|Mobile Time Latinoamérica| A Colômbia se tornou um dos primeiros países do mundo a alcançar um amplo acordo entre governo, Congresso, empresas de tecnologia e entregadores para regulamentar esse modelo de trabalho. A reforma trabalhista aprovada recentemente estabelece um marco legal para os trabalhadores de entrega digital, conciliando a proteção social com a flexibilidade que caracteriza esse tipo de emprego.

Em entrevista à Mobile Time Latinoamérica, José Daniel López, presidente da Alianza In Colombia — entidade que reúne as principais plataformas tecnológicas do país — explica o alcance dessa nova regulamentação, suas diferenças em relação a iniciativas similares em outros países e os desafios técnicos e operacionais que sua implementação implica.

Mobile Time Latinoamérica – O que essa nova regulamentação significa para o modelo de negócios das plataformas de entrega na Colômbia?

José Daniel López – Este é um momento sem precedentes em nível internacional. No mundo, começando pela Organização Internacional do Trabalho, está em curso uma discussão muito intensa e, de certo modo, bastante polarizada entre duas visões sobre o trabalho em plataformas.

Raras vezes se vê governos — especialmente os de esquerda, por sua proximidade com os movimentos sindicais — e empresas chegarem a acordos sobre a forma apropriada de regulamentar o trabalho em plataformas.

O primeiro fator importante desse acordo é que ele estabelece um precedente, tornando a Colômbia pioneira na capacidade de chegar a consensos num mundo onde, em geral, isso não tem acontecido.

Essa fórmula “à moda colombiana”, construída em conjunto com o governo desde a Alianza In e aprovada com amplo apoio do Congresso, consegue conciliar dois objetivos que em outros lugares estão em tensão, mas que na Colômbia já não estão: o bem-estar e a proteção dos entregadores, por um lado, e, por outro, a adaptação das normas trabalhistas — em sua maioria do século XX — às realidades do trabalho digital do século XXI.

Acredito que esse é o grande significado desse acordo para o mundo.

Em que essa regulamentação colombiana difere das que foram propostas ou aprovadas em outros países?

O mais marcante no caso colombiano — ao contrário do que ocorreu no Chile, México ou Espanha — é que se trata do fruto de um consenso. Um consenso que reúne governo, amplas maiorias do Congresso, os entregadores e as empresas de plataformas.

Esse é o grande diferencial: alcançar um equilíbrio que parece inatingível com outras regulamentações. Avançamos na melhoria da proteção e das condições de trabalho dos entregadores sem que isso ocorra às custas do emprego ou da natureza dos modelos de negócio da economia colaborativa. É um pacto com as empresas que trouxeram essa revolução digital do século XXI.

Uma vez sancionada a lei pelo presidente, qual é o prazo para que entre em vigor o acordado na reforma pelas plataformas e entregadores?

A lei da Reforma Trabalhista é clara: há um regime de transição. Agora a bola está com o governo. Estamos prontos para ajudar, porque eles devem cumprir uma série de obrigações de regulamentação e implementação.

Uma vez cumpridas essas obrigações, expressamente previstas na reforma, as plataformas terão um ano para se preparar para essa mudança. A mudança é complexa, exige novas plataformas ou mudanças profundas nas existentes (como a PILA — Planilha Integrada de Contribuições), levantamento de dados de centenas de milhares de entregadores e importantes desenvolvimentos tecnológicos.

Após esse ano de transição, o novo modelo entra em vigor.

Como pretendem implementar esse modelo em nível operacional e técnico nas plataformas?

Haverá um processo técnico. De um lado, um processo de regulamentação. Todas as leis são gerais, e precisam de regulamentações para se tornarem aplicáveis.

Um exemplo é a contribuição à seguridade social. A reforma estabelece que será feita com base na renda gerada, qualquer que seja, tomando como base as horas trabalhadas. Isso requer uma regulamentação clara do governo nacional, e esperamos participar dessa construção.

Há também obrigações de implementação, como o ajuste da planilha PILA para que as empresas contribuam com 60% para saúde e aposentadoria e 100% para riscos laborais, mesmo que os trabalhadores continuem sendo independentes. Esse é um grande desafio.

Além disso, será preciso caracterizar os entregadores para conhecer sua situação em relação à seguridade social. Esses são os desafios que temos pela frente.

Como garantirão a transparência no processo de filiação, tanto por parte das plataformas quanto dos entregadores?

Como isso será lei assim que o presidente sancionar, torna-se obrigatório para todas as partes. Estabelece-se a obrigação de acordar o tipo de contrato: se será um contrato de trabalho tradicional ou autônomo.

Quando se tratar de um contrato de trabalho autônomo — como ocorre na maioria dos casos — a empresa contribuirá com 60% para saúde e aposentadoria e 100% para riscos laborais. Essas são obrigações legais cujo cumprimento é obrigatório e cuja violação será punida conforme a legislação vigente na Colômbia.

E quanto aos entregadores estrangeiros ou migrantes? Foram previstas condições para eles?

Sim. É algo de que me orgulho. Essa é uma mudança, mas uma mudança responsável. Muitos migrantes, que fugiram de condições humanitárias extremas, encontram hoje nas plataformas uma opção de geração de renda.

Com essa lei, não só poderão gerar renda e contribuir para a seguridade social, como terão um regime especial. Assim como muitos colombianos emigraram para a Venezuela há 40 ou 50 anos, muitos desses jovens migrantes provavelmente ficarão aqui, e essa lei lhes permitirá fazer sua primeira contribuição previdenciária e estarem cobertos por um plano de saúde (EPS).

É uma excelente notícia. Desde que cumpram os requisitos legais, poderão trabalhar em plataformas como qualquer outro cidadão.

Essas novas obrigações para as plataformas terão impacto no usuário final, como nos custos de envio?

A posição da Alianza In — acordo construído com as principais plataformas do país — foi proteger o acesso dos usuários. Quando o acordo foi feito em 2023, as plataformas o analisaram cuidadosamente para evitar a redução do mercado ou aumentos substanciais nos preços.

Claro que há novos custos, já que as plataformas contribuirão para a seguridade social dos entregadores. Mas dependerá de cada empresa, num mercado de livre concorrência, definir quanto desses custos será repassado ao usuário.

O que posso afirmar é que, se essas empresas aceitaram o acordo, é porque confiam que isso não afetará negativamente o mercado nem os benefícios atuais dos usuários.

Qual é o impacto social e econômico dessa nova norma?

Um estudo recente sobre o impacto de plataformas de entrega na segurança de municípios de São Paulo (Brasil), feito por uma doutoranda do MIT, mostra que a chegada dessas plataformas reduz a violência em bairros populares. Muitos jovens encontram nelas uma alternativa à renda vinda da criminalidade.

Na Colômbia, estudos anteriores mostram a mesma tendência. As plataformas transformam sociedades e oferecem oportunidades em setores vulneráveis.

Em 2024, segundo pesquisas com entregadores, 645 mil contas realizaram uma ou mais entregas na Colômbia. Importante esclarecer que não são 645 mil pessoas, pois um mesmo entregador pode trabalhar em várias plataformas.

Além disso, mais de 7,5 milhões de usuários fizeram pelo menos um pedido, e mais de 135 mil contas de negócios (restaurantes, padarias, farmácias, supermercados) venderam por meio dessas plataformas.

Isso não só melhora a segurança e oferece oportunidades, como também facilita o cotidiano de milhões de cidadãos.

A maioria dos entregadores trabalha em várias plataformas. Nesse caso, quem é responsável pelo pagamento da seguridade social? Eles precisam ficar em uma única plataforma?

Não. A reforma é clara: sendo autônomos, ninguém pode obrigá-los a trabalhar em apenas uma plataforma. Têm liberdade para atuar em várias.

Cada plataforma deve informar e contribuir proporcionalmente ao que esse entregador gerou nela durante o período.

A reforma inclui apenas plataformas de entrega, mas deixa de fora as de mobilidade. A Alianza In pretende impulsionar uma regulamentação para elas?

Temos insistido junto ao governo e ao Congresso para que avancem na regulamentação das plataformas de mobilidade.

Hoje, o que os motoristas mais precisam é deixar de serem perseguidos, multados e terem seus veículos apreendidos pelas autoridades. Não faz sentido regulamentar seu trabalho se seus veículos continuam sendo alvos de repressão.

Continuamos dizendo que é urgente regular essas plataformas. Nos últimos quatro anos, o governo não fez nada nessa área, assim como os anteriores. O único avanço é um projeto do senador Julio Díaz, aprovado em primeiro debate.

 

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