundamentais, como: Ultrareliable Low Latency Communication (URLLC); Massive Machine Type Communication (mMTC); e Enhanced Mobile Broadband (eMBB); mas também para a viabilização prática de novos entrantes na oferta de serviços móveis no Brasil”, explica Boaventura.

Dito, isso, o executivo da consultoria de negócios divide os 15 proponentes do leilão em quatro categorias:

  • As operadoras móveis (MNOs) com espectro de radiofrequência, ou seja, as três grandes nacionais: Claro, TIM e Vivo. Além de Algar e Sercomtel;
  • Operadoras móveis estabelecidas sem espectro de radiofrequência, ou seja, as MVNOs como VDF/Datora e Neko Serviços/Surf Telecom;
  • As operadoras regionais fixas com interesse individual ou em consórcios, como BRDigital, Brisanet, Fly Link, Consórcio 5G Sul e 5G Brasil;
  • E os novos investidores, vide Winity/Patria, NK 108/DigitalBridge/Highline e Cloud2u/Greatek.

De acordo com o texto do edital aprovado pela Anatel em setembro deste ano, o valor total do leilão foi orçado em R$ 49,7 bilhões, incluindo todas as obrigações de cobertura e compromissos. O preço mínimo da soma de todos os lotes ficou em R$ 10,6 bilhões.

Segundo Paulo Tavares, diretor da Accenture, os cálculos das propostas dos proponentes são baseados em “custo por MHz por população coberta” que possuem como variáveis o histórico de leilões anteriores e seus valores pagos em moeda estrangeira (dólar ou euro, em sua maioria). Convertendo esses valores para a moeda local, ajusta-se por quantidade de espectro e removem-se os custos das obrigações. Além disso, as empresas avaliam potencial de receita, market share e capacidade de uso do espectro.

Outro analista da Accenture, o consultor sênior Geraldo Araújo, lembra que o leilão do 5G traz o retorno dos consórcios, ou seja, um conjunto de empresas que podem fazer propostas pelos blocos. Algo que foi visto pela última vez durante o processo de privatização do setor no governo Fernando Henrique Cardoso, 24 anos atrás: “Pela primeira vez teremos a característica do consórcio. Essa é a novidade que gera mais competição com a estratégia desses grupos”, diz.

Surpresas

Dos 15 players participantes, os analistas apontam algumas surpresas.

Ari Lopes, gerente sênior de pesquisa da Omdia, destaca como surpresa a Greatek, uma fabricante de equipamentos de comunicação que pode apostar em ofertas de Internet das Coisas, e a Copel, que pode trazer dinâmica com ofertas para “diferentes faixas de frequência”.

Para Raul Colcher, presidente da Questera e membro do IEEE, a surpresa é a Winity, braço de telecom da Pátria Investimentos. Já André Alencar, gerente executivo sênior de vendas na Capgemini, analisa que o Consórcio Sul, que tem Nelson Tanure como um dos seus investidores (assim como a Copel), dá “oportunidades de expansão e maior competição” ao setor de telecom.

Em contrapartida, a não entrada no leilão das firmas de infraestrutura – BTG, EB Capital e IHS – não foram vistas com espanto, mas como parte da estratégia dessas empresas. “Eles (novos entrantes de infraestrutura) pensam em consórcio ou M&A, e ainda tem a questão da parceria. Você pode usar a fibra como grande enabler para o 5G. Nós vemos uma mudança no modelo de negócios”, avalia Paulo Tavares, da Accenture.

Vale lembrar, o conselheiro da Anatel, Emmanoel Campelo, afirmou na última semana que a entrada dos 15 players foi acima das expectativas.

Oi

Apesar das surpresas pelo número de entrantes no certame, uma empresa que foi sentida por sua ausência no leilão foi a Oi. Geraldo Araújo, consultor sênior da Accenture, lembra que a operadora cogitou o 26 GHz, mas sem um desejo ou estudo concreto. Contudo, em razão do desenho de uma nova estrutura operacional baseada em rede fixa e serviços, da venda da operação móvel para Claro, TIM e Vivo e da espera de aprovações desta operação junto ao Cade, os analistas veem com naturalidade o fato de a Oi não entrar no certame.

“Em um estudo que publiquei em 2019, antes da venda da Oi Móvel, achava que a Oi devia sair da mobilidade. Não conseguiu a escala, não vingou”, argumenta Lopes. “Eles poderiam apostar no 26 GHz. Mas ela aguarda no Cade a venda da unidade móvel e provavelmente a compra atrasaria mais a venda. Além disso, o plano estratégico (de reestruturação da companhia) está bem definido. E ela desistiu do 700 MHz (anos atrás, no leilão do 4G)”, conclui.

Apostas

Com a abertura dos envelopes na próxima quinta-feira, 4, o País terá noção do futuro das telecomunicações para a próxima década e além. Vale lembrar que a agência reguladora projeta um Capex total de R$ 163 bilhões de investimentos em infraestrutura de rede para os próximos 20 anos.

Para Boaventura, a disputa pode ser dividida com as operadoras móveis que detêm espectro (MNOs) buscando “evolução tecnológica natural de sua operação”. Para elas, o espectro de maior relevância é o 3,5 GHz com número de redes no mundo e maior ecossistema. Por sua vez, as MVNOs tentarão a “independência” das MNOs em mercados de relevância, onde os lotes regionais das faixas de 700 MHz, 2,3 GHz e 3,5 GHz podem ser uma opção.

Das operadoras de banda larga fixa, o foco pode ser em consórcios e/ou acordos para garantir o atendimento a todo território nacional desde blocos nacionais até acordos com utilização de blocos regionais de 700 MHz e 2,3 GHz para garantia de continuidade de cobertura através da tecnologia 4G, podendo evoluir ao 5G, segmento em que são “debutantes”. Também podem avançar para o 3,5 GHz para ampliar a oferta de serviços de mobilidade e ao 26 GHz para complementação aos serviços de banda larga fixa com 5G através do Fixed Wireless Access (FWA).

Por último, os grandes investidores (como Pátria e Highline), em sua maioria, devem apostar na oferta de espectro compartilhado (as a Service) em possíveis operações de redes neutras, onde podem estar interessados em qualquer faixa deste certame: “Entretanto, apesar da Resolução do Uso de Espectro de Radiofrequência (RUE – Resolução 671/16) e mais recentemente a possibilidade de sua revisão, prever a exploração industrial de radiofrequência, é preciso que se evolua nas discussões de uso de espectro compartilhado e uso secundário para garantia na operação de rede neutra e investimentos associados”, completa Boaventura, da Deloitte

Neste desenho, Luciano Saboia, gerente de pesquisa em telecom na IDC Brasil, acredita que está claro o jogo que cada tipo de player deseja explorar e qual infraestrutura trabalhará, como por exemplo, as redes neutras: “Elas (empresas de redes neutras) estão buscando a maximização dos investimentos, fazendo construção de rede e negócio de escala. A fibra é importantíssima para o 5G. Ela está intrínseca para que o tráfego gerado tenha qualidade. Cada um se encaixa na sua especialidade, sem grandes aventuras”.

Faixas ‘filé mignon’ e ‘patinho feio’

Por outro lado, os especialistas de TMT (Telecom, Mídia e Tecnologia) apontam algumas possibilidades de disputas fora do comum, os wild cards (‘surpresinhas’ na tradução coloquial do inglês). Mais de uma vez durante as entrevistas para esta reportagem, os executivos trataram os lotes de 3,5 GHz como o “filé mignon” do leilão de 5G, a fatia prime do certame que deve ser alvo das três grandes operadoras. Por sua vez, a faixa de 700 MHz é o meio-termo e pode ser palco de disputa entre as incumbentes e novas entrantes.

“O filé mignon é o 3,5 GHz até pela característica de cobertura e banda. Não à toa que é o maior valor estimado pelo governo, na casa de R$ 24 bilhões. Mas não tenho dúvida dos 700 MHz com disputa no regional. A faixa de 26 GHz custa R$ 8,5 bilhões sem contrapartida (ainda não definida) e será disputada por indústria”, prevê Tavares, da Accenture. “Até o ‘patinho feio’ do 2,3 GHz não precisa de limpeza e tem deployment imediato. Cobrir 240 municípios com 4G não é difícil. Se tem 2G e 3G, basta colocar 4G. O 2,3 GHz pode surpreender, em torno de R$ 5 bilhões para 50 MHz e R$ 4 bilhões para R$ 40 MHz”, avalia.

As faixas de 26 GHz e 2,3 GHz são muitas vezes chamadas de “patinho feio” pelos custos e obrigações, além de ter pouca atratividade de retorno de investimento no médio prazo. Boaventura dá como exemplo uma possível redução de interesse nos blocos nacionais de 3,5 GHz por serem onerosos e terem obrigações de limpeza de faixa e indenização, assim como o de 26 GHz tem obrigações indefinidas (conectividade nas escolas).

“Dependerá dos casos de uso, plano de negócio, projeção de demanda e estratégia dominante de cada participante. Entretanto, há alguns desequilíbrios que podem ser avaliados. As pesadas obrigações aos lotes nacionais para o 3,5 GHz podem suscitar uma preferência aos lotes regionais, onde também existirão mais participantes. Neste caso, lotes regionais do 3,5 GHz, em especial para as regiões VII e VIII, podem enfrentar maiores disputas”, diz o diretor da Deloitte. “Isso vale para as demais faixas. A disputa pela faixa de 700 MHz pode ser uma surpresa, em especial com grandes investidores de infraestrutura, seguida pela faixa de 2,3 GHz. E o 26 GHz é uma incógnita, em especial devido à incerteza dos custos das obrigações”, completa.

Ágio e calhau

Como um jogo de pôquer, é natural que as apostas aumentem durante o certame. Com o leilão mostrando uma disputa por frequências nos blocos nacionais, alguns dos analistas preveem possibilidade de ágio (quando o valor ofertado é superior ao mínimo previsto no edital). Por outro lado, como o leilão é custoso para os participantes, o cenário pode mostrar blocos vazios, sem propostas.

Lopes, da Omdia, vê possibilidades de ágio em 3,5 GHz e 700 MHz e não acredita em blocos vazios: “Muito do que for oferecido será convertido em obrigações”, explica. Colcher, da Questera e do IEEE, também aposta que as brigas mais importantes serão nas frequências de 3,5 GHz e 700 MHz. Em sua visão, essas duas faixas são aquelas que “viabilizam o maior termo de aplicações” e também dão mais interconectividade em termos globais. Mas, de forma positiva, prevê propostas para todas as faixas, ou seja, não haverá blocos vazios.

Por sua vez, Vinícius Castelo, principal da Oliver Wyman, lembra que um dos intuitos do governo federal com o leilão era “a entrada de um novo player nacional na faixa de 700 MHz”, algo que em sua análise ainda não se concretizou. Explica ainda que o cenário será de cautela entre as empresas participantes: “Se você lança uma proposta elevada, fica o desafio de monetizar. E ainda está aberto qual será o killer-app do 5G. Estamos falando de mais capacidade e mais banda, mas não tem killer-app. Como está muito aberto e teremos quatro a cinco vezes mais antenas, mais investimento de energia, nós poderemos ver operadoras mais cautelosas”, pontua.