A Comissão Especial de IA da Câmara dos Deputados realizou sua primeira audiência pública nesta terça-feira, 10, para analisar a proposta de regulamentação do uso de IA, que já foi aprovada no Senado.
O PL tramita em regime de prioridade na Câmara e a comissão terá dez sessões do plenário da Casa para apresentar seu parecer contados a partir da instalação da comissão.
Nesta terça-feira, houve consenso entre os participantes sobre a urgência e a importância de se tratar a regulamentação da IA no país. Especialistas e deputados ressaltaram que a inteligência artificial já é uma realidade no cotidiano das empresas e pessoas, adotada por uma parcela importante da população e das empresas brasileiras, e seu impacto social e econômico só crescerá.
Dario Durigan, secretário-executivo do Ministério da Fazenda destacou que a regulação é bem-vista pelo governo federal e por todos, pois traz “previsibilidade e atração de investimentos”, e que a “ausência de uma resposta do Estado brasileiro a um tema regulado globalmente gera insegurança jurídica”.
“O Brasil é muito respeitado no mundo quando o assunto é regulação digital”, explicou. O país “tem histórico de debate e legislação digital que são fundamentais, como o MCI (Marco Civil da Internet), LGPD, que são legislações que têm ajudado muito a construir um ambiente mínimo para o desenvolvimento digital do Brasil”, disse. Para Durigan, a legislação sobre IA é a “terceira geração” dessa evolução regulatória. “Não regular significaria deixar o cidadão à mercê de sistemas discriminatórios e o lucro prevalecer sobre a justiça e segurança”, complementou.
A busca por um marco regulatório ideal, segundo os debatedores, deve encontrar um equilíbrio entre o fomento à inovação, ao desenvolvimento tecnológico e à competitividade brasileira com a proteção dos direitos fundamentais. Cléber Zanchettin, representante da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), mencionou que a estratégia legislativa deve ser “dual”, estimulando a inovação e a salvaguarda de direitos.
Outro ponto de consenso incluiu a necessidade de a regulação ser baseada em riscos, diferenciando sistemas de alto e baixo risco.
Princípios como transparência, responsabilização, explicabilidade, auditabilidade e segurança foram amplamente citados como fundamentais para garantir o uso ético e responsável da IA. Para diferentes especialistas na audiência, a inteligência artificial não pode ser opaca, mas transparente.
Modelo de governança
Um ponto central e de debate foi o modelo de governança e a estrutura de supervisão propostos pelo PL. O texto do Senado propõe um sistema descentralizado dando protagonismo às agências reguladoras setoriais como Banco Central, Anatel, Anvisa, Cade, entre outras, para regulamentar a IA em seus respectivos campos. E, para o caso de “pontos cegos” da legislação, caberia à SIA (Sistema de Governança e Regulação de IA), encabeçada pela ANPD, endereçar esses pontos.
Bruno Bioni, do Data Privacy Brasil, defendeu que este modelo brasileiro é diferente da abordagem centralizada europeia, é menos prescritivo e permite maior flexibilidade e adaptação à evolução tecnológica. Segundo ele, pelo texto atual do PL 2338, não há hierarquia entre a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e essas agências setoriais, e a ANPD teria uma competência suplementar ou residual para áreas e pontos não cobertos pelas regulações setoriais.
Andrei Gutierrez, presidente da Abes, apontou a falta de pessoal e recursos na ANPD como um problema a ser resolvido para que ela possa cumprir seu papel, inclusive no combate à discriminação algorítmica. O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) também defendeu a necessidade de fortalecer a ANPD.
Bioni corroborou, afirmando que proteger direitos não inibe inovação e citou o Pix como exemplo.
As divergências observadas na Comissão Especial de IA
As principais divergências e desafios residem no “como” regular a IA e em que nível de detalhe a lei deve ir.
A flexibilidade da lei foi um ponto de divergência; enquanto Laura Schertel, presidente da Comissão de Direito Digital da OAB Federal e Orlando Silva argumentaram que o texto do Senado já é flexível e permite regulamentação infralegal e aprimoramento pelas agências setoriais, outros como Andrei Gutierrez e Afonso Nina, presidente da Brasscom, defenderam uma abordagem mais principiológica e menos prescritiva na lei, deixando mais detalhes para a regulamentação infralegal, dada a rápida evolução da tecnologia, expressando preocupação com o impacto regulatório em startups e pequenas empresas caso as exigências sejam muito pesadas.
A questão dos direitos autorais na era da IA generativa foi levantada como um desafio complexo, com sugestões de tratar o tema em legislação específica de propriedade intelectual. Riscos como o impacto no emprego e a necessidade de combater o uso indevido da IA para criar deepfakes e disseminar desinformação foram destacados como urgentes e de difícil controle com as leis atuais. A necessidade de investir em capacidade computacional, recursos humanos e políticas de soberania de dados e interoperabilidade também foram temas mencionados como fundamentais para o Brasil ser protagonista e não apenas consumidor de IA.
Os debates na comissão especial continuarão, com novas audiências públicas para aprofundar temas específicos como fomento, data centers e empregabilidade.