Decisões sobre a adoção de tecnologias de inteligência artificial (IA) têm se tornado das mais complexas e urgentes para executivos de empresas cujo core business não é tecnológico. Envoltos em um ambiente em parte desconhecido, saturado por narrativas de inovação, disrupção, eficiência e inevitabilidade, esses líderes organizacionais se veem, de certa forma, pressionados a tomar decisões rápidas sobre o tema, mesmo quando as bases para uma adoção responsável e estratégica ainda não estão claras.
Por um lado, há uma enxurrada de relatórios de consultorias e institutos de pesquisa sinalizando o crescimento exponencial dos investimentos em IA, a superioridade competitiva das empresas que a adotam e a iminente transformação dos modelos de negócio. Esses discursos, frequentemente impulsionados por fornecedores de tecnologia e por governos que os apoiam, reforçam um senso de urgência organizacional — uma corrida por eficiência, redução de custos e inovação que coloca os executivos em uma posição de tomada de decisão sob forte pressão simbólica, política e mercadológica.
Simultaneamente, esses líderes são confrontados por questões de ordem prática e ética que extrapolam a lógica instrumental da tecnologia como ferramenta. A incorporação de IA em estruturas corporativas implica decisões estratégicas sobre governança, accountability, avaliação de impacto, reconfiguração de funções, capacitação de equipes, bem como sobre a cultura organizacional necessária para sustentar essas transformações.
Além das questões internas, elementos externos acentuam a complexidade: discussões regulatórias sobre uso ético da IA, riscos relacionados à privacidade e proteção de dados, impactos no mercado de trabalho e a emergência de diretrizes para uso responsável da tecnologia em setores como saúde, educação, jurídico e administração pública.
O paradoxo se aprofunda quando se observa que muitas das tecnologias oferecidas como “soluções prontas” vêm de países e empresas que controlam a cadeia de produção e distribuição de IA. A rápida institucionalização dessas tecnologias nos demais países, muitas vezes importadas sem mediação crítica, pode implicar em riscos de dependência tecnológica e apagamento de valores culturais e sociais locais.
Apesar de parecer um jogo de forças entre interesses econômicos e soberania regulatória, o debate não se esgota na dicotomia. A profundidade dos impactos sociais, econômicos e epistemológicos da adoção de IA coloca os executivos diante de um dilema: ceder ao imperativo da inovação sem uma estratégia definida ou resistir a ele em busca de uma maturação institucional mais consciente – e isso envolve também a aceitação às condições de incerteza que envolvem a decisão de se posicionar como “early adopter”.
Esse cenário cria uma zona de desconforto estrutural. A IA não representa apenas uma questão técnica ou mercadológica (apesar dos esforços para que seja vista somente nessa perspectiva), mas um caminho de transformação das formas de trabalho, das estruturas organizacionais e dos modelos de decisão. Como alerta Crawford (2021), “inteligência artificial é sempre política” – e, nesse sentido, adotá-la sem refletir sobre seus efeitos é, em si, uma tomada de posição.
Diante dessa ambiguidade, algumas tendências começam a emergir, ainda que timidamente. Dentre elas, a consolidação da IA como tema estratégico (e não somente técnico) nas organizações; a valorização de profissionais híbridos, capazes de dialogar entre negócios, tecnologia e ética; o fortalecimento de frameworks institucionais para avaliação de impacto social; o surgimento de ecossistemas regionais que buscam soberania digital; e a reformulação dos programas de educação executiva para promover um letramento crítico sobre o papel da IA no presente e no futuro das organizações. Essas tendências ainda estão distantes de resolver o desconforto causado pela necessidade de um equilíbrio que ainda não sabemos como atingir, mas sinalizam que tal complexidade veio para ficar — e que liderar em tempos de IA é, antes de tudo, um exercício de responsabilidade institucional.