O WhatsApp foi criado por um ucraniano, depois foi comprado por um norte-americano e acabou se tornando o aplicativo mais popular entre os brasileiros. É um exemplo perfeito da quebra de fronteiras que a era digital tornou possível. Apps são criados em um lugar, fazem sucesso em outro, e são comprados por investidores de um terceiro. Mas a motivação dessa coluna não é falar sobre a globalização digital dos tempos atuais exemplificada na figura do WhatsApp, e sim sobre outra peculiaridade deste aplicativo de mensagens: ele está caminhando para se tornar um superapp brasileiro, embora rejeite o rótulo. 

Antes precisamos falar sobre o termo “superapp”. Hoje há uma certa confusão em torno dele. O conceito surgiu para se referir à atuação do WeChat na China: o aplicativo chinês de mensageria se tornou, anos atrás, uma plataforma aberta para que terceiros criem serviços diversos, muito além da comunicação instantânea à qual se propunha originalmente. Sua massa crítica de usuários atraiu marcas de verticais variadas, transformando o WeChat praticamente em um segundo sistema operacional dentro do smartphone Android ou iPhone chineses. Pelo WeChat, os consumidores pedem comida, compram presentes, chamam um táxi, realizam pagamentos e transferências etc. Ou seja, em vez de abrirem outros apps específicos, procuram os contatos dessas marcas dentro do WeChat, por ser o aplicativo no qual passam mais tempo ao longo do dia.

A partir da experiência do WeChat foi cunhado o termo “superapp” para se referir a um aplicativo que tenha as seguintes características: 1) massa crítica de usuários; 2) plataforma aberta com uma pluralidade de serviços oferecidos por terceiros. O japonês Line e o sul-coreano Kakao também se enquadram nessa classificação.

No Brasil, contudo, “superapp” ganhou um novo significado. Passou a ser utilizado por aplicativos que procuram concentrar uma multiplicidade de serviços e produtos, mesmo que sejam em uma vertical só, e mesmo que não tenham uma massa crítica de usuários na proporção de um WeChat na China. Assim, aplicativos de marketplace de comércio móvel, bancos digitais e até mesmo de serviços para motoristas passaram a se autointitular “superapps” em suas respectivas categorias. Nada contra. Afinal, a língua é viva. E talvez esse novo significado para “superapp” já seja mais conhecido por aqui que o original.

Porém, enquanto isso, existe um aplicativo que caminha em direção de se tornar o primeiro superapp no Brasil se considerarmos a comparação com o WeChat. Estou falando, claro, do WhatsApp. Ele é o único com condições para tal: está presente em 99% dos smartphones brasileiros e é o app mais aberto ao longo do dia, informa a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box. Além das pessoas, o WhatsAppp reúne também milhões de pequenos estabelecimentos comerciais no WhatsApp Business e, de três anos para cá, também grandes marcas, especialmente para o atendimento ao público com robôs de conversação (chatbots). 

Nos últimos anos, em um ritmo cada vez mais rápido, o WhatsApp tem anunciado novas funcionalidades em sua plataforma. As mais relevantes são a a criação de Comunidades (um grande grupo para gerir um conjunto de grupos, com lançamento no Brasil previsto para 2023); carrinho de compras; transferências de valores entre pessoas físicas; e compras por cartão de crédito (Visa e Mastercard já receberam autorização do Banco Central e o lançamento oficial deve acontecer em breve). Com a possibilidade de pagamentos dentro do WhatsApp, veremos uma avalanche de serviços e produtos sendo comercializados através de conversas nele, o chamado comércio conversacional. Aliás, isso já acontece apesar das limitações – o usuário precisa pagar fora do WhatsApp, através de um link de pagamento. Outros grandes apps provavelmente vão se adaptar. Um exemplo recente é o da Uber, que agora permite a solicitação de corridas pelo WhatsApp no Brasil.

Todavia, os executivos do WhatsApp não usam o termo “superapp”, talvez para evitar comparações ou para não criar expectativas. Mas, com sua massa crítica de usuários e a oferta de uma plataforma aberta cheia de recursos para desenvolvimento e pagamento para que terceiros de múltiplas verticais vendam produtos e serviços, para mim não resta dúvidas: o WhatsApp vai se tornar um superapp, pelo menos no Brasil. Um superapp verde-amarelo, como talvez seu fundador ucraniano Jan Koum jamais pudesse ter imaginado, tampouco o norte-americano Mark Zuckerberg, quando o adquiriu, quase dez anos atrás.